domingo, 19 de janeiro de 2014

Na rica Porto Alegre, o mesmo horror das celas do MA

Capital gaúcha abriga o pior presídio do país, com mais do que o dobro de sua capacidade e dominado por chefes do tráfico de drogas no Estado

Mariana Zylberkan
Presídio Central de Porto Alegre (RS) repete horror visto em cadeia no Maranhão
Presídio Central de Porto Alegre (RS) repete horror visto em cadeia no Maranhão (Reprodução)
“O presídio se tornou lugar de disseminação de mão de obra para o crime”, Gilmar Borttoloto, promotor 
(Atualizada 13 de janeiro às 15h40)  
Os Estados do Maranhão e do Rio Grande do Sul estão distantes na longitude e nos índices de desenvolvimento econômico e social de seus moradores. Porto Alegre está mais de duzentas posições à frente de São Luís no ranking do Índice de Desenvolvimento Econômico (IDH) e, apesar de ser a 28º cidade com os melhores indicadores do país, a capital gaúcha se iguala à 249ª colocada no horror do sistema carcerário. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados apontou o Presídio Central de Porto Alegre como a pior penitenciária do Brasil em 2008. Com 4.500 detentos, o presídio funciona há anos com contingente bem acima de sua capacidade de 2.069 vagas. Em novembro de 2010, atingiu o recorde, com mais de 5.600 detentos. A superlotação, aliada à falta de infraestrutura e ao total descaso do governo Tarso Genro (PT), segue a a mesma receita que provocou o colapso hoje visto no Maranhão.
Assim como no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA), o Presídio Central de Porto Alegre é dominado por facções criminosas. São os líderes que determinam quem deve receber atendimento médico, visitas de advogados e também as penas aplicadas ao preso endividado com drogas. Recentemente, por uma dívida de 15 reais de crack, um detento foi "condenado" a ingerir à força um coquetel de drogas com água e crack moído, entre outras substâncias. Ele sobreviveu para contar a história, mas em casos parecidos, o "condenado" morre asfixiado com um saco plástico amarrado à cabeça. São recorrentes os relatos de extorsão de familiares, obrigados a fazer depósitos em contas de laranjas em troca da vida do detento. Junto com as drogas, armas e aparelhos celulares entram e saem com frequência na cadeia gaúcha.
O presídio gaúcho não dispõe de área destinada às visitas. O resultado é que os cerca de 240.000 visitantes que entram no local por ano têm livre acesso às 28 galerias e às celas. Desse total, 20.000 são crianças que acabam expostas a homens armados, consumo de drogas e visitas íntimas. 
Construído em 1959 para abrigar 300 presos, o Presídio Central de Porto Alegre teve sua estrutura condenada pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul (Crea-RS) após uma inspeção, em abril de 2012. Na ocasião, os engenheiros constataram que o esgoto escorre pelo pátio. As denúncias foram assinadas por um fórum que reúne diversas entidades, entre elas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), e encaminhadas para a Organização dos Estados Americanos (OEA). O fórum voltou a notificar o governo brasileiro nesta semana para adotar medidas que garantam a integridade dos presos em Porto Alegre.
O governo Tarso Genro atribui a superlotação do presídio ao fechamento de pelo menos oito unidades prisionais na Grande Porto Alegre nos últimos anos. Até o fim de 2014, o superintendente dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul, Gelson Treiesleben, afirma que serão criadas 4.700 novas vagas. “Nosso objetivo é esvaziar o Presídio Central de Porto Alegre pois sabemos que vai sucumbir ”, diz.
A Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul diz que até o fim do ano o Presídio Central abrigará apenas os presos provisórios, que correspondem a mais da metade de sua população carcerária de 4.500 pessoas. Segundo o Tribunal de Justiça gaúcho, 2.746 detentos que estão no local aguardam julgamento. A população carcerária total do Estado hoje é de 29.243 detentos.
O Presídio Central não pode receber presos condenados, mas apenas aqueles que aguardam sentença da Justiça. A proibição é resultado de uma interdição determinada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul em 1995, após uma rebelião que durou vários dias. Um dos presos fugiu e invadiu um hotel no centro de Porto Alegre impondo clima de terror na cidade. Depois desse episódio, o governo gaúcho entregou a administração do presídio à Brigada Militar. Atualmente, 400 policiais militares atuam a segurança da cadeia.
Promessa não cumprida – A desativação do Presídio Central, no entanto, é uma promessa ouvida pelos gaúchos há mais de uma década. Em 2011, diante de novas denúncias, a OAB inspecionou o local e cobrou ações do governo estadual, que na época pediu um prazo de dois anos para criar 3.000 novas vagas – até hoje não as entregou. Encerrado o prazo, em dezembro do ano passado, foi realizada outra visita, que constatou o mesmo cenário caótico. “Nada foi feito”, diz o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
A OAB encaminhou uma representação à Organização das Nações Unidas (ONU) denunciando os casos dos presídios do Rio Grande do Sul e do Maranhão. “A pressão dos organismos internacionais tem se mostrado uma forma mais eficiente para o governo brasileiro vencer a inércia diante da calamidade do sistema prisional”, diz Coêlho.
Até hoje há condenados entre os 700 presos – em tese, provisórios – que chegam ao Presídio Central todos os meses. “O presídio se tornou lugar de disseminação de mão de obra para o crime”, diz o promotor Gilmar Borttoloto, que fiscaliza as cadeias da região metropolitana de Porto Alegre há 16 anos. Para ele, a situação precária do sistema carcerário brasileiro é explicada pela dificuldade dos governantes em tratar o tema. “Existe uma cultura de que bandido tem que morrer. Essa é a logica do cidadão que é agredido pela violência na rua. Por isso, ao longo do tempo, a deterioração do sistema carcerário foi sendo tolerada pelo poder público, e as facções criminosas passaram a ocupar esse espaço vazio e dominar as cadeias.”
É íntima a relação entre a falta de controle nos presídios do país e a disseminação do crime organizado. “O sistema prisional tem que ser a favor da sociedade para combater a criminalidade. Nesse sentido, hoje temos um governo que banca um esquema que agrava a criminalidade e é contra a segurança pública”, afirma Marcus Coêlho, da OAB. 

