sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Crime de desobediência: ato atentatório à dignidade da Justiça e tipicidade

A Primeira Turma iniciou julgamento de habeas corpus deduzido em favor de condenado à pena de 1 mês e 10 dias de detenção, em regime semiaberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, pela prática do crime de desobediência [Código Penal (CP), art. 330 (1)].

Na espécie, a denúncia narra que o paciente não atendeu a ordem dada pelo oficial de justiça por ocasião do cumprimento de mandado de entrega de veículo, expedido no juízo cível. Recusou-se, na qualidade de depositário do bem, a entregar o veículo ou a indicar sua localização.

A impetração aponta, como autoridade coatora, relator do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu monocraticamente pedido de liminar lá formulado em writ de mesma natureza. Requer, no campo precário e efêmero, a absolvição do paciente, haja vista a atipicidade da conduta, e, sucessivamente, a substituição da sanção privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a imposição de regime aberto. No mérito, busca a confirmação da providência.

O ministro Marco Aurélio (relator) deferiu a ordem para, considerada a atipicidade da conduta, tornar insubsistente o título condenatório.

Preliminarmente, quanto à adequação do habeas corpus, afirmou que, sem fato, não há julgamento. Noutro ponto, compreendeu que a circunstância de a condenação desafiar revisão criminal não obstaculiza a impetração. Tampouco há de se falar em supressão de instância. Ato contínuo, reportou-se ao que consignado no deferimento da medida acauteladora.

Asseverou que o delito previsto no art. 330 do CP constitui tipo penal subsidiário, cuja caracterização típica pressupõe, além do descumprimento de ordem emitida por funcionário público, que o ato de desobediência não se mostre suscetível de, considerada previsão legal, sofrer sanção administrativa, civil ou penal.

Esclareceu que o comportamento imputado ao paciente consubstancia ato atentatório à dignidade da Justiça, sujeitando-se à imposição de multa de até 20% do valor do débito executado, a teor dos arts. 14, V e parágrafo único; 600, III, e 601 do Código de Processo de Civil de 1973 (CPC/1973) (2), correspondentes aos arts. 77, §§ 1º e 2º; e 774, IV, do CPC de 2015 (CPC/2015) (3).

Dessa forma, a existência de sanção específica na legislação de regência, ausente qualquer ressalva expressa acerca da possibilidade de aplicação cumulativa do crime versado no art. 330 do CP, torna a conduta desprovida de tipicidade penal e inviabiliza a condenação pelo delito de desobediência.

Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos.

(1) CP: “Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”
(2) CPC/1973: “Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (...) V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. (...) Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que: (...) III – resiste injustificadamente às ordens judiciais; (...) Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução. Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios.”
(3) CPC/2015: “Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (...) IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; (...) § 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. (...) Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que: (...) IV – resiste injustificadamente às ordens judiciais;”

HC 169417/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11.2.2020. (HC-169417)

Informativo STF. Brasília, 10 a 14 de fevereiro de 2020 - Nº 966.

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