*Este texto integra uma série de reportagens sobre as propostas dos candidatos à Presidência da República para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário.
O Judiciário e o Ministério Público têm aproveitado a crise de legitimidade do Legislativo e do Executivo para aumentar seus poderes e privilégios. É o que pensa o candidato do Psol a presidente, Guilherme Boulos, que busca frear esses abusos e tornar as remunerações de magistrados e integrantes do MP mais compatíveis com a realidade brasileira. O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) também propõe desmilitarizar a polícia e descriminalizar o uso de drogas.
Boulos disse à ConJur que o Judiciário e o MP vêm usando a descrença no sistema político para ampliar seus poderes. “Existe um grupo grande de juízes e promotores que caracterizam a política como algo necessariamente sujo e atrasado, e se apresentam como porta-vozes de outra racionalidade, supostamente modernizadora, técnica e pós-política”.
Só que esse modelo alternativo é uma “falácia”, critica o psolista. “Não há nada mais atrasado do que os privilégios das castas da cúpula do Judiciário, assim como suas relações promíscuas nos salões do poder econômico e nos palácios dos partidos tradicionais. Trata-se de um Poder com verdadeira alergia à participação popular, e por isso sabemos que daí não vai sair qualquer solução para a crise terminal da República. Isso já ficou claro em inúmeras decisões, como essa mais recente, do Supremo Tribunal Federal, que autorizou a selvageria da terceirização irrestrita”.
Da mesma forma, o MP deve primordialmente servir à cidadania, avalia Boulos. “É preciso equipar o Ministério Público para o combate à corrupção, mas não podemos permitir que ele seja instrumentalizado para perseguições políticas, operações midiáticas e criminalização do povo negro e pobre”. Como exemplo, ele cita estudo da organização não governamental Conectas Direitos Humanos que aponta a omissão de parte dos promotores em audiências de custódia diante de casos suspeitos de tortura e maus-tratos praticados contra pessoas detidas pela polícia.
Para mudar esse cenário, o líder do MTST propõe democratizar as estruturas internas do Judiciário e do MP. Uma medida a ser tomada é estabelecer eleições para as direções com a participação de todos os servidores. Outra, adotar ações afirmativas para aumentar o número de pobres, mulheres, negros, indígenas e pessoas com deficiência nesses órgãos.
Além disso, Boulos sugere, em seu programa de governo, estabelecer eleições para parte das vagas do Conselho Nacional da Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público - também com critérios de paridade de gênero, além de inclusão de negros e indígenas. Porém, esses órgãos não devem ser os únicos a fiscalizar tais instituições. O presidenciável quer criar ouvidorias externas, compostas por pessoas de fora do Judiciário e do MP. As corregedorias ficariam subordinas a essas novas entidades.
O candidato do Psol promete extinguir “privilégios disfarçados de benefícios” que criam um Judiciário e um MP “elitizados e elitistas”. O mais absurdo deles, especialmente por não ser tributado, é o auxílio-moradia, analisa Boulos. De acordo com ele, os salários de magistrados, promotores e procuradores “devem ser estipulados segundo a realidade salarial do povo brasileiro”.
Com o objetivo de fazer o Judiciário promover políticas públicas de Justiça, o candidato recomenda que movimentos sociais e organizações de defesa de direitos tenham legitimidade para propor incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. Considerada uma “medida autoritária e antidemocrática, que esvazia a própria autoridade da função jurisdicional”, a suspensão de segurança deve ser extinta, ressalta Boulos. Em ações contra o Estado, o instrumento é usado para suspender decisões que possam gerar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública.
Além disso, a Justiça Militar não deve julgar crimes contra civis, opina o integrante do Psol, afirmando que essa competência deve ser extinta. A Lei 13.491/2017 determinou que a Justiça Militar deve analisar as mortes de civis causadas por militares nas chamadas missões de garantia da lei e da ordem, como quando governadores de estado solicitam o envio de efetivos do Exército, Marinha e Aeronáutica para o controle de situações emergenciais.
De forma a desafogar o Judiciário, Boulos sugere institucionalizar varas itinerantes e investir em audiências de conciliação. Ele ainda defende o fortalecimento da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho.
Seis anos
Guilherme Boulos propõe instituir mandatos de seis anos para os ministros dos tribunais superiores e do Supremo.
