terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Condenação a crime de colarinho branco cresceu 638% em 12 anos, diz estudo

Nunca os crimes de colarinho branco foram tão punidos no Brasil. De 2000 a 2012, o número de condenações desses crimes saltou de 44 para 325 —aumento de 638%. Para se ter uma ideia, de 1987 a 1995, foram apenas 6 condenações em mais de 682 casos investigados. Os dados estão presentes na pesquisa feita pelo advogado e professor de Direito Penal Francis Beck, apresentada no II Congresso Luso-Brasileiro de Criminalidade Econômico-Financeira.
Em números absolutos, de 2000 a 2012, foram 4.684 condenações, 1.490 absolvições e 1.390 decisões extintivas de punibilidade — veja abaixo o infográfico. Os números são referentes às ações que correram no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça, nos cinco tribunais regionais federais, além do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
O evento aconteceu entre dias 13 e 14 de novembro na Pontifícia Universidade Católica, em Porto Alegre. A palestra de Francis Beck, sócio do escritório Beck & Caleffi, teve como base sua tese de doutorado e trouxe números considerados inéditos. 
No levantamento, o advogado considerou como de colarinho branco os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986), contra a ordem tributária (Lei 8.137/1990), contra a ordem econômica (Lei 8.137/1990), crimes licitatórios (Lei 8.666/1993), contra a ordem previdenciária (artigos 168-A e 337-A do Código Penal) e a lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998).
Identificadas as categorias, Beck se debruçou sobre a atuação da Polícia Federal, do Ministério Público (gaúcho e federal) e de outras instituições com responsabilidade de regulação em temas financeiros — como Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Superintendência dos Seguros Privados (Susep), Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), Receita Federal e tribunais de contas (do RS e da União). 
Em relação às operações da Polícia Federal para investigar os crimes de colarinho branco, os números também são superlativos: foram de 3 operações em 2003 contra 48 em 2010 — aumento de 1.500%. Entre 2006 e 2012, quando o Sistema Nacional de Procedimento (Sinpro) já estava sendo alimentado com dados, o total de inquéritos produzidos sofreu redução de 60% (de 12.599 para 4.970 inquéritos). Ao contrário da Polícia Federal, o Ministério Público Federal não possui informações unificadas sobre o total de denúncias oferecidas à Justiça.
“Há menos de 30 anos, sequer se falava em criminalidade de ‘colarinho branco’ no Brasil, mas a realidade empírica apresentada hoje indica que muita coisa mudou em pouco tempo. Se ainda não é possível afirmar que existe uma ‘democratização’ na aplicação da lei penal — entre o ‘andar de cima’ [mais abastados] e o ‘andar de baixo’ [os mais pobres]—, ao menos pode ser asseverado, sem dúvida, que o Brasil nunca deu tanto destaque, identificou, investigou, processou e condenou estes crimes como o faz atualmente”, afirma o criminalista gaúcho.
Para ele, a operação “lava jato”, deflagrada há meio ano, é fruto de anos de trabalho dos órgãos administrativos de controle, que agiram de forma integrada com a Polícia Federal. “Se formos pegar os dados destes órgãos de controle, veremos que a curva também é ascendente no número de comunicações. Estes crimes são de alta complexidade técnica e operacional, muitos invisíveis aos olhos de pessoas fora da área, mesmo policiais e membros do MP’’, conclui.
Produção da prova
O professor da Universidade Autônoma de Lisboa Manuel Valente, que fez a palestra de abertura e conduziu todos os trabalhos, afirmou que “há muito a se fazer na dogmática penal, processual e material”. Conforme Valente, que também dirige o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ICPol), com sede em Lisboa, é preciso repensar toda a ‘‘máquina persecutória’’ punitiva do estado, para que os direitos e as garantias individuais dos cidadãos não sejam completamente nulificados, nem a prova invalidada. 

Para o delegado Alexandre Isbarrola da Silveira, chefe da delegacia de repressão a crimes fazendários da PF no Rio Grande do Sul, o desafio é utilizar de forma adequada as ferramentas previstas na legislação, especialmente na Lei 12.850/ 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, as infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Nesta, estão previstas a infiltração policial, a delação premiada, a captação ambiental de sinais, além de outras possibilidades.
Os mecanismos, entretanto, não vêm sendo utilizado em sua plenitude pela absoluta ausência de critérios claros. Conforme o delegado, se o legislador não chegar a este detalhamento, a prova colhida — especialmente a derivada de escuta ambiental e de interceptações telefônicas e de dados — poderá ser considerada nula na Justiça.
Garantias individuais
O advogado e professor Danilo Knijnik, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirmou que o grande dilema é compatibilizar as garantias individuais com o alto poder invasivo das novas tecnologias. “Gerações de juristas têm se empenhado em achar o ponto de equilíbrio, porque não adianta colocar as garantias como um valor absoluto, já que isso acaba prejudicando a própria sociedade, que precisa do combate à criminalidade”, explica. 

Por outro lado, adverte, não adianta conferir poder ilimitado aos órgãos de investigação porque, na outra ponta, acaba prejudicando esta mesma sociedade, que quer segurança, também, na sua individualidade.
O inquérito e o MP
Em um painel sobre o inquérito policial, o advogado e professor de Direito Penal Aury Lopes Júnior, da PUC-RS, afirmou ser preciso definir, constitucionalmente, o papel do Ministério Público na investigação. “Se o MP pode investigar ou não, isso demanda outra disciplina legal sobre o tema. O que não se pode ter são investigações feitas pelo MP de maneira informal. O inquérito é formal, enquanto a investigação pelo MP está na informalidade”, constata.

Para o diretor-regional da Associação Nacional dos Delegados da Policia Federal (ADPF) no RS, Josemauro Pinto Nunes, a PF deve capitanear a investigação, por ser atribuição constitucional da policia judiciária. Caberia ao MP, somente, fiscalizar o trabalho da polícia. 
“Pela doutrina que vimos adotando, o trabalho da polícia é conduzir investigação para apurar os fatos — e não apurar os fatos para aquela finalidade acusatória. O MPF tem o viés de promover a ação penal, oferecer a denúncia. Quer dizer: esta mistura pode trazer nulidades para dentro da própria investigação. Se ele é parte da constituição da prova, poderá viciá-la”, justifica.
Veja o gráfico, clique aqui.
Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2014.

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