Uma discussão delicada promete esquentar a advocacia brasileira em breve: a possibilidade de advogados serem obrigados a comunicar atividades suspeitas de seus clientes às autoridades estatais nos casos de crimes de lavagem de dinheiro. Esse dever já existe para as instituições financeiras, segundo a Lei 9.613/98. Mas uma Diretiva da Comunidade Europeia, de combate ao crime organizado, amplia o rol de pessoas físicas e jurídicas que deveriam ter a obrigação.
O assunto já era debatido no âmbito internacional, mas intensificou-se após o atentado às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, no dia 11 de setembro de 2001. Autoridades internacionais encamparam uma luta contra o terrorismo, que, segundo eles, era financiado também com recursos fruto de lavagem de dinheiro. Por se tratar de crime transnacional, geralmente cometido em vários países ao mesmo tempo, é alvo de constantes regulamentações.
O Brasil já segue as recomendações do Grupo de Ação Financeira (Gafi). Ele foi criado em 1989 por iniciativa do G-7 (Estados Unidos, Japão, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha e Itália) com o objetivo de desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Ele orienta quais são os crimes antecendentes, descritos na Lei 9.613/98.
Para especialistas, o dever do advogado de comunicar autoridades pode causar prejuízo ao direito de defesa. E para evitar interpretações, é necessária uma regulamentação para os profissionais. O procurador Rodrigo De Grandis afirma que o advogado que atua no contencioso criminal não poderia ter essa obrigação, entretanto, o societário e tributarista sim. O advogado criminalista Celso Vilardi entende que o tributarista também está impedido de fazer esse comunicado.
Os dois especialistas têm conhecimento profundo sobre o tema e acreditam que essa tendência mundial pode chegar no Brasil. Para evitar que o direito de defesa fique à critério de quem não conhece a rotina do criminalista, Vilardi defende que uma proposta de regulamentação deva partir da advocacia. "É uma tendencia mundial inserir os advogados como comunicadores de atividades suspeitas", aponta.
De Grandis observa que a atividade do advogado é extremamente ampla, desde o que faz a defesa no processo até o que trabalha no âmbito societário ou tributário e que não trabalha no processo em si. Ele conta que existem três opiniões diferentes sobre o assunto. A primeira é a que todos estão obrigados a comunicar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A segunda, da qual partilha, é que exceto que os que atuam no contencioso podem ter esse dever. E por fim, de que o advogado jamais deveria comunicar.
Vilardi e De Grandis são unânimes ao dizer que advogados criminalistas jamais poderiam ter a obrigação de avisar autoridades sobre crimes. O problema, segundo Vilardi, é que advogados não estão imunes a investigações sobre lavagem de dinheiro e o Brasil não possui qualquer regulamentação sobre isso. "É comum a busca por informações de como se deu o pagamento de honorários ou que contrato foi firmado com o cliente", destaca.
Para De Grandis, os advogados que atuam a área societária e tributária deveriam ser obrigados a informar o Coaf de movimentações financeiras suspeitas. "A advocacia vai ter que prestar atenção nisso. Os advogados das respectivas áreas, se não tomarem cuidado, podem de alguma forma servir para a prática do crime de lavagem", observa o procurador. No societário, advogados costumam figurar como procuradores ou donos de empresas que trazem investimentos de fora do país.
O advogado discorda do procurador ao dizer que tributaristas se encaixam no rol de comunicadores. Vilardi explica que o fato que um tributarista atuar na esfera administrativa é o mesmo que atuar na Justiça criminal. "Essa obrigação para o tributarista também poderia causar prejuízo ao exercício da defesa", diz. O advogado também acredita que o cliente deve ser avisado caso uma lei imponha ao advogado o dever de comunicar.
Vilardi afirma que existe uma diferença entre o advogado que abriu empresas posteriormente usadas para lavagem de dinheiro e o advogado que sabe que as empresas estão sendo constituidas para este fim criminoso. "Se o advogado tem notícia de que o dinheiro é de origem ilícita e mesmo assim participa da estruturação de empresa, não estamos falando do dever de comunicar, mas da participação do advogado no ato criminoso", assevera. Para ele, nesses casos, o advogados agiram de forma criminosa e não no exercício da advocacia.
Para o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, o dever de comunicar atividades suspeitas pelo advogado atenta contra a natureza do defensor. "No Brasil isso seria inconstitucional", indica. Para ele, se o advogado suspeitar que a atividade do cliente é lavar dinheiro e inserir no mercado financeiro valores de origem ilícita, ele deve se abster de fazer. Do contrário, ele poderá ser considerado partícipe.
Honorários suspeitos
A condenação de um advogado por lavagem de dinheiro na Justiça alemã também causa preocupação entre os criminalistas. No caso, o juiz entendeu que por ter recebido dinheiro de origem ilícita como pagamento de honorários o advogado colaborou para o crime. O advogado foi absolvido na Suprema Corte do país, mas o caso deixou um recado perigoso: criminalistas não estão livres de serem acusados do crime de lavagem de dinheiro no pagamento de honorários.
A condenação de um advogado por lavagem de dinheiro na Justiça alemã também causa preocupação entre os criminalistas. No caso, o juiz entendeu que por ter recebido dinheiro de origem ilícita como pagamento de honorários o advogado colaborou para o crime. O advogado foi absolvido na Suprema Corte do país, mas o caso deixou um recado perigoso: criminalistas não estão livres de serem acusados do crime de lavagem de dinheiro no pagamento de honorários.
"O tão só fato de ele receber os honorários não pode caracterizar lavagem de dinheiro, a menos que ele desenvolva posteriormente uma manobra que vise ocultar ou dissimular a origem", diz De Grandis. Para ele, o julgamento alemão pode causar prejuízo ao direito de defesa, porque, diante dessa possibilidade, nenhum advogado vai querer atuar nessa área. No julgamento alemão, essa ponderação foi levantada, mas a Justiça entendeu que o réu sempre terá a Defensoria Pública. "Eu discordo porque o réu sempre pode escolher o seu advogado", lembra.
O procurador acredita que nem mesmo o defensor daquele cidadão que vive só com o dinheiro proveniente de crime poderia ser acusado de lavagem. "Cabe ao Estado verificar por outros meios e por outros caminhos o bloqueio de bens. Se ele só tem dinheiro proveniente de crime e o Estado cumpriu sua parte identificando bens e bloqueando, para ele vai servir a Defensoria Pública da União, mas se o Estado não conseguiu cumprir seu papel e o réu tem dinheiro de alguma forma não é o advogado que pode ser prejudicado recebendo honorário", pondera.
Vilardi também cita que no Brasil existe um preconceito maior com o advogado que defende o traficante, do que os que atuam nos casos dos crimes de colarinho branco. "Estamos vivendo um momento muito perigoso para a advocacia. Há muita confusão entre o papel do advogado como defensor do cliente com o auxílio ao crime", alerta. Vilardi diz que é cada vez mais frequente casos que cuidam de advogados acusados de participarem do crime de lavagem de dinheiro.
Nesse ponto, o advogado diz que a classe deve se organizar e traçar regras para dar mais tranquilidade para criminalistas. "E defendo que o advogado penalista está livre para receber honorários, mas deve ter cautelas na forma do pagamento", explica. Para ele, depósitos bancários e cheques são mais seguros do que o dinheiro em espécie. Apesar de não haver qualquer ilícito em receber o dinheiro. "Se existe uma regra clara, pode-se dizer que cumpriu ou não. E dar mais tranquilidade para o profissional", finaliza.
Revista Consultor Jurídico, 23 de maio de 2011
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