sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Transação penal não impede questionamento sobre persecução criminal

Aceitar acordo de transação penal não impede a impetração de Habeas Corpus para questionar a legitimidade da persecução penal. A decisão é da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal.
Turma seguiu, por unanimidade, o voto do relator, ministro Gilmar Mendes 
Carlos Moura / SCO STF
Para o relator ministro Gilmar Mendes, ainda que o réu se conforme com a acusação e aceite a imposição da pena com o benefício proposto, não se pode aceitar que o poder punitivo estatal seja exercido sem o devido controle judicial. Por isso, em todos os casos, tanto em colaboração premiada, como em transação penal ou suspensão condicional do processo, há a submissão para homologação judicial
O ministro explica que o controle judicial é fundamental para a proteção efetiva dos direitos fundamentais do imputado e para evitar possíveis abusos que comprometam a decisão voluntária de aceitar a transação. Ainda segundo o ministro, não há qualquer disposição em lei que imponha a desistência de recursos ou ações em andamento ou determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça.
Segundo o relator, embora o sistema negocial possa trazer aprimoramentos positivos em casos de delitos de menor gravidade, a barganha no processo penal pode levar a riscos consideráveis aos direitos fundamentais do acusado. Ao votar pela concessão do habeas corpus, o ministro salientou que a imposição de uma pena consentida pelo réu não pode ser feita pelo Estado sem qualquer controle fático-probatório pelo julgador.
"Conclui-se, portanto, que, diante dos riscos inerentes à justiça criminal negocial, o consentimento do imputado, ainda que assistido por defensor técnico, não pode ser supervalorizado a ponto de afastar qualquer necessidade de controle judicial. Mesmo com o aceite da defesa, o Judiciário precisa controlar e limitar o exercício do poder punitivo estatal para que, somente assim, a pena eventualmente imposta possa ser considerada legítima", afirmou.
Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Edson Fachin salientou que as consequências da transação são essencialmente as estipuladas pelo acordo. E, no caso concreto, o acordo não fez nenhuma referência ao habeas corpus impetrado antes da transação, que estava pendente de julgamento.
O ministro Ricardo Lewandowski também ressaltou a circunstância de que o habeas corpus já havia sido impetrado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal quando houve a proposta de transação penal. “A negociação não retira do imputado o direito de impugnar os pressupostos para a persecução penal”, afirmou. Da mesma forma, a ministra Cármen Lúcia assinalou que as partes não trataram desse ponto no acordo, que não pode gerar uma renúncia genérica.
O caso
Com a decisão, o STF determinou que o TJ-DF julgue o habeas corpus impetrado por um dentista de Brasília denunciado pelo crime de lesão corporal culposa em razão de um cirurgia e que aceitou a proposta de transação penal ofertada pelo Ministério Público.

O dentista foi acusado pela prática do crime, previsto no artigo 129, parágrafo 6º, do Código Penal. Com o recebimento da denúncia, a defesa ajuizou habeas corpus no TJ-DF e, na sequência, o Ministério Público ofereceu a transação penal (espécie de acordo em que o acusado aceita cumprir determinações e condições propostas pelo promotor em troca do arquivamento do processo), que foi aceita.
Diante disso, o TJ-DF rejeitou o exame do habeas corpus. Para a defesa, contudo, o habeas deveria ser julgado para que fossem analisados os argumentos de inépcia da denúncia, atipicidade da conduta e ausência de justa causa para ação penal, mesmo tendo havido a transação penal.
No julgamento, a defesa do dentista argumentou que deveria ser aplicado o mesmo entendimento dado à hipótese de suspensão condicional do processo, cuja implementação não impede a impetração de habeas para discutir existência de justa causa para a ação penal. A defesa foi feita pelos advogados Pedro Machado de Almeida Castro, Octavio Orzari e Vinícius André de Sousa, do escritório Machado de Almeida Castro e Orzari Advogados.
Já a representante da Procuradoria Geral da República sustentou que, se o profissional quisesse discutir os fatos, poderia não ter aceitado a transação penal e buscar a absolvição em juízo. Mas, a partir do momento em que ela foi aceita, o juiz anulou tudo que se fez, inclusive o recebimento da denúncia. Assim, não haveria como discutir a justa causa se não há mais denúncia nem investigação ou persecução penal. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes
HC 176.785

Revista Consultor Jurídico, 18 de dezembro de 2019.

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