quarta-feira, 18 de maio de 2011

Estado tem 150 mil inquéritos de homicídios sem conclusão

Uma força-tarefa que envolve todos os estados tem a missão de encerrar inquéritos de homicídios abertos até dezembro de 2007 e que não foram concluídos até hoje. São mais de 150 mil investigações que não deram resultado e servem como um indicador do tamanho da impunidade no Brasil. A ação, que envolve diversas instituições como polícias estaduais e o Ministério Público (MP), não significa um grande aumento nas chances de assassinos irem parar na cadeia. Muitos casos podem ser encerrados por causa de falhas nos boletins de ocorrência, falta de provas e de estrutura para retomar casos há muito esquecidos nas delegacias.

No Paraná, o trabalho para limpar as prateleiras dos in­­quéritos começou em dezembro do ano passado. Foram encerrados quase 2 mil casos, a maior parte no interior, re­­duzindo em 20% o número de inquéritos de homicídios atrasados. De 9.287, restaram 7.352 processos, sexto maior volume do país, segundo um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Apesar do avanço, o estado ainda enfrenta obstáculos como falta de pessoal e de estrutura para resolver os procedimentos pendentes e, ao mesmo tempo, atender a demanda atual.
O objetivo de se concluírem os inquéritos abertos foi traçado pela Estratégia Nacional de Jus­­tiça e Segurança Pública (Enasp), estabelecida pelo CNMP – o prazo é julho deste ano. A lógica da estratégia é tirar da mira do sistema policial casos antigos para centrar esforços nos crimes mais recentes. “Se não dermos fim a esse passivo lá de trás, não vamos conseguir dar atenção aos ativos atuais”, afirma o promotor de justiça Marcelo Balzer Correia, representante da Enasp no Paraná.
O andamento da operação em Curitiba é um exemplo da dificuldade de se cumprir a me­­ta. Há dois meses foi criado o grupo Honre (Homicídios Não Re­­sol­­vidos), com apenas duas equipes para cuidar de 3,6 mil inquéritos inconclusos. O delegado da De­­legacia de Homicídios Rubens Re­­cal­­catti, que lidera o grupo, conta que, no primeiro lote de 100 procedimentos em investigação, metade tem possibilidade clara de solução. Ele espera relatar pelo me­­nos 20 neste mês ao Ministério Público. Desde o começo do grupo, apenas quatro inquéritos foram entregues ao MP.
Entre os problemas encontrados pelo grupo está a falta de informações para retomar a apuração. “São poucos dados nos inquéritos. Lá tem o boletim de ocorrência e mais nada”, explica. Essa limitação faz com que diversos casos tenham de ser arquivados – foi o que ocorreu com o inquérito sobre a morte da traficante “Evinha do Pó”, assassinada em 10 de março de 2002, um dos quatro entregues ao MP.
Para o desembargador José Laurindo, membro do Conselho Nacional de Política Criminal, a solução de inquéritos esbarra na falta de pessoal. “Falta investigação da polícia judiciária porque os investigadores cuidam de presos. Temos um número muito grande de detentos em delegacias. Isso dificulta”, relata. Laurindo ainda explica que a falta de investigação permite que suspeitos em prisão provisória sejam soltos, dificultando a retomada dos casos no futuro. “Quanto mais antigo o processo, menos prioridade ele tem. O tempo conspira contra a verdade”, afirma.
Inqueritômetro
Para acompanhar os casos antigos, o CNMP lançou na semana passada um sistema chamado de “inqueritômetro”. Criado pelo MP de Rondônia, o objetivo do medidor é monitorar os avanços das investigações nos estados. A população pode verificar o número de inquéritos de seu estado por meio do site www.cnmp.gov.br.
O Rio de Janeiro, com 60 mil processos, e Minas Gerais, com 20 mil, lideram o ranking de investigações em aberto. O Piauí é o único estado que não informou o número de pendências. O promotor Marcelo Balzer acredita que ainda haja algumas subnotificações no estados, mas não devem mudar o panorama atual. Na sexta-feira, membros do Mi­­nis­­tério Público de vá­­rias partes do Brasil vão se reunir para debater a Enasp, na sede curitibana, no Centro Cívico.
Falta de estrutura da polícia é maior gargalo
