Atos de rebeldia em pelo menos três unidades estaduais do Ministério Público acabam de ser contidos pelo conselheiro Orlando Rochadel Moreira, do Conselho Nacional do MP. Ele afirmou que é obrigatória e imediata a nova norma do órgão que dá a promotores e procuradores o poder de ignorar ação penal quando o réu confessar.
A Resolução 181/2017, assinada nos últimos dias da gestão Rodrigo Janot, define que o MP pode fechar acordo com suspeitos de crimes sem violência ou grave ameaça. Se o investigado confessar o delito, fica livre de denúncia sem qualquer homologação judicial. A regra, já questionada por operadores do Direito e pela Ordem dos Advogados do Brasil, gerou resistência inclusive interna.
Três promotores do Ceará relataram o problema ao CNMP: na segunda-feira (25/9), por exemplo, o Conselho Superior do Ministério Público do Distrito Federal decidiu deixar de aplicar o texto até que sejam definidos critérios para sua aplicação e até que o tema seja analisado pelas Câmaras Criminais Reunidas.
Já em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, foi recomendado que nenhum dos membros celebre acordos de não persecução penal “até que, em oportuna revisão (...), haja a competente regulamentação local das inovações previstas”.
Moreira, relator do caso, assinou liminar suspendendo a medida do MP-DF, por ver risco de dano irreparável ou de difícil reparação, e enviou o caso para a Corregedoria Nacional avaliar se abre reclamação disciplinar pela desobediência. A decisão não abrange o MP fluminense, porque a recomendação foi revogada, nem o MP mineiro, onde a orientação ainda aguarda publicação.
“Não nos parece razoável que o Conselho Superior de determinado Ministério Público, ou outro colegiado administrativo, possa deliberar pela não aplicação, no todo ou em parte, da resolução editada por este órgão nacional de controle”, criticou.
Regra imediata
Para o conselheiro, a resolução apresenta “nível de detalhamento suficiente e adequado para a aplicação do instituto do acordo de não persecução penal de forma imediata, independentemente da existência, ou não, de ato normativo regulamentar em âmbito local”.
Ele também saiu em defesa da norma: segundo Moreira, o acordo de não persecução penal dá “efetividade e celeridade os procedimentos investigatórios criminais”, incorporando “experiências internacionais exitosas”, e é benéfica ao Estado, promovendo a pacificação social “de forma menos burocrática e dispendiosa”, pois o acordo tornará “satisfeita a pretensão punitiva estatal”.
Passo a passo
A Resolução 181/2017 foi aprovada pelo Plenário do CNMP em 7 de agosto. O objetivo oficial é regulamentar a instauração e o andamento dos chamados procedimentos investigatórios criminais (PICs, sem necessariamente passar pela polícia).
No meio das regras, fica autorizado que membros do Ministério Público ofereçam acordo ao investigado, “desde que este confesse formal e detalhadamente a prática do delito e indique eventuais provas de seu cometimento” e cumpra alguns desses requisitos: reparar o dano; pagar prestação pecuniária; renunciar voluntariamente a bens e direitos; prestar serviço à comunidade e comunicar qualquer mudança de endereço, número de telefone e e-mail.
Cada acordo vai estipular as condições e eventuais valores que deverão ser devolvidos, com assinatura de membro do MP, investigado e seu advogado. Se a parte seguir todas as cláusulas, a investigação será arquivada, “sendo que esse pronunciamento (...) vinculará toda a instituição”.
Controvérsias
O Conselho Federal da OAB já anunciou que vai questionar o texto no Supremo Tribunal Federal. Especialistas ouvidos pela ConJur demonstram preocupação com a mudança. O advogado Luiz Flávio Borges D'Urso, por exemplo, declarou que a novidade cria uma instituição “superpoderosa”, que ao mesmo tempo investiga, acusa e agora define a pena.
A exceção foi o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, membro do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo. Ele entende que a resolução está dentro dos poderes do CNMP, como órgão normatizador de procedimentos para a classe, e que a não persecução penal pode ajudar a tornar o Judiciário mais eficiente ao evitar que casos sem violência e com réu confesso tramitem por longo período.
Clique aqui para ler a decisão.
Processo: 1.00904/2017-09
Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2017.
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