terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Supermax, RDD, RDMAX


No afã de satisfazer a opinião pública e dar uma resposta à violência urbana, instituiu-se, entre nós, como forma de sanção disciplinar e tratamento diferenciado, o chamado Regime Disciplinar Diferenciado - RDD. Nessa linha também se encontram outros “regimes diferenciados”, o que será objeto de alguns comentários a seguir.

O Regime Disciplinar Diferenciado tem como base os presídios de isolamento total, nos EUA, conhecidos como Supermax (Super Maximum Security), onde 1% (mais de 20 mil detentos) “o que pode haver de pior e mais perigoso no sistema prisional” se encontra.

Os presos na Supermax não estão sujeitos a um prazo máximo de internação, tanto que para mais de dois terços deles (75%) será uma casa para o resto da vida.

Os presos na Supermax ficam numa cela individual de 3 metros por 3, com uma cama e um banco de cimento, um chuveiro e uma privada de inox, uma televisão branca e preto que pega os canais locais e programas de terapia controlados pela administração do presídio. Ao lado das grades há um espaço vazio, de mais ou menos 1 metro, onde os guardas entram, depois de abrir a porta de aço entre a cela e este espaço. Este espaço serve para os guardas entregarem a escova de dentes, café da manha, almoço e jantar, e quando vêm buscar o preso para levá-los ao banho de sol. Nas celas eles podem ler um dos livros que lhes é permitido e escrever usando lápis e papel. As cartas podem ser enviadas, mas são analisadas previamente pelos agentes penitenciários (SOTERO, p. 8).

Eles vão algemados e escoltados das suas celas até o pátio, onde, após chegarem, as algemas lhe são tiradas, o que lhe são recolocadas no caminho de volta a cela. A saída da cela é apenas uma vez por dia, por uma hora, onde são levados a um pequeno pátio e que se vê um pedaço do céu através de teto de arames farpados, ali os presos se encontram e podem conversar. Neste período o detento pode fazer telefonemas, previamente autorizados e limitados pelos carcereiros (SOTERO, p. 8).

O mau comportamento é punido com a retirada forçada do preso da cela e sua imobilização por um período de horas numa espécie de cama de cimento. Estes episódios ocorrem quando um preso recusa a ordem de parar de gritar em sua cela, em casos extremos, quando usa a única arma a seu dispor e lança urina e fezes contra os guardas (SOTERO, p. 8).

No Brasil, baseando-se no modelo americano da Supermax, o Regime Disciplinar Diferenciado destina-se a abrigar presos provisórios ou condenados, quando: a) o preso praticar fato previsto como crime doloso que constitua falta disciplinar de natureza grave, e que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas do estabelecimento penitenciário; b) quando o preso apresentar alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento prisional ou da sociedade; c) quando recaírem fundadas suspeitas de envolvimento ou participação do preso, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52 caput, §§ 1.º e 2.º da Lei n.º 7.210/84).

São aplicadas ao preso submetido ao regime disciplinar diferenciado, essas medidas: isolamento com duração máxima de 360 (trezentos e sessenta) dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de 1/6 (um sexto) da pena aplicada; recolhimento em cela individual; visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de 2 (duas) horas e a concessão ao preso do direito à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, determinadas a critério do diretor do estabelecimento.

Recentemente entrou em vigor o Regulamento Penitenciário Federal - Decreto 6.049 de 27 de fevereiro de 2007, visando regulamentar o sistema penitenciário federal. O regulamente tem a finalidade de promover a execução administrativa das medidas restritivas de liberdade dos presos, provisórios ou condenados, cuja inclusão se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso (art. 3.º).

Conforme o regulamento, os estabelecimentos penais federais também abrigarão presos, provisórios ou condenados, sujeitos ao Regime Disciplinar Diferenciado (art. 4.º).

Estão sujeitos ao Regime Disciplinar Diferenciado o preso que praticar fato previsto como crime doloso e que ocasione subversão da ordem ou da disciplina internas (art. 48).

