Por entender que houve cerceamento de defesa, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou sentença que julgou o mérito antecipadamente com base em provas emprestadas, sem a produção de provas que havia sido deferida na decisão saneadora.
A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo considerou ainda que as provas foram emprestadas de uma ação criminal, que não faz coisa julgada na esfera cível quando a absolvição se funda na insuficiência de provas.
Na ação, uma jovem afirma que foi abusada sexualmente por outros dois alunos dentro da escola, durante horário de atividade escolar. Por isso, ela e sua família pedem que a escola seja condenada a pagar indenização por danos morais, além de custear o tratamento psicológico.
Na fase saneadora foi deferida a produção de provas pedida pelos autores da ação. Porém, a sentença de mérito foi proferida antecipadamente com base em prova emprestada do processo criminal que absolveu, por falta de provas, um dos alunos acusados de ter praticado o abuso. O segundo, foragido, não foi julgado.
Inconformada com a sentença surpresa, a defesa da aluna recorreu ao TJ-SP pedindo a nulidade da sentença, para que sejam produzidas as provas. A defesa foi feita pelos advogados Ricardo Nacle e Renato Montans.
Seguindo o voto da desembargadora Angela Lopes, a 9ª Câmara de Direito Privado, por maioria, decidiu anular a sentença por entender que houve cerceamento de defesa, garantindo o direito à produção das provas.
A desembargadora afirmou que a apuração de responsabilidade civil possui regras próprias quanto à distribuição dinâmica do ônus da prova, diversas daquelas aplicadas na apuração de responsabilidade penal e por ato infracional.
Além disso, afirmou que a responsabilidade civil de instituição de ensino quanto a eventuais omissões nos seus deveres de vigilância e cuidado que não pode ser confundida com a responsabilidade, no campo dos atos infracionais, de seus alunos.
O caso do processo, complementou a desembargadora, trata da responsabilidade da escola pela omissão de seu dever de zelar pela integridade física de uma aluna, que tinha 13 anos na época do episódio narrado.
"Como não se pode deixar notar, a controvérsia nestes autos não se cinge apenas à constatação de ocorrência de relações sexuais consentidas ou não (atos infracionais) entre os adolescentes, mas ao fato de que essas se deram no recinto de um estabelecimento de ensino (sala de aula) e no horário de atividades escolares", afirmou.
A desembargadora destacou ainda que não faz coisa julgada na esfera cível a absolvição por insuficiência de prova da prática do ilícito penal. "Apesar da possibilidade (e eventual utilidade) do uso de prova emprestada oriunda de processo em que terceiros figuram como partes, que o decreto absolutório na esfera do ato infracional não reconheceu categoricamente a inexistência material do fato, obstando que o julgamento de improcedência da representação seja tomado para afastar a investigação do fato tido como ilícito na esfera cível", concluiu.
O advogado Ricardo Nacle, um dos responsáveis pela ação, elogiou a decisão: "O julgamento antecipado, em um caso tão complexo como o ora apresentado, encerrou decisão surpresa e comportamento contraditório, na medida em que, com base em um único elemento de prova, concluiu pela não ocorrência dos fatos descritos na inicial. Andou muito bem o tribunal ao anular a sentença".
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Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 10 de março de 2020.
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