Contrariando entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concluiu que não configura estupro de vulnerável o relacionamento amoroso consentido entre adulto e menor de 14 anos.
Segundo a 6ª Câmara do Tribunal de Justiça, a relação foi aprovada pela família da menor e não há nenhum indício sobre qualquer tipo de violência, grave ameaça ou dolo em forçar a prática dos atos sexuais.
O entendimento foi aplicado pelo colegiado ao
confirmar sentença que absolveu um homem de 23 anos denunciado por estupro após manter relações com uma menina de 13 anos.
A decisão contraria entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça,
inclusive em súmula, de que sexo ou ato libidinoso com menor de 14 anos é estupro de vulnerável, independentemente de ter havido consentimento ou existência de relacionamento amoroso.
O homem foi denunciado por manter conjunção carnal com menor de 14 anos de forma continuada (artigo 217-A, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal), com a incidência da Lei 8.072/90, que tipifica os crimes hediondos.
A Vara Judicial de Espumoso julgou a ação improcedente, por concluir que o fato denunciado não constitui infração à lei penal, como autoriza o artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP). Assim, por mais que o fato narrado na inicial fosse moralmente reprovável, a condenação do réu seria descabida ante as particularidades do caso concreto. Ou seja, como não houve constrangimento, e sim consentimento, o fato é penalmente atípico.
O juiz Daniel da Silva Luz observou que, apesar de o “constrangimento da vítima” não ser mais elemento essencial à caracterização da conduta típica de estupro, as circunstâncias do caso impedem uma análise apenas da legislação penal. Na sua percepção, os autos mostram que réu e vítima mantinham um relacionamento amoroso na época da denúncia, relação que era do conhecimento da família. Logo, ficou claro que a vítima consentiu com as relações sexuais, tanto que, hoje, mora com o réu na casa dos pais dela. Em síntese, ambos já vivem como marido e mulher.
Inconformado com a sentença, o Ministério Público apelou ao TJ-RS, pedindo a condenação do acusado nos moldes da denúncia. Sustentou que no delito de estupro, sendo a vítima menor de 14 anos, há presunção absoluta da violência praticada. Assim, mesmo havendo o consentimento da vítima, está caracterizado o crime, como vem decidindo os tribunais superiores.
A relatora da apelação-crime no TJ-RS, desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, manteve a sentença, destacando a existência de ‘‘sentimentos sinceros de carinho e de zelo’’ entre réu e vítima deste processo. Além disso, observou, as provas sinalizam que a vítima tinha plena capacidade de entendimento da relação sexual, o que afasta a sua vulnerabilidade.
Para a relatora, não se está diante de um caso de abuso, mas de precocidade sexual. Por esta perspectiva, seria hipocrisia condenar o réu num cenário em que a mídia — novelas, filmes, seriados e outros programas de televisão — estimulam, cada vez mais cedo, a sexualidade das meninas.
‘‘Nesse passo, nos casos em que há um relacionamento amoroso e consentimento da menor nas práticas sexuais, resta relativizada a presunção de violência, em razão da idade da ofendida’’, definiu a relatora, mantendo a sentença.
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Apelação-crime 70082908633
Jomar Martins é correspondente da revista
Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 16 de março de 2020.