Por Luciana Yeung*
No último dia 22 de Junho, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do caso trazido por ex-funcionários da Vale, sinalizou que o prazo para o aviso prévio trabalhista pode ser proporcional ao tempo de serviço. Hoje, na quase totalidade dos casos, a firma concede 30 dias. Como apontam alguns, o artigo 7o da Constituição Federal, inciso XXI, já diz claramente que o prazo mínimo é de 30 dias, podendo ser proporcionalmente maior. Resultados à parte, esta notícia, por si só, é um reflexo de diversos problemas estruturais nos sistemas político, legislativo e judiciário do país.
Em primeiro lugar, por que a Constituição Federal – que deveria ser a lei maior de um país e um corpo geral, mas sublime, de normas legais – dedica espaço para um assunto tão específico e detalhado? Já não basta a consolidação das leis do trabalho (CLT) com seus 922 artigos? Para fazer uma breve comparação: a Constituição dos Estados Unidos é de 1787, ano em que se tornaram independentes, depois disso, nunca mais houve uma segunda. Aquele documento contem sete artigos e 27 emendas. No Brasil, a primeira constituição republicana é de 1889, mas, já estamos na sétima Constituição. Além disso, há 97 artigos, cada um deles com dezenas de parágrafos, seções, etc., e ainda 67 emendas (registradas até Dezembro de 2010). Será que a quantidade de constituições que o país já teve, o tamanho e detalhamento da atual dão mais “seriedade” ao país?
O segundo problema, deriva do primeiro: a quantidade de leis e o grau de minúcia delas ajudam a criar uma triste expressão: a lei “não pegou”. O artigo 7o, inciso XXI é um típico exemplo de lei que “não pegou”: 23 anos depois de promulgada, parece ser a primeira vez que o país presta atenção a ela. Quando as leis “não pegam”, as instituições políticas têm sérios problemas de credibilidade.
O outro problema é a completa confusão dos papéis entre os três poderes no país. Alunos de escola primária aprendem que o Poder Legislativo legisla, ou seja, cria as leis; o poder Executivo executa, e o Judiciário decide em situações de conflito na interpretação das leis. Mas não é bem isso o que acontece na prática. Cientistas políticos explicam que, dada a grande fragmentação partidária no Brasil, há muita dificuldade em se criar maiorias no Congresso e, com isso, a negociação legislativa é mais custosa do que normalmente acontece em outras democracias. Assim, a criação das leis muitas vezes é uma tarefa inacabada no Parlamento: seus detalhes são simplesmente “jogados” para os juízes decidirem nas cortes. Nada mais errado. Isso contribui para a superlotação da Justiça: juízes são demandados para fazer o trabalho dos legisladores. No caso da decisão dos funcionários da Vale, o Judiciário não teve que preencher buracos na lei, mas simplesmente teve que fazer cumprir, ou executar – 23 anos depois – o inciso XXI do artigo 7o da Constituição. Ainda errado.
Outro problema é a tão conhecida Justiça – e lei – paternalista deste país. Não vou me estender sobre este ponto , mas vale somente a pena enfatizar que, enquanto a lei brasileira e o Judiciário brasileiro considerarem que os empregadores são sempre agentes de má fé, e os empregados indivíduos incapazes, a criação de empregos – ou melhor, de empregos formais – estará severamente limitada. E não haverá crescimento econômico capaz de expandir este limite (basta ver os ainda altos níveis de informalidade e “pessoas jurídicas individuais” no mercado de trabalho).
Finalmente, é fácil prever o que seguirá desta decisão do STF: centenas, ou milhares, de novas ações de empregados, solicitando o mesmo direito. O funcionamento dos tribunais que se dane...
Resumo da ópera, ou melhor, do acórdão do STF: no Brasil, o Legislativo não legisla direito, o que faz com que o Judiciário não julgue direito; enquanto isso, o Executivo não executa as leis já existentes e insiste em legislar (assunto para outra conversa). E assim, o país vai seguindo o seu caminho...
* Luciana Yeung é Doutora em Economia - Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV) - Graduada em Economia pela Universidade de São Paulo, mestre em Economia Aplicada e em Relações Industriais pela University of Wisconsin - Madison. Coordenadora do curso de graduação de economia do Insper (2011-2013). Membro fundadora da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE) e Vice-Presidente do IBRET (Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho).
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