Na espécie, a paciente foi denunciada e presa preventivamente pela suposta prática do delito de associação criminosa, previsto no art. 288, parágrafo único, do Código Penal (CP) (2). Ela teria se associado a outros indivíduos, de forma estável e permanente, para planejar ações criminosas e recrutar simpatizantes pelas redes sociais e outros canais, que resultaram em atos de vandalismo durante manifestações ocorridas no período da Copa do Mundo de 2014, na cidade do Rio de Janeiro.
A Turma entendeu que o policial militar em questão atuou como agente infiltrado sem autorização judicial e, por isso, de forma ilegal. Explicou que a distinção entre agente infiltrado e agente de inteligência se dá em razão da finalidade e amplitude de investigação. O agente de inteligência tem uma função preventiva e genérica e busca informações de fatos sociais relevantes ao governo; o agente infiltrado age com finalidades repressivas e investigativas em busca da obtenção de elementos probatórios relacionados a fatos supostamente criminosos e organizações criminosas específicas.
Segundo o colegiado, o referido agente foi designado para coletar dados para subsidiar a Força Nacional de Segurança em atuação estratégica diante dos movimentos sociais e dos protestos ocorridos no Brasil em 2014. Ele não precisava de autorização judicial para, nas ruas, colher dados destinados a orientar o plano de segurança para a Copa do Mundo. Entretanto, no curso de sua atividade originária, apesar de não ter sido designado para investigar a paciente nem os demais envolvidos, acabou realizando verdadeira e genuína infiltração no grupo do qual ela supostamente fazia parte e ali obteve dados que embasaram sua condenação. É evidente a clandestinidade da prova produzida, porquanto o policial, sem autorização judicial, ultrapassou os limites da sua atribuição e agiu como incontestável agente infiltrado. A ilegalidade, portanto, não reside na designação para o militar atuar na coleta de dados genéricos nas ruas do Rio de Janeiro, mas em sua infiltração, com a participação em grupo de mensagens criado pelos investigados e em reuniões do grupo em bares, a fim de realizar investigação criminal específica e subsidiar a condenação. Suas declarações podem servir para orientação de estratégias de inteligência, mas não como elementos probatórios em uma persecução penal.
A Turma também reconheceu a aplicabilidade, no caso concreto, das previsões da Lei 12.850/2013 (3), que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. Ainda que se sustente que os mecanismos excepcionais previstos nesse diploma legal incidem somente nas persecuções de delitos relacionados a organizações criminosas nos termos nela definidos, os procedimentos probatórios ali regulados devem ser respeitados, por analogia, em casos de omissão legislativa. No ponto, o colegiado asseverou que o policial militar começou a atuar como agente infiltrado quando o referido diploma legal já estava em vigor.
Ademais, considerou que o pedido requerido no writ apresenta uma impugnação específica, a partir dos debates ocorridos nas instâncias inferiores e dos elementos probatórios aportados nos autos e reconhecidos pelos juízos ordinários. Portanto, caracteriza-se cognição compatível com a via estreita do habeas corpus. Ainda que a análise em habeas corpus tenha cognição limitada, se, a partir dos elementos já produzidos e juntados aos autos, for evidente a incongruência ou a inconsistência da motivação judicial, devem ser resguardados os direitos violados com a concessão da ordem.
(1) CPP/1941: “Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (...) § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.”
(2) CP/1940: “Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:”
(3) Lei 12.850/2013: “Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites. Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.”
HC 147837/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26.2.2019. (HC-147837)
Informativo STF. Brasília, 25 de fevereiro a 8 de março 2019 - Nº 932.
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