segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Europa e Brasil compartilham experiências de proteção da mulher


A atuação estatal na prevenção e a relevância de um formulário de risco foram assunto da mesa presidida pela conselheira do Conselho Nacional de Justiça Daldice Maria Santana. Compuseram a mesa, também, a juíza de direito do Estado do Rio de Janeiro Daniella Binato; a delegada chefe da Delegacia das Mulheres no DF, Sandra Gomes; a promotora de Justiça do Espírito Santo Cláudia Regina dos Santos; e a promotora de Justiça do Rio Grande do Norte Erica Verícia Canuto. FOTO: CNMP

Áustria, Portugal, Espanha e Brasil vêm promovendo ações comuns de prevenção e combate a um dos mais perversos e insidiosos crimes contra a alma humana: a violência doméstica conjugal – uma violação de direitos cometida contra a mulher em seu próprio lar e por quem teoricamente deveria ser seu principal protetor. Na última quarta-feira (5/12), gestores públicos, estudiosos, delegadas, juízas, promotoras, entre outros profissionais, compartilharam ações que vêm sendo implementadas com o intuito de entender, lidar, tratar e prevenir a violência doméstica contra a mulher.

As experiências nacionais e internacionais foram apresentadas ao público brasileiro no II Seminário Internacional Brasil-União Europeia: caminhos para a prevenção da violência doméstica contra a mulher, na sede do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em Brasília.

Leia mais: CNJ assina acordo para aplicar formulário de risco em casos de violência doméstica

O evento também resultou na assinatura do acordo de cooperação entre o CNMP, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério dos Direitos Humanos (MDH), para implantar o Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida (Frida). Veja aqui matéria sobre o acordo e o formulário de risco.

Um dos 15 países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a Áustria possui pouco mais de 8 milhões de habitantes e, em 2017, 19 mil mulheres foram identificadas como vítimas de violência doméstica. Representando o Instituto de Estudos Práticos sobre Gênero Peripherie, a socióloga Doris Kapeller revelou aos participantes do seminário que em seu país a violência doméstica passou a ser tratada de maneira mais efetiva a partir de 1997, com a criação de uma lei semelhante à brasileira 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

“Desde então, quando ocorre uma denúncia, o agressor é imediatamente retirado de casa por duas semanas. Depois, um tribunal decide se ele fica mais tempo fora ou se pode voltar. O agressor deve fazer cursos e precisa provar que pode voltar para casa”, informou Doris Kapeller.

A especialista austríaca citou, porém, a falta de recursos e de políticas públicas como desafio enfrentado mesmo por um país rico como o seu. “Atualmente, nosso governo é de direita e os governantes não querem investir na qualificação dos agentes das instituições. Isso é um erro. Mesmo tendo uma lei progressista, falta um debate social e mais campanhas”, disse.
Questionário de risco


Capacitação de agentes públicos e privados que lidam com a realidade da violência doméstica (envolvendo área policial, de saúde e de educação) e ações conjuntas em esferas local e nacional, além da rapidez para proteger e apoiar mulheres e crianças vítimas de violência foram citadas pela secretária-geral do Lobby Europeu de Mulheres na Espanha, Teresa Nevado Bueno.

Em Portugal, uma experiência que dura 28 anos e já ajudou 295 mil pessoas foi contada por outra das expositoras do seminário, a consultora Rosa Saavedra. A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) está em 32 cidades e confere apoio gratuito, confidencial, personalizado e especializado às vítimas de violência – sejam elas domésticas ou não.

Para que pudessem entender melhor a situação de quem estava pedindo ajuda, a APAV adaptou uma escala de avaliação de risco utilizada em casos de homicídios nas relações conjugais heterossexuais. São 20 perguntas que mapeiam a relação do agressor com drogas, álcool, animais domésticos e histórico familiar. Entre as perguntas estão se o autor da agressão possui ciúme excessivo; se tem acesso a armas; se a mulher está grávida ou teve bebê há menos de 18 meses; se já houve alguma tentativa de suicídio por parte do autor da violência; se faz uso de drogas ou álcool; se os filhos já presenciaram as agressões.

