Em dois anos, 24% dos Habeas Corpus julgados pelo Superior Tribunal de Justiça foram favoráveis aos réus. É o que mostra pesquisa da corte que analisou 47 mil HCs julgados pelos ministros que compõem as turmas de Direito Penal entre 1º de setembro de 2015 e 31 de agosto de 2017. Segundo o estudo, desses 47 mil casos, 11,4 mil foram favoráveis à defesa, e 35,6 mil, contrários.
O objetivo do estudo era medir o percentual das decisões em que houve absolvição; alteração de regime prisional; diminuição da pena; diminuição da pena de multa; anulação do processo e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Para isso, a corte analisou 5,3 mil dos 47 mil HCs julgados. Os resultados mostram que as absolvições ou a anulação de processos, pelo STJ, não alcançam percentuais expressivos. O número de Habeas Corpus concedidos para absolver o réu em processos criminais não passa de 0,28% do total dos pedidos examinados. Já os casos em que houve anulação representam 0,17%.
Em 2,65% dos casos foi determinada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, e em 9,60% a defesa conseguiu a redução de pena.
A pesquisa também evidenciou que os Habeas Corpus impetrados pelas Defensorias Públicas alcançam um índice de concessão bem superior em relação aos ajuizados por advogados, chegando a ser quatro vezes maior quando se refere a pedidos de diminuição da pena.
Execução provisória
Os dados foram apurados em complemento à pesquisa divulgada em fevereiro de 2018, que investigou a taxa de êxito da defesa em recursos especiais e agravos em recurso especial interpostos em causas criminais.
Na ocasião, o STJ divulgou que só 0,62% dos recursos julgados resultaram em absolvição do réu. Reportagem da ConJur revelou, contudo, que os números não demonstram o cenário real. Ampliado o recorte temporal da análise do comportamento da seção criminal do tribunal — de janeiro de 2009 a agosto de 2016 —, o resultado é que as decisões favoráveis aos réus em recursos penais foram 10% do total.
Segundo o ministro Rogerio Schietti Cruz, integrante da 6ª Turma do STJ e coordenador da pesquisa, essas informações são um importante subsídio para o debate sobre a execução provisória da pena — hoje admitida pelo Supremo Tribunal Federal, mas que está sob questionamento. O STF iria reabrir a discussão em abril, com a análise de três ações declaratórias de constitucionalidade sobre o tema, mas adiou o julgamento.
Caso a maioria do STF decida modificar o entendimento definido em 2016 — de que a prisão após a condenação em segunda instância, mesmo havendo recursos pendentes, não viola a Constituição —, uma das alternativas possíveis é a adoção de um modelo intermediário, que não condicione a execução da pena ao trânsito em julgado, mas exija pelo menos a decisão do STJ no recurso especial. A ideia foi defendida em Plenário pelo ministro Dias Toffoli, hoje presidente do STF. A pesquisa do STJ foi pedida pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso.
Fixação da pena
Os resultados da pesquisa evidenciam, segundo o ministro Rogerio Schietti, que os maiores índices de concessão de Habeas Corpus residem na fixação da pena por juízes e tribunais, o que se explica pela complexidade do processo de individualização da sanção criminal, que exige uma acurada explicitação dos motivos para a incidência de cada uma das diversas circunstâncias judiciais e legais no momento de quantificar a resposta punitiva.
Muitas vezes, exemplifica Schietti, o HC é concedido para diminuir a pena porque o juiz considerou, como antecedentes, processos instaurados contra o sentenciado sem ainda haver o trânsito em julgado da condenação, o que contraria súmula do STJ. Também é muito comum, acrescenta, a fixação de um regime de pena mais gravoso porque o crime imputado ao réu é classificado como hediondo, sem nenhuma análise sobre elementos concretos dos autos que justifiquem tal opção — procedimento que vai de encontro a súmulas do STJ e do STF.
Outra conclusão da pesquisa refere-se ao percentual de concessão de Habeas Corpus em relação a cada um dos tribunais de Justiça estaduais. Confirmando pesquisa divulgada há alguns anos pela Fundação Getulio Vargas, o Tribunal de Justiça de São Paulo foi, proporcionalmente, o que apresentou maior índice de concessões (31,7% das impetrações), o que sugere, na avaliação do ministro Rogerio Schietti, um descompasso maior daquela corte estadual quanto à jurisprudência dos tribunais superiores.
Presidente da Seção Criminal do TJ-SP, o desembargador Fernando Antonio Torres Garcia defendeu a atuação da corte e afirmou que, ao contrário do que se diz, o tribunal segue decisões do STJ.
Segundo ele, um levantamento feito por seu gabinete mostra que o tribunal cumpre as decisões do STJ. Em entrevista à ConJur, o desembargador destacou os “porquês” de os julgadores adotarem determinados entendimentos.
“Por exemplo, essa questão de rotular São Paulo como um tribunal rigoroso. De fato, a certeza que tenho é que o Tribunal de São Paulo, os juízes criminais de São Paulo, tanto em primeiro quanto em segundo grau, privilegiam a sociedade sem qualquer desrespeito aos direitos individuais constitucionais de cada cidadão, em especial dos delinquentes. Nós privilegiamos e defendemos a sociedade. Então, se proteger a sociedade — fazer com que, por exemplo, um sentenciado retorne ao convívio social com muito critério —, se isso é ser rigoroso, nós de São Paulo realmente somos rigorosos”, explicou.
Clique aqui para ler pesquisa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 5 de agosto de 2019.
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