sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A cada dois meses, cinco são mortos pela PM


Quinze pessoas foram mortas em confrontos com policiais militares nas ruas de Curitiba no primeiro semestre deste ano – média de cinco mortes nessas circunstâncias a cada dois meses. O levantamento do Setor de Estatística da Delegacia de Homicídios da capital, obtido com exclusividade pela Gazeta do Povo, revela um aumento de 36,6% em relação ao mesmo período de 2010. O resultado poderia ser mais preocupante se considerasse as sete casos registrados em julho na capital.
Os dados, não oficializados pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), são um termômetro das ações policiais e podem gerar mais violência, segundo especialistas. A Sesp diz que analisa uma forma para tornar esses números públicos.
“Essa alta letalidade só au menta a violência dos criminosos e o medo em relação à polícia”, afirma o sociólogo e coordenador do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê. Segundo ele, o panorama curitibano reflete um problema nacional e está incorporado na cultura do país. “Parte da sociedade exige que a polícia aja dessa maneira”, explica.
O levantamento mostra que os confrontos ocorrem com mais frequência à noite e na madrugada. Doze mortes foram registradas nesses períodos e três durante o dia. “É o horário [noite e madrugada] em que ocorrem mais crimes e quando há menos testemunhas também”, ressalta Bodê.
A divisão geográfica do estudo revela que a Polícia Militar (PM) matou mais na periferia (veja quadro), em bairros como Capão Raso, Cajuru, Pinheirinho, Boqueirão, Lindóia, Alto Boqueirão, Umbará, Xaxim e Tatuquara. Na região mais centralizada, foram três óbitos em confronto. Em oito mortes a PM informou que os confrontos ocorreram após assaltos ou tentativas. Nos outros sete casos, as vítimas eram suspeitas ou reagiram a abordagens.
A assessoria de imprensa da PM informou que foram abertos 123 inquéritos policiais militares no Paraná entre janeiro e março deste ano. Desse total, 33 foram por morte em confronto, 10 em razão de extravio ou perda de arma, 49 por lesões corporais e 31 por outros crimes. O comando-geral e a corregedoria da PM foram procurados para comentar o assunto, mas informaram que não se pronunciariam porque o levantamento do primeiro semestre sobre as punições aplicadas não estava pronto.
Quando há justificativa
O coronel da reserva e ex-comandante da PM do estado de São Paulo Rui César Melo diz acreditar que o uso da arma se justifica apenas quando o bandido oferece risco de morte a um cidadão ou ao próprio policial. Via de regra, para haver reação policial, seria preciso que o suspeito empunhasse a ar ma ou que houvesse menção clara de usá-la. “O confronto só é aceitável se o policial militar detectar esse risco”, resume o coronel.
Melo condena confrontos em casos de tentativa de fuga à abordagem policial ou quando o suspeito não está com a arma em mão. “A orientação é que seja feito um acompanhamento tático, sem uso de arma de fogo, fazendo o cerco ao suspeito”, diz.
Treino em reformulação
A Polícia Militar do Paraná está programando uma reformulação no programa de instrução de tiro na Academia do Guatupê. Segundo o comandante da academia, tenente-coronel João de Paula Carneiro Filho, o foco da mudança será um reforço à preservação da vida. O oficial explica que o policial militar já é orientado a atirar apenas quando há risco real contra ele ou outra pessoa.
Segundo Carneiro Filho, a ação do policial deve ser direcionada para a imobilização do suspeito em um primeiro momento. “A grande maioria dos confrontos ocorre à noite e nem sempre há condições de ver a silhueta da pessoa. Matar não é a intenção do policial”, afirma. Ele conta que os policiais voltam ao treinamento de tiro a cada seis meses e cada unidade da PM deve incentivar o treino constante, além de outras matérias, como direitos humanos e cidadania.
Insuficiente
