Apesar de protestos de grupos de direitos humanos, no dia 24 de julho de 2011, entrou em vigor na Coreia do Sul lei que autoriza a castração química como sanção aplicável aos condenados por crimes sexuais contra menores de 16 anos. No continente asiático, é o primeiro país a implantar esse tipo de punição. Países como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha já admitiram a prática em algumas situações, segundo informações extraídas do site Conjur. No Brasil, já existem propostas a respeito da matéria.
Crimes envolvendo abuso de menor, especialmente os casos com crianças de tenra idade, geram intenso choque e sentimento de revolta da população. O natural anseio da opinião pública, voltado às punições mais severas possíveis, contrapõe-se à opinião minoritária que entende a castração como algo incompatível a preceitos fundamentais abarcados pela Constituição e por acordos internacionais. A polêmica medida que, se possível dizer, divide opiniões, merece um breve momento de reflexão.
Entende-se por castração química a utilização de substâncias que, por meio do bloqueio do hormônio sexual masculino (testosterona), cessam a libido, controlando o desejo e o impulso relacionados às crianças. Os estudos indicam que a os efeitos podem perdurar por até 15 anos.
A primeira proposta de utilização desse método surgiu nos Estados Unidos e previa a injeção de uma substância que impediam – irreversivelmente – a ereção. No entanto, o método não impediria que o ‘pedófilo’ tivesse os impulsos sexuais compulsivos. Buscando uma ‘melhor’ solução, pesquisadores chegaram a sugerir a remoção dos testículos, responsáveis pela produção de quase 95% da testosterona.
Mas partindo de estudos na área neuroquímica, chegou-se à conclusão de que a ‘anomalia’ se dá pela quantidade de hormônios masculinos acima do normal. Desse modo, a castração química mais aceita atualmente é a inibição da produção da testosterona, que é feita com a introdução de Depo-Provera, uma versão sintética da progesterona (hormônio feminino pró-gestação). Todavia, este procedimento pode gerar efeitos colaterais como o desenvolvimento de diabetes, fadiga crônica, alterações na coagulação sanguínea e ocorrência de depressão.
Recentemente, pouco tempo após a lei sul-coreana começar a valer, a Rússia também propôs um projeto de lei de castração química. Trata-se de um dos países que lideram o ranking mundial de violência sexual praticada contra menores: no ano passado, foram registrados mais de 960 atos desse tipo de violência – 384 vítimas tinham menos de 14 anos.
Na América Latina, é permitida a castração de condenados por prática de crimes contra a liberdade sexual na Argentina, Colômbia e México, de acordo com dados do Jornal O Estado de S. Paulo. Nesses casos a castração é admitida em condenações por estupro, ou seja, os crimes podem ter sido praticados contra quaisquer vítimas, não estando limitados aos menores de idade.
Apenas neste ano, a Câmara dos Deputados recebeu duas propostas para punir o estupro com castração química. A proposição do deputado Sandes Júnior (GO) foi rejeitada e devolvida ao autor por desobedecer a Constituição Federal (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”), segundo a qual “não haverá penas cruéis” na legislação brasileira. A segunda também não vingou. Há no Senado o PL 552/2007, que está arquivado.
A Assembleia Legislativa de São Paulo recebeu, em março, um projeto de lei do deputado Rafael Silva. A proposta estabelece o uso de hormônios como uma medida terapêutica temporária obrigatória. A recomendação da medida seria feita por um corpo clínico nomeado pela Secretaria de Estado da Saúde. O PL deverá ser avaliado sob levando em conta a dignidade humana, a vedação de penas cruéis e a proibição de tratamentos degradantes.
Alguns psiquiatras afirmam que esses impulsos sexuais ‘anormais’ são oriundos de problemas na formação do caráter do ofensor, como traumas de infância, o modo como foi criado/educado, entre inúmeros fatores. Outros defendem a tese de que se trata de doença mental ou psicopatia, também chamada de parafilia*.
Se acolhido o entendimento psiquiátrico de que a ‘pedofilia’ é uma perturbação mental, poder-se-ia pensar em semi-imputabilidade, ou até inimputabilidade. Dentro desta lógica, o psiquiatra forense Roberto Moscatello afirma que a alternativa mais apropriada para o problema seria o tratamento ambulatorial ou a internação, por ser um procedimento mais humano, terapêutico, eficaz e de prevenção social.
Há inúmeros outros aspectos que devem ser avaliados até que se alcance uma medida aplicável adequada. Uma questão importante diz respeito ao livre arbítrio do ofensor: se a lei lhe permitirá escolher entre submeter-se ou não à castração química, ou se será obrigatória. No caso da obrigatoriedade, ela deve estar direcionada apenas aos reincidentes ou atingir os primários também? Além disso, esse tipo de castração foi desenvolvido para homens, como ficariam as hipóteses – ainda que menos comuns – de crimes sexuais praticados contra menor por mulheres? São apenas algumas questões que devem ser ponderadas.
*Houaiss: cada um dos distúrbios psíquicos que se caracteriza pela preferência ou obsessão por práticas sexuais socialmente não aceitas como a pedofilia, o sadomasoquismo, o exibicionismo etc.
(Érica Akie Hashimoto). IBCCRIM.
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