Os dez piores presídios do Brasil

Uma CPI instaurada pela Câmara dos Deputados para apurar a situação do sistema prisional brasileiro fez o ranking dos piores presídios do país, em 2008. 

Presídio Central de Porto Alegre (RS)

Uma das oito unidades do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, a Casa de Detenção Masculina abriga 275 presos a mais do que a sua capacidade, 402. Desde 2008, o complexo é palco de batalhas entre facções rivais. Só no ano passado, 60 pessoas morreram. O colapso no presídio veio à tona com a divulgação de imagens das execuções nas quais aparecem detentos sendo decapitados e esquartejados. Segundo a CPI, há falta de água e de higiene na penitenciária, e os detentos são alimentados com comida estragada.  

Presídio Lemos de Brito (BA)


A penitenciária localizadas em Salvador (BA) lembra o Coliseu Romano. Formado por um prédio circular que envolve um campo de futebol, o presídio abriga 158 pessoas a mais do que a sua capacidade — 1.030. Segundo o relatório da CPI, o local tem um déficit de agentes penitenciários, apenas 74 homens cuidam da segurança, e condições precárias de higiene – há registros de contaminações por HIV e tuberculose. De acordo com a CPI, os presos que “tem mais dinheiro” possuem TVs, geladeiras e fogões nas celas enquanto os “mais pobres” improvisam cortinas para ter privacidade em aposentos lotados. Em 2013, cinco detentos fugiram da prisão.