O formulário criado pela ONG portuguesa deverá servir de base para o formulário a ser usado nos procedimentos brasileiros de enfrentamento da violência doméstica, no âmbito do Poder Judiciário, do Ministério Público, das delegacias e do Ministério dos Direitos Humanos.
Homens parceiros


Além das experiências com questionários voltados a conhecer o nível de risco de morte das mulheres que buscam ajuda, também foi abordado no seminário o trabalho de educação em gênero voltado a homens agressores. A antropóloga Isabela Venturoza, colaboradora do brasileiro Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, ressaltou que o combate à violência doméstica precisa ser feito com os homens. “Isso, inclusive, está previsto na Lei Maria da Penha. Se eles não participarem, estaremos enxugando gelo. Atualmente, eles estão acuados, achando que o feminismo é algo contra eles”, disse. 

A especialista revelou que há pouco mais de 30 experiências com homens agressores no País, em um universo de mais de 5 mil municípios. Além de pouca quantidade, a qualidade desse trabalho não tem sido analisada. “Há uma lacuna. Não sabemos quem são esses homens, quais são suas narrativas. Nos grupos reflexivos percebi que eles não sabem lidar com sentimentos, não aprenderam a vivenciar frustrações, raivas. A forma de lidar com esses sentimentos é com agressão. Depois que passam pelos grupos, esses homens conseguem se controlar, entender o processo. E, desses, poucos voltam a cometer violência doméstica”, contou Isabela, que há 10 anos trabalha com grupos reflexivos de homens. 
Luiza Brunet


Vítima de violência doméstica, a ex-modelo e hoje empresária Luíza Brunet também participou do evento, compartilhou sua história e defendeu a superação do trauma por intermédio do recurso à Justiça. Depois de denunciar seu agressor, a atriz tornou-se ativista das causas sociais, em defesa do enfrentamento à violência. “As barreiras que precisamos superar são culturais, psicológicas, financeiras. Mas ou eu me calava, e viveria para sempre humilhada, ou seria voz inclusive de quem não pudesse falar. Reuni muita coragem e minha luta hoje é para encorajar as mulheres a denunciar esses crimes. Buscar uma saída. E a saírem inteiras, como eu saí”, afirmou Luíza Brunet, entre aplausos da plateia.

Além desses pontos, também foi debatida a responsabilidade social das empresas na tutela da mulher diante da violência doméstica. A vice-presidente de RH, Jurídico e Sustentabilidade da ArcelorMittal Brasil e fundadora da ONG Will – Women in Leadership in Latin America, Suzana Fagundes, ressaltou a importância de iniciativas privadas que contribuam para a total emancipação das mulheres em termos profissionais e sociais. “A capacitação das mulheres não é o problema. Percebemos falta de confiança nelas mesmas e também um preconceito inconsciente que raramente as empresas reconhecem. É preciso falar sobre gênero, capacitar e fazer campanhas contra o sexismo, o assédio. É preciso colocar um ponto final nisso, promovendo dignidade no trabalho”, defende.

Valter Shuenquener, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do CNMP e responsável pelo projeto Diálogos União Europeia-Brasil – Violência contra a Mulher, ressaltou que a cobrança da sociedade civil faz toda diferença: “Isso não é um problema apenas do governo, mas de todos”, disse. A presidente da Comissão de Acesso à Justiça do CNJ, conselheira Daldice Santana, presidente de uma das mesas de debates, elogiou o número de palestrantes do sexo feminino no seminário. “Fico feliz em ver que estamos buscando de maneira concreta a igualdade de gênero. Um exemplo disso é essa presença feminina nesse seminário, na condição de conferencistas. Estou muito orgulhosa”, disse.

Entre outras autoridades e especialistas, participam das palestras e dos debates a deputada federal Soraya Santos; a juíza de direito do Rio de Janeiro Daniella Binato; a delegada da Delegacia das Mulheres no Distrito Federal, Sandra Gomes; as promotoras de Justiça Cláudia Regina dos Santos e Erica Canuto; a consultora em políticas públicas e violência contra as mulheres Wânia Pasinato e Maria Rosa Sabbatelli, chefe da equipe regional das Américas da União Europeia.

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