terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Sob prisma jurídico, condução coercitiva não é considerada prisão

No cotidiano da atividade de polícia judiciária, não é incomum que o sujeito suspeito por prática criminosa grave seja conduzido à delegacia de polícia, desencadeando pronta coleta de elementos de convicção que exijam sua prisão cautelar (temporária ou preventiva), e permaneça capturado momentaneamente, enquanto o delegado de polícia representa pela prisão provisória do agente ao juiz de direito.
Importante destacar que não há que se falar em ilicitude nessa providência, visto que o lapso temporal em que o suspeito é mantido na repartição pública, aguardando a apreciação e deliberação judicial acerca de sua prisão provisória, obviamente em ambiente distinto das pessoas já presas que porventura ali estiverem segregadas, não pode ser considerado “prisão” sob o prisma jurídico. A situação narrada não consiste, tampouco, na famigerada “prisão para averiguação”, na qual a pessoa é arrebatada e permanece por dias incomunicável e encarcerada sem autorização judicial.
É evidente que o delegado de polícia, deparando-se com cenário emergencial dessa natureza, deverá postular de imediato ao Poder Judiciário pela decretação da prisão provisória. O interstício temporal que o representado aguardará na unidade policial deve ser o estritamente necessário para que o expediente documentado seja encaminhado para a apreciação da autoridade judiciária competente e, dependendo do horário, por intermédio de plantão judiciário específico para tal finalidade (Lei Federal nº 7.960/1989, artigo 5º), não devendo ultrapassar poucas horas, suficientes para que o juiz de direito profira sua decisão. Caso o magistrado discorde da necessidade da medida cautelar, o investigado será liberado, sem prejuízo do prosseguimento da apuração via inquérito policial.
Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao reputar legítima aos agentes policiais, sob o comando do delegado de polícia, a condução coercitiva de pessoa para prestar esclarecimentos e realizar os correlatos atos investigatórios à elucidação de delito com subsequente representação e decretação de prisão cautelar pela autoridade judiciária competente.[1]
Oportuna a reprodução de julgado do extinto Tribunal de Alçada Criminal Paulista, que reclamava a adjacente representação pela segregação cautelar nessas hipóteses [2]:
 “Abuso de autoridade - Delegado de Polícia que determina medida privativa de liberdade a suspeito de crime sem, contudo, requerer a prisão temporária ou a custódia - crime caracterizado - condenação mantida. Comete crime de abuso de autoridade o Delegado de Polícia que ordena encarceramento de suspeito de crime, sem, contudo, representar ao Poder Judiciário, solicitando a prisão temporária que entender imprescindível à investigação policial”.
Anota-se que eventual argumentação equivocada ou falaciosa de que se trata de “prisão para averiguação” a manutenção do investigado capturado enquanto se aguarda a decisão judicial do expediente contendo a representação pela prisão temporária pode surgir de leitura precipitada e superficial do parágrafo 5º, do artigo 2º, da Lei 7.960/89: “A prisão somente poderá ser executada depois da expedição de mandado judicial”.
A hermenêutica do citado dispositivo mais coerente e consentânea ao sistema jurídico e à realidade é no sentido de que, se o sujeito foi detido e estão presentes os requisitos da prisão temporária, o delegado de polícia representará instantaneamente por ela, e o investigado aguardará em ambiente separado na repartição policial (e não segregado com outros indivíduos presos), até que o pedido seja apreciado o mais rápido possível e, após a decisão do magistrado, será efetivamente executada a prisão, vale dizer, será o sujeito encarcerado com outros presos temporários. Até então, o suspeito não é considerado “preso”, e a duração de tempo deve ser a indispensável para a análise e deliberação da autoridade judiciária.
De igual modo, agindo o delegado de polícia nos termos acima expostos (pronta representação pela prisão cautelar), não há que se cogitar em caracterização de abuso de autoridade (Lei 4.898/65, artigo 4º, “a”) porquanto não existe o imprescindível dolo de segregar indevidamente o sujeito na postura da autoridade policial (Código Penal, art.18, parágrafo único). Pelo contrário, a intenção é justamente exercer o poder-dever de buscar a preservação da ordem pública e a tutela da sociedade empregando as respectivas formalidades legais, apenas aguardando a manifestação judicial para executar ou não a prisão provisória pleiteada, cuja necessidade premente é vislumbrada na ocasião. O suposto abuso, nesses casos, acaba fulminado, sobretudo, face à inexistência de elemento subjetivo da infração penal.
Repise-se que não comete abuso aquele que coloca em momentânea detenção pessoa sob a qual recaia suspeita fundada de participação pretérita em determinado delito grave enquanto é formulada sua prisão temporária à Justiça. Quem assim age, não está imbuído em perseguição, capricho, vingança ou maldade, e sim em proteger a sociedade pelas vias legais adequadas. Prender, deliberada e imoderadamente, sem qualquer imputação ou fundamento idôneo, é conduta criminosa. Deter, para a adoção imediata de medidas de ofício visando a escorreita aplicação da lei é dever, acima de tudo, moral de todo policial.[3]
 

[1] STF, HC 107.644-SP, 1ª Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 06.09.2011.
[2] TACrimSP, rel. Sergio Pitombo, EJSTACrim, v. 11, p. 38, jul./set. 1991.
[3] LESSA, Marcelo de Lima. A independência funcional do delegado de polícia paulista. São Paulo: Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, 2012, p. 6/7.
 é delegado de polícia de São Paulo, especialista em Direito e professor concursado da Academia de Polícia de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 6 de dezembro de 2014

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