Outro policial, que pediu para não ser identificado, afirmou que o treino de tiro é insuficiente para manter uma equipe bem preparada para o dia a dia. De acordo com ele, as instruções são básicas e ocorrem quase que exclusivamente nos cursos de formação.
O policial lembra-se de outro problema. “A PM não está equipada de forma adequada para o uso progressivo da força. Da verbalização, o policial passa direto para o saque da arma de fogo”, ressalta. Segundo o policial, um curso de 2009, chamado Proavante, mantinha os policiais em constante treino, mas acabou sem explicações. A reportagem apurou que o curso acabou em razão da falta de efetivo policial. Como cerca de 50 policiais ficavam imersos em curso durante uma semana, a capacitação acabou criando problemas nas escalas.
Casos também aumentaram no interior
O número de abordagens policiais que terminam em tragédia também tem crescido no interior do Paraná. Na região de Maringá, no Noroeste, pelo menos dez pessoas foram mortas desde o início do ano. Em Londrina, são oito mortos pela polícia em 2011 – número maior que o registrado em 2010, quando a cidade teve seis casos.
Os dados não são oficiais; foram levantados a partir de notícias publicadas. Antes do fim do semestre, Sarandi, Ivaiporã, Munhoz de Melo, Umuarama, Colorado e Maringá somaram o dobro de mortes do ano passado na região. No caso mais polêmico, três homens foram mortos e o exame de necropsia mostrou que todos receberam tiros pelas costas. O policial, que fazia plantão sozinho, alegou ter sido atacado com facas.
Para o coronel Luiz Carlos Deliberador, responsável pelo 2.º Comando Regional da Polícia Militar, o aumento dos casos em Londrina acompanha o crescimento no número de operações. “Estamos tendo mais flagrantes, chegando no tempo certo e com operações conjuntas com as polícias Civil e Federal”, justifica.
Investigações
Casos de morte em confronto policial são investigados por duas frentes em Curitiba: por Inquérito Policial Militar, feito pela corporação, e pela Polícia Civil, para detectar se houve crime ou legítima defesa do policial militar. Depois das investigações, o Ministério Público entra para denunciar ou não os policiais.
Família ainda aguarda por Justiça
A família de Márcio Gustavo de Camargo, 30 anos, morto por dois policiais militares na noite de 21 de novembro de 2008, ainda aguarda o julgamento do suspeito de ter participado do crime. Camargo trabalhava com o pai e cuidava da mãe, que na época estava com câncer de pâncreas. A vítima também era jogador de futebol e disputava a Taça Paraná por um time de Colombo.
Na data em que foi morto, Camargo passou o dia com a mãe. Saiu de casa para dar uma volta na vizinhança, onde tinha muitos amigos. Após conversar com duas amigas no ponto de ônibus da rua onde morava, a vítima voltou para casa. Segundo relato da mãe, ele falava no celular, de costas para a rua, quando foi surpreendido por policiais à paisana.
“Um dos policiais chegou e atirou pelas costas do Márcio. Depois deram outro tiro no peito do meu filho”, conta a mãe do rapaz, Sueli do Rocio. Os policiais colocaram Camargo na viatura descaracterizada, um Gol preto, e o levaram para o Hospital Cajuru, onde foi declarado morto. Familiares lembram que a vítima jamais andou armada e não tinha qualquer passagem pela polícia. Segundo a mãe, Márcio teria sido confundido com um suspeito que morava próximo da sua residência.
Denúncia
Os policiais foram denunciados pelo Ministério Público (MP), mas apenas um responderá pelo crime. O outro morreu em abril deste ano. O caso está na fase de instrução e julgamento na 2ª Vara do Júri de Curitiba.
Conforme a denúncia do MP, os policiais tiraram a vítima do local e elaboraram um auto de resistência à prisão para simular uma reação de Camargo. Os policiais chegaram a apresentar um revólver calibre 38 que, supostamente, teria sido usada pela vítima contra os policiais. O MP considerou que os policiais tentaram legitimar a ação com declarações falsas.

Fonte: Diego Ribeiro e Felippe Aníbal - Gazeta do Povo

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