O preso (provisório ou condenado) pode ser submetido ao RDD por um período máximo de 360 dias. O preso terá banho de sol de duas horas diárias. É obrigatório o uso de algemas nas movimentações internas e externas, dispensadas apenas nas áreas de visita, banho de sol, atendimento assistencial e, quando houver, nas áreas de trabalho e estudo. O preso será sujeito aos procedimentos de revista pessoal, de sua cela e seus pertences, sempre que for necessária a movimentação interna e externa, sem prejuízo das inspeções periódicas. Terá direito a visita semanal de duas pessoal, sem contar as crianças, com duração de duas horas (art. 58, inc. I-V). Será assegurado atendimento psiquiátrico e psicológico (art. 24). Terão direito ao ensino, por intermédio de programa especifico de ensino voltado para presos neste regime (art. 25, § 3.º). Será obrigatório a implantação de rotinas de trabalho aos presos neste regime, desde que não comprometa a ordem e a disciplina no estabelecimento e terão caráter remuneratório e laborterápico, sendo desenvolvido na própria cela ou em local adequado, desde que não haja contato com outros presos ( art. 98, § 1.º § 2.º). A visita intima deve ser posteriormente regulamentada pelo Ministério da Justiça (art. 95).

Nestes mesmos moldes está sendo debatido o projeto de Lei 7223/06, no Senado, que institui o Regime Disciplinar Diferenciado de Segurança Máxima (RDMAX). Fica sujeito a este regime o preso provisório ou condenado sobre o qual recaírem fundados indícios de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, bem como os que tiverem praticado crime hediondo. A duração máxima do novo regime será de 720 dias prorrogáveis. O preso ficará confinado em cela individual, tendo direito de até duas horas diárias de banho de sol, sem direito a conversar com outros presos e também com os agentes penitenciários. Também serão controladas, por meio de gravação e filmagem, as visitas mensais dos familiares. Nesses encontros, o preso e o seu parente ficarão separados por um vidro e se comunicarão por interfone. Os contatos com advogados só poderão ser mensais, salvo com autorização judicial, e deverão ser informados à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). É proibida a entrega de alimentos, refrigerantes e bebidas em geral por parte dos visitantes. Outra medida prevista é a proibição do uso de aparelhos telefônicos, de som, de televisão e rádio. A proposta determina que o preso em regime de segurança máxima poderá ficar em estado distante do local de influência da organização criminosa da qual participava. A inclusão do preso no regime de segurança máxima deverá ser requerida pelo diretor do presídio ou por outra autoridade administrativa. Ela só poderá ser determinada por prévio e fundamentado despacho judicial. Antes dessa decisão, o juiz deverá ouvir o Ministério Público e os advogados dos presos. O texto estabelece ainda que o regime de segurança máxima, assim como ocorre hoje no RDD, será uma exceção ao dispositivo que determina que a suspensão e a restrição de direitos não poderão vigorar por mais de 30 dias. A proposta permite que sejam construídos presídios exclusivamente para os presos (provisórios ou condenados) submetidos ao RDD. Também está prevista a criação de uma divisão de inteligência penitenciária para coletar e fornecer ao Ministério Público relatórios sobre os presos e sobre eventuais suspeitas de improbidade de agentes penitenciários.

Cotejando-se, portanto, a Constituição Federal de 1988, voltada aos direitos humanos, as garantias e liberdades individuais, boa parte dos juristas tem propugnado pela inconstitucionalidade destes regimes diferenciados, pois no Brasil não poderão ser instituídas penas cruéis (art. 5.º, XLVII, “e”, CF/88), assegurando-se aos presos (sem qualquer distinção) o respeito à integridade física e moral (art. 5.º, XLIX CF/88) e garantindo, ainda, que ninguém seja submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5.º, III, CF/88). Entende também que o RDD afronta o princípio da individualização da pena (art. 5.º, XLVI CF), da legalidade (art. 5.º, XXXIX, CF/88), além de vários outros dispositivos infraconstitucionais e tratados, convenções e regras internacionais.

