Neste último Carnaval, houve aumento de 40% nos atendimentos hospitalares decorrentes de acidentes de trânsito. A maioria dos acidentes automobilísticos é resultante do consumo de bebida alcoólica seguido de direção. São inúmeras as campanhas de conscientização sobre os perigos da embriaguez ao volante e a fiscalização nas rodovias foi intensificada na tentativa de diminuir o problema, mas mesmo assim, ainda surgem muitas vítimas da continuidade dessa conduta.
A lei n. 11.705/2008 alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e, na época em que entrou em vigor, causou polêmica porque proibiu o consumo de praticamente qualquer quantidade de bebida alcoólica por condutores de veículos. O condutor que apresentar concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a dois decigramas (que equivale a uma lata de cerveja) é considerado embriagado. A pessoa que for flagrada dirigindo com esta quantidade de álcool no sangue comete infração gravíssima, que implica multa de R$ 957,00 e suspensão do direito de dirigir por um ano. Já aqueles cuja dosagem de álcool no sangue superar 6 dg/L (seis decigramas por litro de sangue) cometem crime. Nestes casos, as penas são de detenção, de seis meses a três anos, multa e a suspensão ou proibição de obter habilitação para dirigir.
A lei foi “endurecida” por uma quebra de paradigma em relação ao chamado “nível seguro de álcool no organismo”, ou seja, acreditava-se que até certo limite o condutor não teria alterações severas de consciência que o impedissem de dirigir. Contudo, estudos demonstraram que as pessoas reagem diferentemente ao álcool, sendo impossível estipular um “nível seguro”.
Além de estabelecer esse parâmetro mínimo de quantidade de álcool no sangue para enquadrar o motorista como ébrio, a lei n. 11.705/2008 também determinou a realização dos testes de alcoolemia como única forma de se comprovar a embriaguez, inclusive, deixando a cargo do Poder Executivo a fixação das equivalências entre os distintos testes de alcoolemia. Assim, ficou estabelecido, por meio do decreto 6.488/2008, que “seis decigramas de álcool por litro de sangue” equivalem a “três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões”.
Cabe ressaltar que o Poder Legislativo está impedido de delegar a competência de legislar em matéria penal e processual penal, de modo que normas emanadas do Executivo (decretos ou medidas provisórias) nessas matérias são inconstitucionais. Mesmo assim, os tribunais têm seguido o entendimento de que os exames (de sangue e bafômetro) são meios eficazes de se constatar a embriaguez e, portanto, devem ser realizados de acordo com o disposto no decreto 6.488/2008.
Apesar de a Lei Seca (como é chamada a lei n. 11.705) ter “intimidado” muitas pessoas, uma vez que, para assegurar que fosse obedecida, foi aumentado o número de blitzes, alguns ainda se arriscam, sabendo que podem se negar a realizar o exame de sangue ou teste em aparelho alveolar pulmonar – o bafômetro – pois há garantia constitucional de que nenhuma pessoa é obrigada a produzir prova contra si mesma. E sendo os testes de alcoolemia a única maneira de se constatar a embriaguez, a comprovação de eventual crime é inviabilizada.
Diante da impossibilidade de obter provas em casos de suspeita de embriaguez ao volante, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisões controvertidas no sentido de dispensar o exame de sangue ou o do bafômetro para atestar o estado de embriaguez, retomando a antiga fundamentação do artigo 306 do CTB, segundo a qual a condução sob influência de álcool ou de substância de efeitos análogos constituía crime de perigo concreto, ou seja, o ato de dirigir embriagado necessariamente exporia a dano potencial a incolumidade de outras pessoas.
Segundo essas decisões do STJ, ela poderia ser demonstrada por outros meios de prova como o depoimento de testemunhas ou exames clínicos. Assim, bastaria a declaração do agente policial que participou da fiscalização confirmando a embriaguez para demonstrar a materialidade do crime. A desobrigação de exames e a permissão de utilização de métodos como este são, por óbvio, contestáveis, na medida em que a materialidade passa a ser comprovada segundo critérios demasiadamente subjetivos.
A 6ª Turma do STJ, no entanto, segue o entendimento jurisprudencial majoritário de que a realização dos testes de alcoolemia são indispensáveis para que seja iniciado processo criminal. Por conta da divergência, todos os processos envolvendo embriaguez ao volante em grau recursal estão suspensos. Esses processos foram encaminhados para apreciação da 3ª Turma, composta por membros da 5ª e da 6ª Turma, para que se alcance um posicionamento uniforme sobre o tema.
(Érica Akie Hashimoto). IBCCRIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário