Mesmo com a nova qualificadora de "racha" do Código de Trânsito Brasileiro (artigo 302, parágrafo 2º), quem comete homicídio no qual assumiu o risco responde por dolo eventual. Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou seguimento ao Habeas Corpus 131.861 impetrado por um homem duas vezes denunciado por homicídio ao dirigir.
De acordo com o processo, na madrugada do dia 7 de maio de 2009, ao dirigir seu veículo em alta velocidade e aparentemente embriagado, o réu bateu em outro carro em um cruzamento em Curitiba e dois jovens morreram. A defesa alegou que a Lei 12.971/2014, que incluiu o artigo 302, parágrafo 2º, do CTB, impede o tratamento do homicídio na condução de veículo automotor como crime doloso, na modalidade dolo eventual, pois introduziu a forma qualificada do crime culposo.
O ministro ressaltou que, segundo as novas figuras do crime de racha do Código de Trânsito, o agente que, ao tomar parte na prática e causar lesão corporal de natureza grave ou morte, responde pelo crime em modalidade qualificada, desde que o resultado tenha sido causado apenas culposamente. De acordo com o relator, a lei deixa claro que as figuras qualificadas são aplicáveis apenas se as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo” (parágrafos 1º e 2º). “Logo, se o agente assumiu o risco de causar o resultado (lesão corporal grave ou morte), por eles responde na forma dos tipos penais autônomos do Código Penal”, afirmou.
Além disso, Gilmar Mendes destacou que o agravamento de pena promovido pela modificação legislativa é pequeno. Para ele, a leitura da lei não aponta para supressão ou redução do espaço de aplicação do dolo eventual a crimes praticados na direção de veículos.
Exclusão de exame
Segundo o processo, as instâncias ordinárias determinaram a exclusão do exame de álcool, por considerarem que a coleta de tecido sanguíneo enquanto o réu estava em coma, e a subsequente produção da perícia, mesmo autorizadas judicialmente, ofendiam o direito à intimidade e o direito a não produzir prova contra si mesmo.
A defesa alega que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ao declarar a prova pericial ilícita, deveria ter decretado a nulidade e determinado a retirada, dos autos, das provas derivadas de tal exame. Portanto, pretendia o reconhecimento da ilicitude do exame de alcoolemia já desentranhado dos autos.
Perante o Supremo, a defesa questiona indeferimento de liminar pelo Superior Tribunal de Justiça, e pede a suspensão de julgamento previsto para os dias 21 e 22 de janeiro de 2016, pelo júri popular, até a decisão de mérito da impetração.
Depois, os advogados pediram a retirada dos autos as provas consideradas ilícitas e todos os atos que, supostamente, dela derivaram: a denúncia, a sentença de pronúncia e o acórdão do recurso em sentido estrito, nos termos do artigo 157, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal, sob pena de influenciar os juízes leigos do tribunal do júri.
O ministro Gilmar Mendes considerou que na hipótese não há nenhuma situação para se afastar a incidência do enunciado da Súmula 691, do STF. Conforme ele, o acerto na determinação da exclusão do exame de álcool no sangue não está em análise no pedido, mas as consequências dessa exclusão.
Para o relator, não é relevante o argumento de que todas as peças do processo que fazem alguma referência ao exame de alcoolemia devem ser desentranhadas e substituídas.
“A denúncia, a pronúncia e as demais peças processuais não são provas do crime, pelo que, em princípio, estão fora da regra de exclusão das provas obtidas por meios ilícitos (artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal)”, afirmou, ao ressaltar que a legislação, ao tratar das provas ilícitas e derivadas, “tampouco determina a exclusão de peças processuais que a elas façam referência (artigo 157 do CPP)”.
O relator observou que o TJ-PR já acolheu interpretação teleológica favorável à defesa, ao determinar que as referências ao resultado do exame “fossem riscadas das peças processuais”. De acordo com ele, o que os advogados querem é impedir que os jurados tenham conhecimento da própria produção da prova ilícita e dos debates processuais que levaram a sua exclusão.
Liberdade de debate
Segundo o ministro, a exclusão de prova ilícita não é contemplada nas normas de restrição ao debate, que vêm sendo interpretadas restritivamente pelo STF (RHCs 123.009 e 120.598).
Isso porque, conforme Gilmar Mendes, os jurados recebem cópia da peça processual que decidiu pela pronúncia e têm a prerrogativa de acessar a integralidade dos autos.“Os precedentes apontam na direção da inafastabilidade do acesso dos jurados ao conteúdo dos autos”, completou.Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
HC 131.861
Revista Consultor Jurídico, 26 de dezembro de 2015.
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