quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Proibir investigado de participar de concurso viola presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência impede a proibição de investigados que ainda não foram condenados de participar de concursos públicos. O entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento nesta quarta-feira (5/2). 
Barroso teve voto condutor sobre impossibilidade de restringir investigados de participar de concursos públicos
Carlos Humberto/STF
Oito ministros acompanharam o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, no sentido que o mero fato de responder a processo criminal não pode restringir o candidato a participar do certame. O ministro Marco Aurélio se declarou impedido. 
Barroso entende que os editais devem proibir apenas os condenados por decisão em 2º grau de participar de concursos. Ele ressalva que uma lei pode definir outras questões e, em casos extremos, adotar outros tipos de restrição. 
"A restrição à participação do candidato se baseou na mera existência de inquérito ou processo penal, sem que o agente sequer tenha sido condenado em 1ª instância, apenas porque, caprichosamente, o processo estava em curso no período da matrícula. Esse tipo de fator arbitrário não pode ser decisivo", disse Barroso em seu voto.
O único a divergir do tema foi o ministro Alexandre de Moraes, que apresentou o voto-vista nesta quarta. De acordo com o ministro, o ponto central da discussão é que se trata de concurso interno da Polícia Militar, do qual o candidato concorria a uma promoção de cargo.
Moraes buscou o que diz o Estatuto da Polícia Militar e entendeu que há previsão legal de que, “enquanto pender um processo com crime doloso contra o soldado, ele não pode se inscrever para o curso de cabo”. A previsão, segundo o ministro, “é legal e razoável, dentro da hierarquia e disciplina regimental da Polícia Militar”.
A explicação para o tema, segundo o ministro Luiz Fux, é embrionária da ciência do Direito do Processo: "enquanto pende o processo, não se sabe quem tem razão". "O processo é meio 'hitchcockiano', só se sabe ao final quem tem razão."
De acordo com Fux, seria arbitrário institucionalmente "impedir que uma pessoa, que esteja respondendo um inquérito ou uma ação penal em andamento, seja interditada a uma esperança de concorrer ao cargo público".
Ao votar, a ministra Cármen Lúcia também concordou com Barroso e afirmou que o tema "está no fluxo de se impedir que haja óbice sem fundamento constitucional posto no edital e que, portanto, permite que alguém possa ter acesso ao concurso público".
Tese
O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, sugeriu fixar tese em outro momento. Houve divergência entre os ministros sobre a extensão do tema, se abarcaria lei ou apenas edital. Diante disso, Barroso se propôs a formular um texto e trazer ao Plenário nesta quinta (6/2). 

Caso concreto
A decisão questionada no Supremo tratava da exclusão de um candidato de um curso de formação da Polícia Militar do Distrito Federal. Conforme a decisão, a exclusão só seria possível depois do trânsito em julgado. 

No recurso, o governo do Distrito Federal sustentou que os policiais investigados por cometer crimes não podem ser promovidos, e que a esfera penal não se confunde com a administrativa. 
Construção da jurisprudência
Segundo Cecilia Mello, criminalista do Cecilia Mello Advogados e que foi desembargadora federal por 14 anos no TRF-3, a evolução jurisprudencial da Suprema Corte foi no sentido de que mesmo a execução provisória da pena, na pendência de  recursos a instâncias superiores, não compromete a presunção de inocência. Mais recentemente, o STF postulou que a execução da pena pressupõe o trânsito em julgado da decisão condenatória.

"Mas a compatibilização entre  a moralidade administrativa, a supremacia do interesse público e o  princípio da presunção de inocência implica em reconhecer as peculiaridades do caso, cabendo ao legislador dispor de forma mais restritiva, aquém do trânsito em julgado de decisão condenatória, para limitar o acesso e a progressão em carreiras policiais, mas não a mera existência de investigação ou processo", afirma Mello.
RE 560.900
Revista Consultor Jurídico, 5 de fevereiro de 2020.

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