Presídio Vicente Piragibe (RJ)

Um dos presídios do Complexo do Gericinó, em Bangu (RJ), a unidade construída para 1.400 presos mantém hoje cerca de 2.500 encarcerados. A penitenciária é conhecida por abrigar chefes do tráfico dos morros cariocas e membros do Comando Vermelho. Segundo a CPI, o local é “insalubre e úmido” e parece um labirinto devido à falta de luz nos corredores. Presos portadores do vírus HIV e tuberculose se misturam em celas coletivas e superlotadas.  Em 2013, 27 detentos fugiram pela tubulação de esgoto do presídio.

Penitenciária Dr. José Mário Alves da Silva, o 'Urso Branco' RO)

A situação precária do presídio veio à tona durante rebelião ocorrida em 2002, que terminou com 27 mortos – alguns deles decapitados. Dez anos depois, a penitenciária localizada na cidade de Porto Velho ainda tem problemas de superlotação e casos de tortura. O local tem capacidade para abrigar 420 presos, mas mantém atualmente 700 encarcerados. Segundo a CPI, as celas são abafadas e os detentos são agredidos pelos próprios agentes penitenciários. Em 2013, um funcionário do presídio foi assassinado e oito presos foram transferidos para penitenciárias federais

Centro de Detenção de Pinheiros (SP)

Apelidado de “Novo Carandiru”, o complexo penitenciário mantém aproximadamente três presos por vaga. São 6.000 presos para 2.000 vagas disponíveis. A superlotação lembra os números do Carandiru, que já chegou a ter 8.000 presos para 3.500 vagas. Segundo a CPI, a penitenciária é marcada pela presença do Primeiro Comando da Capital, facção criminosa que atua em 90% dos presídios paulistas. 

Instituto Penal Masculino Paulo Sarasate (CE)

O presídio cearense mantém cerca de 482 presos em condições precárias de higiene, alimentação e conservação das instalações.  Segundo a CPI, os detentos recebem as refeições em sacos de plásticos e comem com as mãos por falta de talheres. O esgoto flui das celas para o pátio e há sujeira por toda parte. Entre os encarcerados de Sarasate, estão os acusados pelo envolvimento no célebre assalto ao Banco Central de Fortaleza. 

Penitenciária Feminina Bom Pastor (PE)

O presídio no Recife (PE) tem capacidade para alojar 140 mulheres, mas mantém 660 presas em espaços com condições mínimas de higiene. Segundo a CPI, presas e filhos recém-nascidos dividem celas “insalubres e superlotadas” – algumas chegam a dormir com a cabeça encostada na privada por falta de espaço. Mulheres portadoras de doenças contagiosas dividem os pavilhões com presas sadias.

Penitenciária Feminina de Florianópolis (SC)

O presídio, construído para 66 mulheres, abriga atualmente 125 encarceradas.  A CPI registrou  denúncias de tortura e de assédio sexual  praticado por agentes penitenciários homens, que são proibidos por lei de trabalhar em instituições penais femininas. Segundo o relatório, a superlotação leva algumas mulheres a dormirem nos corredores e na porta dos banheiros.

Casa de Custódia Masculina (PI)

Na penitenciária piauiense, cerca de 780 detentos se espremem em oitenta celas com capacidade para 336 presos. Segundo a CPI, as instalações são precárias e escuras. Os presos habituados com a falta de iluminação do presídio são chamados de homens-morcegos. Foram registrados casos de tortura praticada por agentes penitenciários. 

Casa de Detenção Masculina (MA)

Uma das oito unidades do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, a Casa de Detenção Masculina abriga 275 presos a mais do que a sua capacidade, 402. Desde 2008, o complexo é palco de batalhas entre facções rivais. Só no ano passado, 60 pessoas morreram. O colapso no presídio veio à tona com a divulgação de imagens das execuções nas quais aparecem detentos sendo decapitados e esquartejados. Segundo a CPI, há falta de água e de higiene na penitenciária, e os detentos são alimentados com comida estragada. 










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