O cenário ideal para o regular funcionamento da administração pública seria que o servidor e demais agentes públicos não cometessem deslizes ou condutas desviantes no exercício de seus cargos. No entanto, como se trata de seres humanos, falíveis e sujeitos às intempéries da vida, é de se esperar que, em algum momento, alguns deles incorram em desvios de condutas, tipificadas como faltas funcionais.
José Armando da Costa (2009)[1], o precursor do Direito Disciplinar no Brasil, pontua que:
“o ideal seria que cada servidor fosse dotado do mais elevado senso de moral e responsabilidade, para que, com tais qualificações pessoais, cumprisse de forma natural, sem necessitar de coação, os deveres de sua função. Dessa forma, a normalidade da atividade funcional dos órgãos públicos ocorreria sem nenhum embaraço. Seria tudo uma maravilha. Contudo, isso não passa de mera utopia”.
Essa mera utopia reportada pelo jurista José Armando da Costa se agrava quando se percebe — com raras e honradas exceções — que os servidores públicos não são treinados e capacitados adequadamente pelos órgãos públicos acerca de como devem se comportar no ambiente de trabalho nem respeitados e valorizados como merecem. Por conta dessa deficiência do Estado-administração, muitos servidores públicos acabam praticando deslizes no ambiente de trabalho e, por conseguinte, respondendo a um processo administrativo disciplinar (PAD) ou sindicância punitiva.
É alarmante a quantidade de processos disciplinares instaurados todos os anos no Brasil pela administração pública contra servidores. Somente no âmbito do Poder Executivo Federal (incluindo administração direta e indireta) foram instaurados 63.503 procedimentos disciplinares entre os anos de 2003 e 2018 (até agosto), segundo levantamento da CGU[2].
Imaginem quanto custou, em média, para o erário, a instauração de cada um desses procedimentos disciplinares?
Segundo pesquisa do ilustre professor Léo da Silva Alves, presidente do Centro Ibero-Americano de Administração e Direito[3], cada procedimento disciplinar custa, em média, R$ 25.023,33. A pesquisa levou em consideração a realização de apenas uma diligência pela comissão fora da sede, em cada oito procedimentos instaurados. Agora, façam as contas, somando-se os 63.503 procedimentos disciplinares citados acima.
Mas por que os servidores públicos praticam faltas funcionais no ambiente de trabalho? São vários os fatores. No momento, porém, proponho-me a apontar dois apenas, que, a meu ver, sobrepõem-se: os servidores públicos (i) não são respeitados e valorizados como merecem nem (ii) são treinados e capacitados adequadamente pelos órgãos públicos acerca de como devem se comportar no ambiente de trabalho.
Os gestores públicos se preocupam muito com os resultados que os servidores devem apresentar para a instituição no dia a dia (de fato, devem apresentar), só que nesse processo não se pode esquecer que o servidor público é um ser humano, tem alma, sentimento e coração e como tal deve ser tratado.
O servidor público, como qualquer outro ser humano, precisa ser respeitado e valorizado, acolhido e incluído na equipe. O servidor público não é robô.
A administração pública deve adotar políticas de valorização do servidor público. Cito como uma delas a política de elogios. Qualquer servidor público elogiado sente-se valorizado pela chefia e estimulado a continuar executando suas tarefas e atribuições do cargo com esmero e eficiência. Só existe equipe de ouro com colaboradores também de ouro. As instituições e corporações devem pensar assim.
Os órgãos públicos devem dar mais atenção aos seus servidores públicos, capacitando-os e treinando-os, não só com cursos técnicos voltados exclusivamente para a execução das atribuições de seus cargos — das atividades-meio e fim — (que são importantes, não resta dúvida), mas, igualmente, cursos direcionados ao relacionamento interpessoal, trabalho em equipe, motivação, atividades lúdicas, motivação e inclusão.
Podem crer: o servidor respeitado e valorizado pela chefia e sua equipe dificilmente praticará um deslize no ambiente de trabalho. Não se pode pensar só na repressão, deve-se pensar também na prevenção, pois, como diz a sabedoria popular, “é melhor prevenir do que remediar”.
Só que para que tudo isso aconteça é necessário que a administração coloque pessoas experientes e competentes para exercerem a liderança, um gestor que entenda e saiba lidar com pessoas; do contrário, os projetos da instituição não decolam e ainda terá equipes com seus colaboradores desmotivados e infelizes.
Portanto, a falta de capacitação e treinamento adequados dos servidores públicos, somados à falta de respeito e valorização desses profissionais, contribuem sobremaneira para que muitos deles pratiquem faltas funcionais e, por isso, se tenha uma enorme quantidade de procedimentos instaurados pela administração pública, como se tem hoje em todo o Brasil, com altos custos para o erário.
[1] COSTA, José Armando da. Direito administrativo disciplinar. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. MÉTODO, 2009, p. 30.
[3] Publicada em 16/7/2015 pela SEDEP-Acompanhamento de Processos. www.sedep.com.br. Acesso em 20/11/2018.
Manoel Messias de Sousa é advogado, servidor público aposentado do MPU, pós-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) e diretor-executivo da Escola de PAD de Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2018.
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