"Depende da comarca, da vara ou da turma onde o pedido vai parar". A resposta para a pergunta: "qual a relação existente entre quantidade de droga apreendida e o tamanho da pena a ser cumprida?", embora seja do criminalista Thiago Anastácio, encontra eco nas afirmações de todos os operadores do Direito entrevistados pela ConJur sobre o assunto. Eles concordam: a diminuição da pena, nesses casos, tem pouco de lei e muito mais de sorte.
A complexidade ficou demonstrada, por exemplo, na decisão, publicada na última segunda-feira (9/5), da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Os desembargadores, analisando Embargos Infringentes, decidiram que a quantidade de entorpecente encontrada com um traficante seria suficiente para agravar sua pena. O caso já tinha sido votado no dia 26 de abril, mas, como foi registrado entendimento heterogêneo, teve que ser analisado mais uma vez.
Os autos informam que o desembargador Pedro Coelho aplicou uma pena mais branda ao acusado. Na análise do recurso, o desembargador Adilson Lamounier, relator, entendeu que a quantidade da droga não poderia influenciar na valoração da pena. Segundo ele, “as circunstâncias do crime foram normais para o crime de tráfico de drogas — artigo 33 da Lei 11.343/06, não podendo a quantidade de droga apreendida, por compreender requisito autônomo, segundo disposto no artigo 42 da mesma lei, interferir nesta valoração”.
Como lembra o criminalista Sergio Salomão Shecaira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), a Lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, não chega a definir o que é tráfico. O que o legislador fez, segundo ele, foi expor 18 verbos que levam a crer que o crime ali tratado é o de tráfico de entorpecentes. Estão lá as palavras "importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer".
Ainda assim, acredita o advogado Augusto de Arruda Botelho, vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a lei peca ao não conceituar o que é o tráfico propriamente dito e o que é porte, abrindo espaço para decisões que classifica como “equivocadas”. “O maior erro de interpretação está no julgador, e não no legislador”. E aí surge o segundo ponto no qual os operadores do Direito concordam: a decisão final é reflexo, muito mais, das convicções pessoais do juiz do que do próprio espírito da lei. Com isso, divergir sobre o assunto é consequência óbvia.
Sem a fixação do que é tráfico e o que é porte, o dependente químico que armazena, por exemplo, grande quantidade de maconha para consumo próprio, torna-se alvo recorrente de erros de interpretação. “É preciso ter cuidado, porque a pessoa que é doente não é problema para o Judiciário, mas sim para a saúde pública”, lembra Arruda Botelho.
Para o advogado, o que continua a valer é o in dubio pro reo. Ou seja, na dúvida, a decisão tem de ser a favor do acusado. “Alguns juízes levam em consideração critérios como o local do flagrante, a forma que a droga estava acondicionada e a posse de dinheiro com o acusado. Isso, por si só, não diz se a prática é tráfico ou não. É preciso investir em todos os elementos possíveis, como testemunhas e filmagens, para evitar decisões equivocadas”, acredita.
Perigo do achismo
Leonardo Sica, membro do conselho diretor da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), acredita que “os juízes aplicam a lei de maneira errática”. “Eles fazem cálculos aleatórios, que muitas vezes não fazem sentido. A falta de definição legal abre espaço pra opinião pessoal do juiz. Esse critério moral é muito perigoso e varia dependendo de o juiz ser mais liberal ou mais conservador”, critica.
Leonardo Sica, membro do conselho diretor da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), acredita que “os juízes aplicam a lei de maneira errática”. “Eles fazem cálculos aleatórios, que muitas vezes não fazem sentido. A falta de definição legal abre espaço pra opinião pessoal do juiz. Esse critério moral é muito perigoso e varia dependendo de o juiz ser mais liberal ou mais conservador”, critica.
O problema seria sanado, ele acredita, com maiores investimentos na produção de provas. “Como o juiz quase nunca manda produzir, não há meios de saber se a droga é para consumo ou comercialização”.
A indefinição não é só legal, mas guarda relação também com a jurisprudência, afirma Sica. Segundo ele, o Superior Tribunal de Justiça, a quem caberia uniformizar a jurisprudência, tampouco é unânime no assunto. “O embate é bom na primeira e na segunda instância, porque cria uma discussão saudável. Mas não é o que acontece no STJ. Se o caso cair nas mãos da 5ª Câmara Criminal, o acusado não consegue o Habeas Corpus. Se for na 6ª, consegue liberdade”.
Também é da mesma opinião Thiago Anastácio, outro associado ao IDDD. Para ele, a distribuição define o resultado. “Há juízes que acham que o tráfico é o grande mal da sociedade, que precisa ser combatido de todo o jeito. Mas não há um combate efetivo. O Judiciário não distingue aquele que é usado pelo tráfico daquele que é traficante”.
Para Anastácio, a quantidade de droga é o que menos importa. “Seria melhor analisar os motivos do crime e a situação sócio-econômica do acusado, por exemplo”. E completa: “na maior parte dos casos que chegam às instâncias superiores, os juízes de primeiro e segundo graus simplesmente optaram por não obedecer a lei. Quando o Supremo Tribunal Federal e o STJ decidem contra esse entendimento primeiro, chovem pedidos de HC”.
Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário