A Justiça dos Estados Unidos decidiu que moradores de rua têm o direito de dormir — ou mesmo acampar — em calçadas e praças e parques públicos se as cidades não disponibilizam abrigos suficientes para acolhê-los. E que as leis municipais e estaduais que criminalizam morar na rua são inconstitucionais.
Essa decisão se sacramentou na segunda-feira (16/12), quando a Suprema Corte decidiu não julgar um recurso movido por Boise, Idaho, com apoio de várias cidades e, então, prevaleceu a decisão do Tribunal de Recursos da 9ª Região a favor dos moradores de rua.
O tribunal decidiu que as leis municipais violam a Oitava Emenda da Constituição, que bane punições cruéis e incomuns. A pergunta apresentada aos tribunais era se os moradores de rua podem ser multados e processados com base em leis municipais e estaduais que proíbem dormir ou acampar em espaços públicos.
Em sua decisão, o tribunal citou jurisprudência estabelecida em 1962, segundo a qual o estado não pode criminalizar o vício a narcóticos — isto é, processar cidadãos pelo simples fato de serem usuários de substâncias entorpecentes.
No processo atual, a juíza Marsha Berzon escreveu que esse princípio se estende aos moradores de rua: “O governo não pode criminalizar o estado de ser morador de rua. E, da mesma forma, o governo não pode criminalizar a conduta que é uma consequência inevitável de ser morador de rua — isto é, se deitar ou dormir nas ruas”.
As cidades, por sua vez, esperavam mais da Suprema Corte do que discutir a constitucionalidade das leis municipais, porque se consideram em um beco sem saída. Elas têm a obrigação de oferecer aos moradores um lugar saudável, limpo e livre de tráfico e o uso de drogas, que afeta principalmente os cidadãos mais vulneráveis.
As cidades queriam que a corte esclarecesse como a lei pode ajudar. Em outras palavras, como balancear as necessidades dos moradores de rua com as necessidades de todos os demais habitantes da cidade que também usam áreas públicas.
Alegaram ainda: “nada na Constituição requer que as cidades entreguem suas ruas, calçadas, parques, margens de rios (sob pontes) e outras áreas públicas a vastos acampamentos”.
Mas prevalece o entendimento de que a criminalização não é uma estratégia para resolver o problema de se ter moradores de rua na cidade. É a consequência de não se ter uma estratégia.
Pode ser. Mas as únicas ideias de estratégia que as cidades americanas têm, no momento, é a de criar mais abrigos e de descobrir uma maneira de construir prédios de apartamentos destinados a quem não pode comprar ou alugar um imóvel. Mas essa última ideia não é bem recebida pelos republicanos.
Uma solução para reduzir significativamente o número de moradores de rua, que as cidades não sabem como encontrar, seria oferecer a eles oportunidades de emprego.
"Sem teto" nos EUA
Um relatório da organização The Council of Economic Advisers, divulgado em setembro de 2019, afirma que, em janeiro de 2018, foi concluído um levantamento da população homeless (sem teto) dos EUA. Foram contados 552.830, dos quais 194.467 (35%) eram moradores de rua e 358.363 (65%) viviam em abrigos.
A população de cidadãos “sem teto”, em uma noite, equivale a 0,2% da população do país — ou 17 pessoas em cada 10 mil habitantes. Outro levantamento da Fundação Cosac afirma que um terço dos “sem teto” é constituído por veteranos de guerra.
Segundo o relatório de 2019, o Distrito de Colúmbia, que abriga a capital do país, Washington, tem uma população de “sem teto” 3,5 vezes maior do que a média nacional. Entre os estados do país, com população de “sem teto” maior que a média nacional, estão Nova York (2,8 vezes), Havaí (2,7 vezes), Oregon (2 vezes) e Califórnia (1,9 vez). Esses quatro estados e D.C. têm 45% da população homeless do país, embora tenham apenas 20% da população geral.
Entre as cidades, as que têm uma proporção maior de “sem teto” por número de habitantes estão: Washington, D.C. (103 por 10 mil habitantes), Boston (102 por 10 mil) e Cidade de Nova York (101 por 10 mil).
As cidades com maior número de moradores de rua são Los Angeles, Santa Rosa, São Francisco, San Jose (todas na Califórnia) e Seattle (no estado de Washington). Entre as cidades com maior número de “sem teto” em abrigos estão a Cidade de Nova York, Washington D.C. e Boston.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 17 de dezembro de 2019.
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