Duas almofadas amarelas de emojis sorridentes em duas poltronas escuras destoam do ambiente formal e chamam a atenção de quem conhece a pequena sala de depoimentos especiais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). “As crianças chegam e já se abraçam com as almofadas. Servem como um escudo e fazem com que as crianças se sintam mais seguras. Queremos deixa-las seguras”, explicou a psicóloga Betina Tabyaski. É nessa sala, diante de uma câmera e com um microfone discretos, porém bem aparentes, que elas vão contar para uma psicóloga ou assistente social sobre o evento mais traumático de suas vidas até o momento. Em sua maioria, são crianças vítimas de violência sexual.
Por mês, aproximadamente 25 crianças e adolescentes são ouvidos pela Juíza de Direito Tatiana Gischkow Golbert, titular da 6ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, geralmente nas segundas-feiras. A magistrada não é apenas especializada em crimes com vítimas infantis como também atua exclusivamente nesses casos em Porto Alegre, com o suporte técnico de assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras. Além da sala especial na qual as crianças são filmadas, há ainda outra sala, cheia de brinquedos e acessórios infantis, que funciona como uma recepção e para onde as crianças são levadas com o seu responsável, antes da audiência, para evitar que se encontrem com o réu nos corredores do tribunal.
“A estrutura de Porto Alegre é bastante boa. Eles têm equipe técnica adequada e salas especiais. Eles têm uma juíza que atua com exclusividade nesses casos e que trabalha em parceria com a promotoria, o que é excelente. Mas isso tudo é na capital. Não temos como avaliar ainda o interior”, comenta a diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Maria Tereza Sadek, que está mapeando as técnicas e espaços utilizados para depoimentos especiais pelos tribunais de todo o País, como determina a Lei n. 13.431/2017.
No total, a diretora do CNJ acompanhou, em Porto Alegre, os depoimentos de seis processos diferentes que envolvem cinco crianças e uma adolescente. “Porto Alegre está avançada pois foi o local precursor da metodologia. No entanto, o depoimento especial ainda é uma novidade no País. Falta formação dos magistrados e capacitação de equipes técnicas para apoiá-lo”, comentou Sadek. Na opinião da pesquisadora, a lei só irá funcionar de maneira efetiva quando houver integração entre o Poder Judiciário, o conselho tutelar, a polícia e as promotorias de Justiça.
Pioneirismo
Há quinze anos, com uma câmera amadora e um microfone comprado em uma pequena loja comercial nas proximidades do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, dois juízes da vara da Infância e juventude de Porto Alegre encontraram uma forma mais humana para ouvir o depoimento das crianças vítimas de crimes, em especial as vítimas de violência sexual.
“Era uma enorme dificuldade ouvir os depoimentos das crianças. Me sentia péssimo ao fazer a criança contar tudo de novo e não me sentia confortável sequer para fazer as perguntas de uma forma mais compreensível para as crianças. A gota final veio do depoimento de uma criança de seis anos, vítima de estupro, que mexeu muito comigo”, contou o então Juiz de Direito do 2º Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, José Antônio Daltoé Cezar. Hoje ele é desembargador da Vara de Família do TJ-RS. "Na época, começavam a ser usadas as câmeras de segurança. Vi uma dessas na casa do meu cunhado, e pensei: 'Será que a gente consegue colocar som nessa imagem?' Daí surgiu a ideia", lembra o Desembargador Daltoé.
No Rio Grande do Sul, 84,4% das vítimas de crimes sexuais são crianças e adolescentes. O dado se refere a 341 processos julgados ente janeiro e outubro de 2017 pela 7ª Câmara Criminal do TJ-RS. Das 341 vítimas, 288 tinham entre um e 14 anos. Até os 10 anos, eram 161. Sobre o total, 90% eram do sexo feminino. A pesquisa foi realizada pelo gabinete do Desembargador Daltoé.
Para conhecer a pesquisa na íntegra, clique aqui.
O desembargador diz que o resultado positivo em termos de qualidade dos depoimentos coletados por vídeo foi imediato. “Com o ambiente mais acolhedor e a presença do psicólogo, as vítimas se sentiam mais à vontade e falavam mais. Não que isso tenha feito aumentar o número de condenações, mas conseguimos dar um atendimento mais humano para essas crianças”, destacou. Nascia assim o projeto “Depoimento sem Dano”.
Atualmente, 72 comarcas do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul utilizam o depoimento especial, sendo que em 47 as salas já estão implantadas e com equipes capacitadas e 18 estão em fase de capacitação das equipes.
O Poder Judiciário do Rio Grande do Sul mantém campanha contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. O site dedicado ao tema traz material informativo, vídeos de conscientização, contatos úteis e link para denúncia. Acesse aqui.
Para mais detalhes sobre como funciona o depoimento especial das crianças, clique aqui.
Paula Andrade
Agência CNJ de Notícias. 18.07.2018.
Agência CNJ de Notícias. 18.07.2018.
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