A demora para encontrar os autores dos homicídios faz com que a polícia tenha novos problemas quando desvenda o crime. O assassino do caso pode já estar morto. Pelo menos, essa é uma das barreiras que o delegado Rubens Recalcatti, da Delegacia de Homicídios, tem encontrado nas investigações.
“Acontece de você descobrir o autor e verificar que ele está morto”, conta o delegado. Em outros casos, a descoberta do autor de um homicídio pode abrir a porta para a solução de outros assassinatos. “Às vezes o autor está em vários inquéritos”, explica.
A demora em se concluírem os inquéritos se deve, principalmente, à falta de pessoal, de acordo com o policial. “Nós, policiais, estamos fazendo muito. O grande problema é que a polícia ficou esquecida. Os crimes aumentaram e a polícia encolheu”, lamenta Recalcatti.
O professor de Direito Penal da Unibrasil Francisco Monteiro Rocha Junior também avalia que o problema da falta de conclusão dos homicídios gira em torno da estrutura deficitária da polícia. “Não há tecnologia ou pessoal suficiente, muito menos remuneração capaz de estimular o trabalho policial”, comenta.
SoluçãoO sociólogo do Instituto Sangari Júlio Jacobo Wiaselfisz sugere uma revolução na metodologia da segurança pública brasileira. Antes de qualquer ação, segundo ele, é preciso descobrir tudo que foi boletim de ocorrência e virou inquérito. “Hoje, uns culpam os outros”, afirma, referindo-se às autoridades. Depois de descobrir os gargalos, de acordo com o sociólogo, é necessário investir pesado nessas falhas. “A produção de prova e a inteligência criminológica são muito baixas.” Ele estima que somente em 8% dos homicídios há condenação.
151 mil inquéritos abertos até 2007 e que até hoje não foram concluídos devem ser encerrados até a metade do ano, de acordo com uma meta traçada pela Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp).
7,3 mil inquéritos antigos estão sendo encerrados no Paraná. Desde dezembro, quando começou a força-tarefa, quase 2 mil casos foram concluídos no estado. Em Curitiba, há cerca de 3,6 mil inquéritos.
8% dos homicídios têm os culpados punidos no país, segundo uma estimativa de Júlio Jacobo Waiselfisz, do Instituto Sangari e um dos autores do Mapa da Violência. Parte da impunidade se deve às falhas nas investigações.
Tecnologia ainda não é bem usada
Considerado uma prova frágil por especialistas, o testemunho ainda é importante para a conclusão das investigações sobre homicídios. De acordo com o promotor Marcelo Balzer Correia, a maioria dos inquéritos de homicídios atrasados precisa que pessoas que viram, ouviram ou tiveram qualquer ligação com o crime sejam ouvidas.
“Nesses casos mais antigos não se acham mais testemunhas, nem parentes de vítimas”, afirma o delegado Rubens Recalcatti. Para resolver parte da questão, ele defende que a polícia deveria ter mais facilidades para encontrar informações sobre as pessoas, como através do acesso aos arquivos da Receita Federal e Estadual.
Tecnologias
Além do testemunho, especialistas dizem que a polícia precisa usar melhor as tecnologias disponíveis para a investigação. “Eu não vejo falhas nas investigações, mas uso de metodologia ultrapassada e ineficaz, como o relato de terceiros como testemunhas principais”, afirma o professor de Direito Penal da Unibrasil Francisco Monteiro Rocha Junior. Segundo ele, a investigação supera a limitação dos testemunhos ao acionar, por exemplo, os peritos papiloscopistas, responsáveis por descobrir as impressões digitais nas cenas de crime.
“Hoje temos várias técnicas com luz, DNA. Temos recursos, mas que não são usados. Investiga-se mal e isso coloca em risco a própria decisão (do magistrado)”, conta o desembargador José Laurindo. E o problema não é falta de tecnologia ou equipamentos, de acordo com o novo diretor do Instituto de Criminalística, Antonio Edison Vaz de Siqueira. Para ele, a tecnologia brasileira disponível não deve nada para outros países.
“A dificuldade maior é a demanda, a falta de pessoal”, ressalta.


Fonte: Diego Ribeiro - Gazeta do Povo

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