terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Lei dos EUA garante à vítima direito de ser informada sobre plea bargaining

O acordo secreto de plea bargaining que o escritório da Procuradoria-Geral dos EUA, em Miami, fez com o “multimilionário” Jeffrey Epstein, em 2007, foi um escândalo. Epstein foi acusado de arregimentar mais de 100 meninas pobres de 14 a 17 anos — das quais 31 moveram uma ação criminal contra ele — para satisfazer sexualmente a ele mesmo e a outras pessoas. Isso lhe renderia prisão perpétua.
EUA aprovaram lei “para tornar as vítimas de crime totalmente participantes do sistema de Justiça criminal”
123RF
Mas um acordo selado entre o então chefe da Procuradoria-Geral, Alexander Acosta, que hoje é secretário do Trabalho dos EUA, e o advogado de Epstein, Jay Lefkowitz, que foi colega da Acosta na banca Kirkland & Ellis, converteu as acusações federais de abuso sexual e tráfico de menores em duas acusações estaduais de prostituição. Isso rendeu ao pedófilo apenas 13 meses de cadeia. Epstein passou a maior parte de cada dia em seu escritório e ia para a cadeia para dormir.
Com isso, Acosta trancou o processo e mandou o FBI encerrar as investigações. Mas um detalhe provocou uma reviravolta no caso, 11 anos depois. Acosta havia concordado em manter secreto o acordo de plea bargaining que fez com o réu, para escondê-lo das vítimas (e também da imprensa, embora isso não seja importante para o processo). Às vítimas, ele e outros procuradores diziam que as investigações continuavam e que era preciso ter paciência.
Na quinta-feira (21/2), o juiz federal Kenneth Marra decidiu que os procuradores-gerais em Miami violaram a lei ao esconder das vítimas do abuso sexual o acordo que negociavam com Epstein e seus advogados. Curiosamente, o juiz não emitiu uma decisão para resolver o caso. Em vez disso, ele deu 15 dias aos procuradores federais para discutir com as vítimas e seus advogados o que devem fazer. Talvez chegar a um acordo com Epstein e seus advogados.
A legislação à qual o juiz se referiu é a Lei dos Direitos das Vítimas de Crimes (CVRA – Crime Victims’ Rights Act). A lei foi aprovada “para tornar as vítimas de crime totalmente participantes do sistema de Justiça criminal”, segundo a decisão do juiz Kenneth Marra.
Alguns dos direitos previstos nessa lei coincidem com os estabelecidos pelo CPP do Brasil. Outros não. Dois desses direitos se referem ao plea bargaining: o item (4) assegura à vítima o direito de ser ouvida em alguns procedimentos, incluindo o de plea; o item (9) se refere ao direito da vítima de ser informada sobre qualquer acordo de plea bargaining em andamento. Esses são os direitos enumerados:
1) o direito de ser razoavelmente protegida contra o acusado;
2) o direito de ser notificada de forma razoável, precisa e oportuna sobre qualquer procedimento público na corte ou qualquer procedimento de livramento condicional, envolvendo o crime ou sobre qualquer libertação ou fuga do acusado;
3) o direito de não ser excluída de quaisquer procedimentos públicos na corte, a não ser que o juiz, depois de receber provas claras e convincentes, determine que o testemunho da vítima seria substancialmente alterado, se a vítima ouvir outro testemunho nesse procedimento;
4) o direito de ser razoavelmente ouvida em qualquer procedimento público na corte distrital, envolvendo libertação, plea, sentença ou qualquer procedimento de livramento condicional;
5) o direito razoável de discutir com o advogado do governo (promotor ou procurador) sobre o caso;
6) o direito à restituição total e a tempo, conforme estabelecido em lei;
7) o direito a procedimentos sem atrasos desarrazoados;
8) o direito a ser tratada de forma justa e com respeito, mantendo a dignidade e a privacidade da vítima;
9) o direito de ser informada de maneira oportuna sobre qualquer acordo de plea bargaining ou diferimento da ação penal;
10) o direito de ser informada sobre os direitos estabelecidos nesta seção e os serviços descritos na seção 503(c) da Lei dos Direitos das Vítimas e de Restituição de 1990 e as informações de contato do ombudsman do Departamento de Justiça.
(Compare com os direitos das vítimas assegurados pelo CPP brasileiro, segundo a Agência Senado)
Um cidadão influente
Segundo o jornal Miami Herald, que deu ampla cobertura ao caso depois que o acordo secreto foi desvendado (ver aqui e aqui), o “multimilionário” Jeffrey Epstein conseguiu um sweet deal (um negócio muito bom, às vezes não merecido) porque é um cidadão influente, com amigos poderosos.

Entre os amigos próximos de Epstein, de quem ele tinha números de telefones pessoais em uma caderneta preta, estavam o ex-presidente dos EUA Bill Clinton, o empresário Donald Trump (antes de ser presidente e que era seu vizinho em Palm Beach, Flórida), o príncipe Andrew (da família real britânica), um ex-juiz federal, um professor de Harvard, atores, atrizes e outros magnatas.
Epstein tem uma casa em Manhattan, Nova York, uma mansão de frente para o mar na Flórida, um rancho no Novo México, residência em Londres e Paris e uma ilha nas Ilhas Virgens Americanas, onde passa mais tempo atualmente. Todas essas residências e um jatinho particular teriam sido usados para o abuso sexual de menores por ele e seus convidados.
O fato de ele transportar meninas de um estado para outro — e para outros países — qualificam os abusos sexuais e o “tráfico” de menores um crime federal. O crime foi convertido em violação de lei estadual para minimizar as acusações e, com isso, oferecer a ele um sweet deal. Mas o juiz Kenneth Marra declarou, em sua decisão, que promotores de outros estados poderão, se quiserem, investigar e processar Epstein.
Depois de ir para a cadeia do Condado de Palm Beach, onde ele ficava em uma ala separada dos demais presos, Epstein ainda teve alguns privilégios. Por exemplo, podia sair da cadeia seis dias por semana, por 12 horas, para ficar em seu confortável escritório na cidade. Um carro com motorista o apanhava na cadeia e o levava de volta à noite. No escritório, ele podia receber visitas femininas. Condenados por crimes sexuais não têm esse direito nos EUA.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

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