As estatísticas apresentadas pelo Justiça em Números 2016 revelam um aumento das penas de prisão impostas pela Justiça no país. Em 2015, 281 mil penas privativas de liberdade começaram a ser cumpridas em todo o país, quase o dobro do número de 2009 — 148 mil. A população carcerária brasileira é a quarta maior do mundo, tendo crescido 267% nos últimos 14 anos, atingindo a marca de 622 mil pessoas presas.
Esses e novos dados do funcionamento da Justiça criminal no país foram apresentados nesta segunda-feira (17/10) pelo conselheiro Rogério Nascimento na palestra sobre Sistema de Controle da Execução Penal, na 2ª Reunião Preparatória para o 10º Encontro Nacional do Poder Judiciário, promovido anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça.
Além de aumentarem em termos absolutos nos últimos anos, as execuções penais privativas de liberdade também corresponderam a 62,8% das penas da Justiça criminal brasileira em 2015. Os desembargadores de alguns tribunais de Justiça, como os do Rio de Janeiro, Ceará e Espírito Santo, aplicaram penas de privação de liberdade em mais 90% dos casos iniciados em 2015.
O levantamento da movimentação processual da Justiça criminal indica que existiam, em 2015, 6 milhões de ações criminais ainda na fase de conhecimento, período do processo em que são produzidas as provas e são ouvidas as partes envolvidas e as testemunhas do crime para que o juiz responsável pelo caso possa proferir sentença. Só no ano passado, entraram 2,5 milhões de novos processos criminais na fase de conhecimento em toda a Justiça — quase todos (92,7%) na Justiça estadual.
Penas alternativas
O levantamento revela também a baixa adesão da magistratura às penas alternativas, que restringem direitos da pessoa condenada, mas não a retiram do convívio com a sociedade. Instituídas pela Lei 9.714, de 1998, as penas incluem a perda de bens e valores e a prestação de serviço comunitário. Em 2015, no entanto, as execuções não privativas de liberdade representaram somente 37,1% das penas aplicadas no país.
Outro dado inédito do levantamento sobre a Justiça criminal revela a porta de entrada das ações criminais novas. Uma em cada quatro — 610 mil, ou 24% do total — entrou na Justiça via Juizado Especial. São esses órgãos do Judiciário que julgam contravenções penais e crimes de menor potencial ofensivo, com penas máximas inferiores a dois anos — como ameaça, ato obsceno, uso de entorpecentes, crimes contra a honra, entre outros. O atendimento é de graça, o promotor move o processo para o interessado contra pessoas físicas. Em muitos casos, o processo acaba em acordo, após conciliação em uma audiência preliminar.
O volume de ações penais originárias no 2º grau e nos tribunais superiores também se destacou entre os dados estatísticos da Justiça criminal de 2015. Ações originárias são aquelas apresentadas diretamente na segunda instância em função de alguma particularidade da matéria ou da parte da ação penal. A lei determina que autoridades públicas com foro privilegiado, por exemplo, sejam julgadas pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal. No ano passado, esse tipo de ação representou 42% de todos os processos penais sob análise dos tribunais superiores. Em 2015, o Justiça em Números revela que 86,7% das ações não criminais do segundo grau de jurisdição eram recursos a julgamentos anteriores.
Privatização de presídios
No Senado, debate-se a privatização de unidades penais como saída. A ideia, porém, é combatida por grupos de direitos humanos e juristas, que questionam a transferência do poder de punir a empreendimentos lucrativos.
O projeto em discussão é o PLS 513/2011, de autoria do senador Vicentinho Alves (PR-TO). Segundo ele, o principal objetivo é a promoção de uma “estadia” digna ao encarcerado, visando à sua efetiva ressocialização. No contrato previsto pela proposta, exige-se área mínima de seis metros quadrados para cada preso por cela; ambientes limpos e arejados; pessoal treinado em segurança e vigilância; acompanhamento médico, odontológico e nutricional; e também a disponibilização de programas de estudo, capacitação profissional, esporte e lazer disponíveis a todos.
Em contrapartida, a mão de obra do preso poderia ser explorada diretamente pela empresa. A obrigatoriedade de trabalho se tornaria, então, requisito fundamental para permanência na instituição, visto que, na opinião do autor, a educação em paralelo com a capacitação profissional e o trabalho são fatores fundamentais para um processo eficiente de reintegração à sociedade. Ainda assim, conforme Vicentinho, “o trabalho do preso deve ter seu assentimento. Se o preso não consentir, deverá ser transferido para uma unidade penal controlada pelo poder público”.
