Um tribunal de recursos de Nova York anulou o julgamento de um membro de uma gangue, envolvido em tiroteios contra a gangue rival, por disputa de território, porque uma jurada se sentiu atraída por uma testemunha da acusação. E iniciou um relacionamento com a testemunha, ainda antes da fase de deliberação do júri.
Personagens do enredo de atração fatal para o julgamento: o réu Tysheem McGregor, que foi sentenciado a 15 anos de prisão após ser condenado; a testemunha Xavier Classen, membro de gangue, já preso, que estava colaborando com a Promotoria – não para acusar o réu, mas para explicar a guerra entre as gangues; e a “Jurada no 06”, assim identificada nos autos, a loira com um coque no cabelo no corpo de jurados, como ela se descreveu para a testemunha em sua primeira carta.
A testemunha se lembrou imediatamente dela, o amor foi correspondido e a história veio à tona, porque, de certa forma, eles se “entregaram”: Xavier Classen enviou uma carta ao juiz, pedindo orientações para a realização de um casamento no presídio. A “Jurada no 06” informou a promotora sobre o romance e Classen confirmou. A promotora notificou imediatamente o advogado de defesa de McGregor.
Primeiramente, a defesa levou o “problema” ao juiz do fórum criminal Robert Stolz, que presidiu o tribunal do júri. Perguntada em uma audiência se ela entendia que o testemunho de Classen foi antagônico ao réu, a “Jurada no 06” respondeu: “De certa maneira. Eu apenas não vi isso porque todo o testemunho foi um tanto irrelevante no julgamento de Tysheem”.
A jurada explicou ao juiz o que aconteceu: “Quando eu vi e escutei Xavier, minha mente viajou”. Ela se sentiu imediatamente atraída fisicamente por ele. Sabia que não era permitido contatar ninguém envolvido no julgamento. “Mas eu não estava pensando nada disso naqueles momentos. Estava sendo apenas um ser humano que comete erros”, ela disse.
Finalmente, o juiz se recusou a anular o julgamento, porque, para ele, o romance entre a jurada e a testemunha não afetou o veredicto, em vista da grande quantidade de provas contra McGregor. A defesa recorreu, então, ao tribunal de recursos, segundo o Washington Post, o New York Law Journal e o New York Daily News.
“A jurada admitiu que se sentiu atraída pela testemunha, uma testemunha que estava cooperando com a promotoria, e buscou desenvolver um relacionamento com ele enquanto as deliberações do júri ainda estava em andamento – mesmo sabendo que isso não era permitido”, escreveu a juíza Dianne Renwick, na decisão unânime do colegiado de quatro juízes do tribunal de recursos.
“Apesar de a jurada negar que seus sentimentos pela testemunha tenham afetado seu pensamento sobre o réu, ela iria, mais provavelmente, dar crédito à testemunha e poderia, subconscientemente, tentar ajudar o lado com o qual a testemunha estava alinhado”, a juíza acrescentou no voto.
Com essa decisão, o tribunal de recursos anulou a condenação em primeiro grau e ordenou novo julgamento. O colegiado citou na decisão um precedente, também relacionado à má conduta de jurados. No julgamento de um médico, acusado de matar a mulher, uma jurada enviou centenas de mensagens a terceiros, contando o que estava acontecendo no julgamento.
Apesar de o tribunal de recursos não determinar, nesse caso, que as mensagens de texto da jurada eram tendenciosas, a má conduta, por si só, foi suficiente para anular a condenação do médico por homicídio. “Nada é mais básico ao processo criminal do que o direito do réu a um julgamento por um júri imparcial”, diz o precedente.
O romance se iniciou durante a fase de deliberações do júri e se desenvolveu rapidamente para providências matrimoniais antes de o juiz proferir a sentença condenatória. Isso incluiu trocas de 50 cartas, telefonemas entre os dois, assim que a “Jurada no 06” conseguiu entender o funcionamento do sistema, e visitas à prisão.
A jurada “entregou” à promotora seu romance com a testemunha não porque pensava que deveria revelar seu erro. Antes de tudo, ela escreveu uma carta à promotora, pedindo que defendesse uma redução de sentença para Classen, em seu próprio caso criminal, como recompensa por ele ter colaborado com a Promotoria no julgamento de McGregor. Classen foi sentenciado a cinco anos de prisão por seu papel em um assalto cometido pela gangue.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 26 de novembro de 2019.
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