sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Tentativa de dar uma "bicotinha" no rosto de uma moça vira processo judicial com dois anos e oito meses de duração

O insólito episódio de um cidadão acusado de "tentar dar uma bicotinha no rosto da suposta vítima" virou processo judicial por atentado contra o pudor da suposta lesada.

O caso raro está registrado no saite do TJ do Distrito Federal e Territórios, ao publicar - para intimação das partes - a sentença proferida na última segunda-feira (03) pelo juiz Fábio Martins de Lima, da 1ª Vara de Entorpecentes e Contavenções Penais de Brasília (DF).

Conta a acusação - definida como "pitoresca" pelo juiz da causa - que no dia 20 de fevereiro de 2006, "no interior de um veículo do transporte alternativo a moçoila foi surpreendida pelo inopinado beijoqueiro que, de supetão, não tendo resistido aos encantos da donzela, direcionou-lhe a beiçola, tendo como objetivo certo a face alva da passageira que se encontrava a seu lado".

Relata a sentença que "a ´vítima, é uma moçona forte, que teria reagido e rechaçado a inesperada demonstração de intimidade não existente". Posteriormente, ao ser inquirida em Juízo, ela afirmou que "deu um tapa no rosto do sujeito e depois o esmurrou por diversas vezes". Além disso, quando estava na delegacia teria cravado as unhas no pescoço do rapaz e sacudido para impedir-lhe a fuga.

O julgador resume o ocorrido durante a audiência do processo penal: "enquanto a suposta vítima relatava o ocorrido e gesticulava, mostrando como havia esgoelado o beijocador, todos os presentes acompanharam entre estupefatos e incrédulos o minucioso relato ilustrado com um toque de sadismo; ouvindo tais pormenores todos se puseram a pensar em quem teria sido a verdadeira vítima no episódio".

Ao final dos depoimentos o magistrado não resistiu e, informalmente, perguntou para a vítima se o réu era bonito: “Doutor, se ele fosse um Reinaldo Gianecchini a reação teria sido outra" - foi a resposta.

No final da instrução, o Ministério Público pediu a absolvição do acusado.

Ao sentenciar, o juiz Fábio Martins de Lima Tecidas reconhece o que deveria ter sido admitido desde o início: "o acusado não praticou crime e por isso o tenho por absolvido". O magistrado faz votos de que "não surja um ´iluminado´ com a ´estupenda´ idéia de, através de recurso, prorrogar a presente discussão e sangria de recursos públicos financeiros e humanos".

Ao ponderar que "gastos inúteis não se justificam em parte alguma", o juiz reconhece que "é quase impossível aferir com exatidão as dezenas de profissionais chamados a intervir no presente processo durante a tramitação processual: policiais civis e militares e outros servidores públicos, tais como analistas e técnicos judiciários, escrivães, oficiais de justiça, diretores e substitutos de cartórios, oficiais de gabinete, executantes, motoristas, seguranças, secretários, garçons, zeladores e faxineiros, eletricistas, digitadores e técnicos em informática, vigilantes e tantos outros que poderiam ampliar imensamente essa lista".

Alguns - talvez os principais desses atores processuais - ao praticarem atos processuais, deixaram suas assinaturas nos autos do processo, tornando mais fácil a quantificação e enumeração:

· dez juízes de direito: fls. 2, 13, 40, 49, 62, 78, 122, 127 e 121, exemplificativamente, além de fl. 35 dos autos em apenso;

· oito promotores de justiça: fls. 2, 24, 28, 41v, 60, 64, 82 e 113v, exemplificativamente,;

· cinco procuradores de Justiça: fls. 66, 76 e 80;

· nove defensores: fls. 20, 39, 48, 96, 99, 130 e 150, exemplificativamente, e ainda fl. 14 dos autos em apenso;

· oito médicos: fl. 18 e também fls. 24, 27, 28, 30 e 31, dos autos em apenso;

· três delegados de polícia: fls. 6, 45 e 124.

O juiz avalia que "esses sujeitos processuais perfazem o total de 43 profissionais altamente especializados que ao longo da tramitação do processo (dois anos, oito meses e 13 dias) receberam dos cofres públicos (considerando-se os respectivos décimos terceiros salários) proventos que podem ser estimados pela média em R$ 39.674.666,67 (trinta e nove milhões, seiscentos e setenta e quatro mil, seiscentos e sessenta e seis centavos)".

Evidente que tais agentes públicos atuaram concomitantemente em diversos outros casos. "No entanto, tal estimativa serve para evidenciar o tamanho do disparate em direcionar essa estrutura leviatânica para apurar a prática de uma bicota, aliás, uma tentativa de bicota, levada a efeito pelo infeliz acusado" - conclui a sentença.

Esta conclui com três perguntas: "1. Valeu a pena? 2. É esse o mister do Direito Processual Penal do século XXI? 3. Ou deveria esse ramo do direito se voltar a apurar aquelas condutas que atinjam bens jurídicos que realmente mereçam a tutela penal?".

Proc. nº 2007.01.1.039400-2


Fonte: Espaço Vital

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