O juiz federal Peter Messitte, do Distrito de Maryland, nos EUA, afirmou nesta sexta-feira (8/12) que as delações premiadas têm alterado o papel da magistratura norte-americana, pouco a pouco. Ele disse que, no início das plea bargains, os julgadores de seu país se limitavam a homologar os acordos, mas atualmente passaram a verificar minuciosamente as condições.
Em visita ao Brasil, Messitte proferiu palestra na Associação dos Advogados de São Paulo, na capital paulista, e citou diferenças da colaboração premiada nos dois países. Ele dividiu mesa com o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça.
Umas das principais diferenças citadas por Messitte é a autonomia irrestrita do Departamento de Justiça — o Ministério Público norte-americano — ao propor acordos, inclusive com a possibilidade de não apresentar ação penal contra o delator. Já no Brasil, o MP é obrigado a apresentar denúncia, mesmo que para pedir perdão judicial.
O juiz lembrou ainda que, nos EUA, as delações são consideradas provas, enquanto no Brasil são entendidas como meios de obtenção de prova. Segundo ele, essa “certeza” na palavra do delator existe porque o Departamento de Justiça, ao propor o acordo, já tem outros dados que incriminam o possível delator.
Prova falada
Outra diferença citada é que qualquer réu pode fazer delação nos EUA, sem limites. Por aqui, a Lei das Organizações Criminosaselenca alguns critérios que limitam participação de eventuais delatores, por exemplo, que o interessado não seja o líder do grupo que cometeu o crime.
Apesar de nos dois países a delação ser aceita em qualquer fase, a dosagem dos benefícios eventualmente concedidos pelas autoridades norte-americanas vai sendo reduzida com o passar do tempo, o que não ocorre no Brasil.
A delação da JBS, firmada por Rodrigo Janot, é um exemplo das condições brasileiras. Wesley Batista, apesar de ter fornecido informações três anos após o início da “lava jato”, conseguiu ter imunidade penal garantida pelo PGR até que seus benefícios foram anulados depois de descoberto que ele omitiu informações às autoridades.
Messitte citou dois casos para demonstrar a mudança do perfil dos juízes de seu país: um envolvendo uma conhecida do Brasil, a Odebrecht, e outro sobre o Citigroup. Em relação à empreiteira, o crime cometido foi evasão de divisas por meio do mercado acionário e envolveu os MPs brasileiro, americano e suíço. Num primeiro acordo foi definida multa de R$ 3 bilhões, que foi reduzida posteriormente mesmo tendo sido homologada pelo juiz do caso.
Já sobre o caso do Citigroup, Messitte citou decisão do juiz Jed Rakoff, que não aceitou acordo proposto pelo Security Exchange Comission (SEC) — espécie de Comissão de Valores Mobiliários dos EUA — ao banco e teve a decisão reformada pela corte de apelação, sob o argumento de que a SEC, por ter cuidado das negociações, seria a melhor entidade para definir a dosimetria das penas e benefícios.
Rakoff afirmou, ao negar a homologação do acordo, que as balizas definidas não seriam justas e que não havia provas suficientes que comprovassem o fim da prática e dos ilícitos já cometidos. O Citigroup foi acusado de vender investimentos hipotecários e apostar que eles teriam mau desempenho.
Origem
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ, afirmou no evento que esses acordos entre órgãos públicos e criminosos confessos, tanto em delações quanto leniências, começaram no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) com os termos de cessação de conduta.
Cueva, que foi procurador-geral do Cade, defendeu que o modelo da entidade é o melhor a ser seguido, também pelo tempo em que já é executado — no início dos anos 2000. Ele contou que, inicialmente, esses acordos só previam o fim da prática, mas que depois passaram a definir multas e outras compensações. “Chegou-se a fazer uma fórmula para definir a multa. Sorte que isso foi anulado”, disse.
Brenno Grillo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 8 de dezembro de 2017.
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