Nós, Professores de Direito Penal e de Direito Processual Penal, vimos à público manifestar nossa crítica veemente ao Projeto de Lei 21.130 de 2015, publicado no Diário Oficial da Bahia em 23 de março de 2015.
Trata-se de projeto com o objetivo de divulgar, na rede mundial de computadores – internet, o nome, a fotografia, assim como os demais dados processuais de pessoas que tenham contra si condenação criminal, com trânsito em julgado, em razão da prática de crime de violência contra a mulher, ou que atente contra a dignidade sexual de pessoa do gênero feminino.
Acreditamos que a proposta se encontra repleta de inconstitucionalidades e distorções, senão vejamos.
- Incompetência estadual para legislar sobre Direito Penal. O citado projeto de lei pretende inserir na lista de efeitos da condenação (artigo 91 do Código Penal) mais uma consequência desta: a divulgação, na internet, do nome, e demais dados, dos condenados por crimes de violência contra a mulher. Ocorre que, a pretensa inscrição exige previsão em lei federal, promulgada pelo Congresso Nacional, pois sendo a matéria de Direito Penal quem tem legitimidade para legislar é a União Federal, nos termos do artigo 22, inciso I da Constituição Federal.
- Afronta às finalidades do Direito Penal. O Direito Penal evita a vingança privada, além de ter, entre seus objetivos, a reinserção de cidadãos melhores na sociedade, após a submissão destes ao sistema carcerário, logo a intervenção estatal deve propiciar ao condenado instrumentos que possibilitem que o mesmo retorne do cárcere e escolha o caminho não desviante, devendo o Estado empenhar-se nesta tarefa de ressocializar o indivíduo, que livre deve manter-se na legalidade e não o rotular como criminoso, cadastrando-o em listas com finalidade meramente retributiva.
- A pretensa e nefasta divisão social. A sociedade é uma só, não podendo se separar os bons dos maus, inscrevendo estes últimos em catálogos sem objetivos ressocializadores. A separação etiológica, fruto do positivismo do século XIX, há muito foi decantada, vez que o crime não é uma realidade em si, mas um fenômeno complexo que deve ser enfrentado globalmente, não sendo legitimo a segregação daqueles que desviaram, não podendo o próprio Estado propor medidas como a ora em análise.
- As medidas penais estigmatizantes. A proposta em comento só reforça a ideia de castigo e vingança, vez que o sistema implica em um verdadeiro processo de estigmatização e agonia pelo qual passa o sancionado. É preciso mais do que grades, cadeados e listas para evitar que infrações voltem a ocorrer, a sanção por ela mesma não evita crime, violando, inclusive, a própria Lei de Execução Penal, que data de 1984, registre-se.
- A generalização da inscrição. Segundo o projeto qualquer pessoa que cometa um crime contra mulher teria seu nome lançado no tal cadastro, independe do delito e das motivações. Assim não se faz necessário que a conduta se enquadre na Lei Maria da Penha, por exemplo, para que a inscrição se efetive, pendendo de objetividade, portanto.
- O caráter perpétuo da inscrição. Outro ponto infausto do projeto é a ausência de fixação de prazo para que o registro permaneça no suposto cadastro. Como se sabe, a Constituição Federal proíbe a pena de caráter perpétuo, nos termos do artigo 5º, inciso XLVII, alínea b, logo outra violação frontal à Carta Magna. Anote-se, ainda, que, importando a doutrina alemã sobre o direito ao esquecimento, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de não ser possível a perseguição do indivíduo por tempo indeterminado, em razão da prática de atos ou fatos pretérito, razão pela qual a proposta da deputada não pode, também por este motivo, prosperar.
Ressaltamos que nos preocupa igualmente a possibilidade de propositura de emenda ao Projeto com o objetivo de divulgar nome e foto da pessoa antes da decisão definitiva do trânsito em julgado do processo. Caso isto se concretize, vislumbramos afronta direta ao princípio da presunção de inocência, que também tem previsão constitucional expressa.
Diante do exposto, entendemos que o projeto de lei fere a
Constituição Federal, seja pela ausência de atribuição da Assembleia Legislativa, seja pela antidemocrática amplitude de possibilidades de incidência, seja pela abjeta estigmatização que trará e, principalmente, pelo distanciamento das finalidades do Direto Penal moderno, causando, portanto, a preocupação que ora se perfectibiliza em forma de manifesto.