Os processos de indicação de ministros igualmente devem ser alterados, aponta. Na visão do candidato, os procedimentos devem ser mais transparentes, com a inclusão de etapas de chamamento público de candidatos ao cargo e exposição de seus currículos. Isso permitira uma maior participação social no processo de escolha, argumenta em seu programa de governo.
Hoje, o presidente da República escolhe quem ele desejar para o para o Supremo, e este, se for aprovado em sabatina do Senado, assume o posto. As demais cortes altas têm regras específicas para a escolha de ministros, mas a palavra final é sempre do presidente, e o eleito também fica sujeito a aval dos senadores.
Descriminalização das drogas
“Se o nosso sistema penal servisse de verdade para enfrentar o crime, não teríamos Michel Temer como presidente da República”, declarou Boulos à ConJur. A seu ver, o sistema criminaliza os pobres. E o encarceramento em massa das últimas décadas ajudou a fortalecer as facções criminosas. Dessa maneira, disse presidenciável, “o candidato que promete penas ‘mais duras’, demagogicamente, está prometendo, na verdade, mais violência e mais poder para o crime organizado”.
Principal responsável pela superlotação dos presídios e pelo crescimento das facções, a guerra às drogas deve ser revertida, aponta o candidato. Em junho de 2016, tráfico de drogas era o crime responsável pela prisão de 30% dos encarcerados no Brasil, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).
A principal medida a ser tomada para isso é a descriminalização do uso recreativo de entorpecentes, diz Boulos em seu programa de governo. O passo seguinte, informa, seria fazer um processo gradual e seguro de regulamentação da produção e do comércio de substâncias ilícitas, a começar pela maconha. Paralelamente, esclarece, o governo instituiria um programa nacional de educação para prevenção ao “consumo problemático” de drogas.
Isso não basta, contudo, para reparar os danos que a guerra às drogas causou nas comunidades carentes, ressalta Boulos. Para isso, ele propõe criar uma comissão da verdade que investigue o histórico dessa política. A entidade seguiria os princípios da justiça de transição reconhecidos pela Organização das Nações Unidas para a superação de períodos autoritários ou de conflitos. Nesse processo, o líder do MTST deseja aprovar uma lei que anistie as pessoas presas injustamente por tráfico de entorpecentes.
Por outro lado, o presidenciável propõe um projeto de lei para reinterpretar a Lei da Anistia (Lei 6.683/1979). A ideia é autorizar a Justiça investigar e julgar as violações de direitos cometidas na ditadura militar (1964-1985) por agentes estatais. Em 2010, o STF entendeu que a norma extinguiu a responsabilidade penal de todos aqueles que cometeram crimes políticos e crimes comuns relacionados a crimes políticos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
Outras propostas de Boulos no campo da legislação penal são revogar a Lei de Segurança Nacional (7.170/1983), descriminalizar o aborto e tipificar o feminicídio de transexuais e transgêneros.
Desmilitarização da polícia
O principal plano de Guilherme Boulos para as polícias é promover a desmilitarização e unificação das corporações, criando organizações civis com ciclo completo de atuação. Ou seja, que executam tanto as atividades de policiamento ostensivo (que hoje cabem à Polícia Militar) quanto as de investigação (que são função da Polícia Civil).
Fora isso, o presidenciável quer reduzir as cargas horárias de policiais e aumentar seus salários. Ele também pretende investir em inteligência e acabar com os autos de resistência, que, a seu ver, “legalizam” as execuções extrajudiciais. Muitas vezes, se o policial alega que matou alguém porque ele resistiu a suas ordens, a ação é considera legítima defesa e deixa de ser investigada.
Quanto à advocacia pública, Boulos afirmou à ConJur que defende as propostas apresentadas em na Carta de Florianópolis. Elaborado pela associação Advogados Públicos para a Democracia, o documento afirma que os procuradores do Estado devem mediar as demandas da sociedade com a Administração e agir para reduzir desigualdades sociais.
Foco na ressocialização
Construir mais prisões não é o foco de Guilherme Boulos, pois isso acaba por gerar a necessidade de enchê-las. “Essas instituições não podem seguir superlotadas e precarizadas em nome de uma política punitivista e insustentável”, avaliou à ConJur. Ele também é contra a administração de presídios por entidades privadas.
O objetivo do candidato do Psol para a área é instituir um modelo pensado para a ressocialização da população carcerária. O programa se concentraria em reduzir a reincidência criminal e educar presos para a vida fora da cadeia.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário