O cumprimento de um sexto da pena de encarceramento não é suficiente, por si só, para autorizar a liberdade condicional do preso, principalmente se o parecer psicossocial mostrar que ele não se arrependeu pelo crime cometido. Com esse entendimento, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria, negou a concessão de liberdade condicional a um detento condenado pelo crime de estupro. O benefício é previsto no artigo 112 Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84).
O juízo de execução na origem negou o benefício porque o apenado deixou de preencher o requisito de ordem subjetiva. Com base no laudo psicológico, o julgador verificou que o ‘‘reeducando’’ não apresentou evolução em seu comportamento que justificasse a passagem para um regime mais brando, pois não demonstra consciência dos prejuízos e danos provocados à vítima.
No Agravo em Execução em que pede a reforma da decisão, a defesa do apenado sustenta que a avaliação psicológica não é suficiente para determinar o indeferimento do pedido. Ressalta ainda que foi levada em consideração apenas a resposta em que o preso tece comentários que evidenciam a ingestão de bebida alcoólica.
Requisito subjetivo
O relator do recurso, desembargador José Conrado Kurtz de Souza, disse que o julgador pode se valer de todos os meios de prova para firmar seu convencimento. Caso contrário, bastaria a existência dos critérios objetivos — cumprimento de um sexto da pena no regime anterior (dois quintos em regime fechado nos casos de crime hediondo) e conduta carcerária satisfatória — para a concessão automática da progressão de pena. A análise, no caso, ficaria restrita a um setor meramente burocrático, o que fere o princípio da jurisdição a qual está subordinada a execução das penas.
Kurtz lembrou também o que dispõe o parágrafo único do artigo 83 do Código Penal: ‘‘Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir’’. Além disso, observou que, embora o requisito objetivo tenha sido cumprido, o apenado responde a um procedimento administrativo-disciplinar (PAD).
‘‘Vale ponderar que o entendimento do magistrado não se deu apenas em face da 'ingestão etílica abusiva' por parte do apenado, mas, também, em razão de ele não ter apresentado, até o momento, ‘evolução comportamental’. Lembro que o apenado foi condenado pela prática do crime de estupro de vulnerável, e a mera proibição de ingestão de bebida alcoólica como condição à concessão do livramento condicional não se mostra suficiente, sendo necessário que ele demonstre ter consciência dos seus atos e dos danos causados’’, escreveu em seu voto.
Conceitos vagos
O desembargador Carlos Alberto Etcheverry, presidente da 7ª Câmara Criminal, foi o voto divergente. Para ele, a negativa de conceder benefícios legalmente previstos na LEP deve se apoiar em razões concretas. ‘‘Laudos sociais ou psicológicos vagos, que indicam a negativa de benefícios pela gravidade do delito, falta de apoio familiar, ausência de arrependimento ou de planos concretos por parte dos apenados, não têm o condão de obstaculizar direitos do preso’’, entende Etcheverry.
Para ele, a gravidade do delito já foi analisada e dosada na condenação e na aplicação da pena. Logo, não pode servir, recorrentemente, como argumento para negar benefícios da fase de execução. Ele acredita que apenas fatos concretos, como uma evidente doença psicológica, somada a indícios de violência ou outras peculiaridades de cada preso, desde que suficientemente fundamentadas, é que podem autorizar a negativa de direitos. Nessa linha, o arrependimento pelo crime não está previsto na lei como impeditivo para conseguir o benefício na execução.
‘‘Logo, conceitos vagos dos laudos não justificam o cerceamento de direitos. É por isso que se vem limitando os casos de exigência do exame criminológico, que deveria ser exceção. Não se pode tornar esta exceção uma regra por meio da requisição destes pareceres pelos juízos da execução penal ou do Ministério Público, como se as conclusões genéricas comumente encontradas nos laudos mais bem avaliassem, no lugar do juiz, o direito ou não à execução penal progressiva, como manda a lei’’, expressou no voto. O acórdão foi lavrado na sessão de 29 de setembro.
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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2016.
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