Inicialmente assinado por:
Juarez Tavares – Professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, professor visitante na Universidade de Frankfurt am Main, na Universidade de Buenos Aires e na Universidade Pablo de Olavide (Sevilha), professor honorário da Universidade de San Martin (Lima – Peru).
Alexandre Morais da Rosa – Juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
Rômulo de Andrade Moreira - Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Elmir Duclerc – Promotor de Justiça em Salvador, Professor Adjunto de processo penal da UFBA. Doutorado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (2010). Mestrado em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes (2002).
Lucas Carapiá – Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, pós-graduado em Ciëncias Criminais, Professor de Direito Processual Penal do Centro Universitário Jorge Amado e membro do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).
Vinicius Assunção – Advogado Criminalista, Mestre em Direito Público e Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduado em Direito do Estado pelo Jusdivm. Professor de Processo Penal.
Antônio Vieira – Professor de Direito Processual Penal da Universidade Católica do Salvador, advogado, membro fundador e diretor do Instituto Baiano de Direito Processual Penal, Professor convidado dos Cursos de Especialização em Ciências Criminais da UCSAL e do CEJAS.
Ilana Martins – Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito Público pela Universidade federal da bahia, especialista em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal e Econômico europeu, especialista em direito penal econômico pela Universidade Castilla-la Mancha, Professora adjunta da universidade Salvador, advogada criminalista.
Fabiano Pimentel – Advogado Criminalista. Mestre em Direito Público pela UFBA (2011). Doutorando em Direito Público pela UFBA (2013). Professor de Direito Processual Penal da Universidade do Estado da Bahia. Membro do Instituto Baiano de Direito Processual Penal. Membro da Association Internationale de Droit Pénal e da Association Française de Droit Pénal
Thaize de Carvalho – Mestre em Direito Público pela Ufba; pós graduada em ciências criminais pelo Instituto Excelência – Juspodivm; professora auxiliar da Universidade do Estado da Bahia de Direito Penal, Direito Processual Penal e Prática Penal e da Universidade Católica de Salvador, membro efetivo do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP) e advogada.
Thiago Vieira – Advogado, professor e membro do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).
Mariana de Cerqueira Sant’Anna – é Graduada em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS), Especialista em Direito do Estado pelo Instituto Excelência- JUSPODIVM, Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Servidora Pública do Ministério Público do Estado da Bahia e membro efetivo do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).
Luiz Gabriel Batista Neves – Advogado Criminalista. Mestrando em Direito pela Universidade Federal (UFBA). Especialista em Ciências Criminais pelo Juspodivm. Especialista em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal e Econômico Europeu. Professor de Processo Penal da Universidade Estacio de Sá. Professor de Prática Penal da Escola Superior da Advocacia (ESA). Associado do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP). Presidente do Conselho Consultivo dos Jovens Advogados da OAB-BA.
Daniela Portugal – Advogada criminalista. Doutoranda em Direito Penal pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Professora de Direito Penal da UFBA; da Escola de Magistrados da Bahia (EMAB); da Faculdade Baiana de Direito e da Universidade Salvador (UNIFACS). Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão do Instituto Baiano de Direito Processual Penal.
Brenno Cavalcanti – Advogado, Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, especialista em ciências criminais pelo JusPodivm, graduado em Direito pela UFBA.
Luiz Augusto Coutinho – Doutorando em Direito, professor da UCSAL, Diretor Geral da ESA e vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB.
Carlos Frederico Manica Rizzi Cattani – Advogado, mestre em Ciências Criminais (PUCRS); professor de Processo Penal Ruy Barbosa, Estácio e Unifacs.
Renato Sigisfried Sigismund Schindler Filho – Advogado criminal; graduado na Universidade Salgado de Oliveira; pos-graduado em ciências criminais pela faculdade baiana de direito em convenio com o jus podivm; pós-graduado em direito e magistratura pela Universidade Federal da Bahia em convenio com a escola de magistrados da Bahia; professor de direito penal e processual penal do curso preparatório para concurso CPE.
Aline Gostinski – Mestranda em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Direito Constitucional.
JusBrasil. 27.03.2015.