Nessa linha de pensamento encontra-se recente decisão proferida pela 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, da qual foi Relator o Desembargador Borges Pereira voto n.º 5714 - HC n.º 978.305.3/0-00 - no sentido de que:

O chamado RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), é uma aberração jurídica que demonstra à saciedade como o legislador ordinário, no afã de tentar equacionar o problema do crime organizado, deixou de contemplar os mais simples princípios constitucionais em vigor... Assim é que sob o pretexto de combater o crime organizado instituiu-se método de aniquilamento de personalidades...

E arremata:

...Não é aceitável pois, a conivência de magistrados, fiscais da lei, advogados, enfim, operadores do direito com tamanha barbárie... O RDD é um desrespeito à Constituição, à lei, aos cidadãos deste país, enfim, à nossa inteligência.

Numa perspectiva criminológica é de se notar, nas últimas décadas, por um lado, o fenômeno de expansão do direito penal como forma de resposta ao aumento da criminalidade, trazendo como conseqüência a criação de novos tipos penais, o recrudescimento das penas e regimes de cumprimento de pena que, por outro lado, abdica de eventuais pudores humanitários, pouco preocupado com a preservação dos direitos e garantias fundamentais do homem, assumindo explicitamente a crueldade das instituições totais.

Como afirmam Fábio Félix Ferreira e Salvador Cutiño Raya (p. 288), “está em curso no Brasil uma Política Criminal e Penitenciária autoritária, conservadora, utilitarista, midiática e simbólica”, acreditando-se “que uma centena de presos em RDD vai suspender ou minimizar as causas e motivações que geram a violência e a criminalidade”, tudo a demonstrar o “afastamento por completo do Estado Democrático, Social e de Direito prometido pelo legislador constituinte de 1988, bem assim da legislação internacional de tutela e promoção dos direitos fundamentais que o Brasil recepcionou.”

A prolongada inclusão no confinamento solitário pode provocar ou agravar o ódio, a loucura, a desesperança e o efeito dissocializador, é o que afirma um ex-detento (SOTERO, p. 8):

...o isolamento é a pior punição, psicologicamente ele desumaniza, é uma forma de tortura, que vai aos poucos acabando com a capacidade de sentir, de cheirar, de tocar e mesmo de ver e ouvir. Passei por vários momentos em que achei que ia perder a sanidade, o ódio que você sente pelos guardas o consome. Não tenho dúvidas de que uma pessoa que sofra de algum tipo de doença mental enlouqueça...

Leciona Jose Luis de la Cuesta (p. 4):

O direito penal, por intervir de uma maneira legítima, deve respeitar o princípio de humanidade. Esse princípio exige, evidentemente, que se evitem as penas cruéis, desumanas e degradantes (dentre as quais podese contar a pena de morte), mas não se satisfaz somente com isso. Obriga, igualmente, na intervenção penal, a conceber penas que, respeitando a pessoa humana, sempre capaz de se modificar, atendam e promovam a sua ressocialização: oferecendo (jamais impondo) ao condenado meios de reeducação e de reinserção.

Como bem assevera um dos maiores Juristas e Criminólogos deste século, Juarez Cirino dos Santos (p. 704), a reforma penal deve ater-se às propostas de humanização do sistema penal, que têm por objeto programas radicais de descarcerização e de garantia dos direitos legais e constitucionais do condenado.

Por derradeiro, o poder judiciário não pode tolerar esta política expansionista, deve sim, seguir os passos constitucionais, pois a pessoa humana é o valor-fonte de todos os valores individuais e coletivos. Cumpre ao Poder Judiciário desfazer qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade que possa resultar em inversão ou supressão dos direitos e garantias dos acusados e condenados.


FONTE: PRUDENTE, Neemias Moretti. Supermax, RDD, RDMAX. O Estado do Paraná, Curitiba, 16 dez. 2007. Direito e Justiça, p. 5.


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