quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Estudo mostra pouca eficácia de prisões provisórias no combate ao crime

Há sérias dúvidas se as prisões provisórias de fato contribuem para a redução de crimes. Há alguns estudos apontando que elas podem, inclusive, aumentar esse número

Pesquisa sobre sistema prisional aponta que precariedade das condições das detenções provisórias resultam em pouca eficiência da medida e pode levar à reincidência no crime

Brasília – Existe uma dúvida sobre a eficiência das prisões provisórias no sistema criminal do país. Várias entidades têm estudado impactos negativos destas prisões, nas gestões públicas e na vida dos presos e suas famílias. Os levantamentos  mostram que essas medidas não contribuem, de fato, para a redução de crimes.
Com base em dados do Distrito Federal, o Instituto Veredas divulgou ontem (13) o resultado de uma pesquisa que mostra que, apesar das audiências de custódia, entre 47% e 60% do total de presos provisórios continuam detidos e aguardam mais de 90 dias para o seu julgamento. Além disso, boa parte deles volta a praticar crimes. Suas prisões são cumpridas em condições precárias e nocivas à saúde, em sua maior parte sem realizarem atividade laboral e com pouca interação com familiares.
As audiências de custódia foram criadas em 2015 por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A regra estabelece que, assim que for apresentada à autoridade policial, a pessoa presa em flagrante seja levada a fazer exame de corpo de delito e encaminhada à carceragem. Dentro de um prazo de 24 horas, a pessoa precisa, obrigatoriamente ser apresentada a um juiz, onde será averiguado se sofreu algum tipo de tortura ou se foi tratada corretamente. Caberá ao magistrado avaliar se o caso é passível ou não de prisão provisória.
A regra inicialmente foi vista como uma inovação e como forma de dar alguma dignidade à situação dos presos e reduzir o número de prisões provisórias decretadas no país. Mas, quatro anos depois, os especialistas mostram que tais audiências ainda são insuficientes.
Conforme o Instituto Veredas, tais prisões seguem um padrão. Os pesquisadores observaram que a maioria destes presos têm cor negra e os principais crimes de que são acusados são tráfico, roubo, violência doméstica e furto.
A entidade analisou informações das 24.765 audiências de custódia realizadas entre outubro de 2015 e dezembro de 2017 no Distrito Federal. Constatou que cerca de metade delas resultou em liberdade provisória e o restante, em prisões preventivas.
Segundo o diretor executivo adjunto do Instituto Veredas, Davi Romão, os dados apontam a existência de excesso de prisões provisórias, gargalos no sistema de Justiça e a demora dos julgamentos. “Tudo isso infla nosso sistema penitenciário e provoca uma série de problemas”, afirmou.
De acordo com o diretor, o sistema carcerário no Brasil acaba sendo ineficiente em vários aspectos, uma vez que a prisão “não contribui com o desenvolvimento social”. “Ser isolado dessa forma aumenta as chances da pessoa de voltar para o crime, caso tenha cometido algum. Esse tipo de pena tem efeito ambíguo. E prejudica a ressocialização. É um tiro no pé”, destacou.

Ações estratégicas

O Instituto Veredas – que trabalha com produção de conteúdo em gestão de políticas públicas para o sistema criminal que possa ser utilizado como uso, replicação e atuação em rede – elencou cinco ações que podem ser utilizadas como possíveis alternativas a estas prisões.
A primeira corresponde a estratégias de desvio do sistema criminal, que podem envolver abordagem seguida de explicação sobre as leis, advertências com adoção de medidas restaurativas e repreensão. Sendo que cada uma pode ser combinada com algum elemento adicional, como o encaminhamento para um serviço psicossocial.
Outra ação é a intensificação dos programas de justiça restaurativa, como forma de proporcionar oportunidades para que o infrator compense o que fez. Neste item podem ser destacadas práticas como a mediação de conflitos e sistemas de justiça não-estatal, voltado, por exemplo, para ações comunitárias.
Os pesquisadores também citam como outra alternativa à prisão provisória o sistema de monitoramento eletrônico, que permite que a pessoa pega em flagrante use uma tornozeleira, em vez de ser presa provisoriamente. Apontam que a medida teria impacto financeiro, por ser considerada mais barata do que a prisão. E citam que este procedimento tem sido aplicado com êxito em países como Suécia, Suíça, Estados Unidos, Canadá e no Reino Unido.
Por fim, são sugeridos programas de acompanhamento da liberdade provisória envolvendo mentores para jovens, acompanhamento social, retorno à comunidade e intervenções voltadas para a paternidade/maternidade dessas pessoas. Bem como programas voltados para pessoas que cometeram crimes sexuais e violência doméstica, como terapias de casal, tratamento para essas pessoas e até intervenções motivacionais.
Segundo o professor de antropologia do direito e pesquisador do Grupo Candango de Criminologia da Universidade de Brasília (UnB) Welliton Caixeta Maciel, há um uso indiscriminado e ilegal de prisões provisórias no Brasil. “Essas pessoas que estão aguardando julgamento deveriam cumprir medidas cautelares”.
Opinião semelhante tem a diretora executiva do Instituto Veredas, Laura Boeira. “Há uma grande incerteza se as prisões provisórias de fato contribuem para a redução de crimes. Há alguns estudos apontando que elas podem, inclusive, aumentar esse número”, afirmou.
O estudo foi financiado pelo Fundo Brasil Direitos Humanos (FBDH), pela OAK Fundation e pelo Instituto Betty e Jacob Laffer. Foi feito com base em informações sobe audiências de custódia realizadas no DF entre 2016 e 2017 com o objetivo de identificar problemas relacionados a este tipo de prisão e apresentar estratégias para enfrentamento no âmbito do sistema de justiça criminal.

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