Em seu parecer, o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG), relator do projeto, defende a extensão da parceria público-privada (PPP) ao sistema carcerário brasileiro, que conta hoje com três modelos consolidados: administração pelo poder público, cogestão e gestão por organizações sem fins lucrativos. A proposta, explica Anastasia, é promover uma melhoria, e não substituir modelos.
“Acredito piamente que a PPP é um modelo avançado e que de fato aprimora o sistema prisional. Porém, não é uma solução cabalística que vai resolver o problema da noite para o dia. É um processo, uma alternativa positiva”, analisa o parlamentar. Ele era vice-governador de Minas Gerais quando, em 2009, foi assinado o contrato da primeira PPP do gênero no Brasil, responsável por erguer e colocar em funcionamento três unidades prisionais no município de Ribeirão das Neves (MG).
Audiência pública
Em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), em 7 de março, o PLS 513/2011 foi repudiado pela maioria dos participantes. Os especialistas acreditam que, se aprovada, a proposta vai abrir espaço para a exploração econômica e ampliar a população carcerária. “Existem pessoas interessadas em lucrar com a privatização do sistema penitenciário”, disse o representante da Federação Brasileira dos Servidores Penitenciários (Febrasp), Leandro Allan Vieira.
Para o defensor público do Estado de São Paulo Bruno Shimizu, todas as justificativas favoráveis à implantação desse sistema são questionáveis, uma vez que o Complexo Penitenciário em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte, considerado “vitrine” dessa administração PPP no Brasil, está longe de ser um modelo. Segundo ele, em 2014, um ano após a abertura do complexo, o Conselho Nacional de Justiça constatou o mesmo padrão de violação dos direitos humanos encontrado nas unidades públicas. “Presos dormindo no chão, racionamento severo de água, educação prisional não implementada. Ou seja, nada de diferente das unidades públicas”, apontou Bruno.
Quanto aos argumentos de que a parceria público-privada vai desonerar o Estado e que os custos da manutenção completa do sistema carcerário passarão a ser pagos por empresas privadas, o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Almiro Velludo Sanvador, garante que não é assim: “A população brasileira acha que privatizar significa baratear. Ao contrário, privatizar significa aumentar o custo para o Estado”.
Em Ribeirão das Neves, o Estado despende cerca de R$ 3,5 mil por preso. Esse valor inclui a amortização do investimento feito na construção das unidades. Em 27 anos, a construção deverá ser entregue ao governo estadual. Nas unidades prisionais públicas, o valor por preso fica em torno de R$ 1,3 mil e R$ 1,7 mil, fora o dinheiro investido na construção de prédios e equipamentos.
Debate antigo
O PLS 513/2011 retoma uma discussão iniciada pelo Parlamento em 1999, quando o então deputado federal Luís Barbosa apresentou o Projeto de Lei 2.146, que autorizava o Poder Executivo estadual a promover a privatização do sistema penitenciário. Na época, um dos motivos que levou à rejeição da proposta foi a manifestação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que classificou o projeto como inconstitucional.
Reacendida a polêmica sobre a real efetividade desse sistema de gestão, algumas entidades como a Associação Juízes para a Democracia (AJD) mantêm a tese do CNPCP. Em nota, a AJD declarou que a proposição esbarra na impossibilidade de delegar ao setor privado o monopólio da força, uma vez que o artigo 144 da Constituição estabelece expressamente ser dever do Estado a gestão da segurança pública.
Com esse mesmo argumento, o Ministério Público de Minas Gerais ingressou em 2009 com uma ação para anular a PPP. No entanto, o desembargador Geraldo Augusto, do Tribunal de Justiça do estado, entendeu que a licitação não feria a lei, visto que não configurava privatização: “A terceirização dos presídios não implica a perda de direção do estabelecimento pelo Estado, e sim que determinados serviços sejam executados pela iniciativa privada”.
A propósito, a Lei 13.190/2015, originária da Medida Provisória 678/2015, autoriza o uso do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) em licitações e contratos na área de segurança pública. Dessa forma, os serviços de conservação e manutenção de unidades penais e fornecimento de materiais já estão previstos e as atividades que exijam o exercício do poder de polícia, vedadas.
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