domingo, 19 de janeiro de 2014

Livro discute reforma de políticas públicas de combate às drogas



"Num sistema que proíbe tudo, ninguém regula nada“. “Outra consequência é que as cadeias lotam.” “Nossa política de tolerância zero com as drogas na verdade é uma política de tolerância total com o crime.” “Plantar canábis sem fins lucrativos é combater o tráfico, de maneira muito mais eficaz que o Estado faz.”

As frases do parágrafo acima foram pinçadas de páginas diversas do recém-lançado “O fim da guerra” (Editora Leya), do jornalista Denis Russo Burgierman. Ideias como essas permeiam as 288 páginas da obra, na qual, é bom que se diga, não há uma palavra sequer de incentivo ao uso de qualquer substância ilegal. Burgierman concorda que o problema hoje é mais grave do que nunca. Apenas propõe uma nova abordagem para o assunto, já clara no subtítulo: “A maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as drogas”.

— Maconha é a droga central a ser discutida porque representa 80% do volume de substâncias ilícitas comercializadas pelo tráfico no mundo — diz Burgierman, referindo-se aos 165 milhões de usuários da canábis, maioria absoluta entre os 210 milhões de consumidores de drogas ilícitas ao redor do planeta, segundo dados da ONU.

Um novo sistema, propõe o autor, tiraria esta maioria das estatísticas ao excluir a planta da maconha do rol de proibições, para alterar “a política de drogas mundial e sair da confusão em que nos metemos”. Também evitaria a repetição de uma triste rotina de conflitos armados, mortes violentas e prisões lotadas.

— É fácil entender por que o mundo mergulhou neste círculo vicioso. Drogas são assustadoras e nunca foram tanto como agora. A epidemia de crack é um exemplo e a demonização do traficante é inevitável. Agora mesmo há mais de cem projetos no Congresso prevendo mudanças nas leis de drogas no Brasil. Quase todas no sentido de endurecer e aumentar as penas — analisa Burgierman. — O problema é que, quanto maior a pressão, maior a demanda e mais gente no tráfico. É muito barato repor um traficante preso. Um juiz americano diz que é como querer revogar a lei da oferta e da procura. 

O caso do Rio de Janeiro, estado onde “o poder do tráfico se manifestou territorialmente”, é extremo, diz o autor, que vê com otimismo as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), embora não tenha ilusões quanto a elas:

— As UPPs são uma boa notícia, mas não atacam o centro do problema, porque não vai haver redução da demanda. O mundo rico terceiriza o fornecimento de drogas, e isso é conveniente, porque também terceiriza a violência. O Brasil quer se tornar apenas consumidor, não fornecedor. Mas vai apenas terceirizar a violência. Este trabalho de segurança seria facilitado se tivéssemos uma classe política que visse o assunto de maneira global.

Ex-diretor de redação da revista “Superinteressante”, Burgierman, de 38 anos, acredita que há uma mudança na forma como a maconha é vista — perceptível a ponto de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ser um dos líderes mundiais que apontam o fracasso da política atual. Por dois meses e meio, o jornalista investigou sistemas implantados em Portugal, Holanda, Espanha, Marrocos e na Califórnia, que quebram a lógica proibicionista, e vislumbrou o “pós-guerra às drogas”.

— Há uma mudança no jeito de encarar o tema, mas ainda existe um medo irracional das drogas. Os exemplos que cito no livro mostram que moderar o uso funciona melhor do que proibir. Na Califórnia, a canábis é receitada por médicos, há até uma universidade em Oakland para quem quer aprender a cultivar a planta. E em Portugal criou-se uma política racional muito eficaz — explica Burgierman.

Para ele, propostas de legalização são menos radicais do que a proibição:

— Você deixa brechas no sistema, cria canais de fornecimento legal para um público restrito, como na Holanda ou na Espanha. Observa, aprende e vê que o mundo não acaba com a liberação da maconha. O hiperradicalismo é que gera pânico e impede de ir além da política atual. Mas basta observar as crianças com 8 e 9 anos fumando crack e sendo recrutadas pelo tráfico porque não podem ser presas. Não há nada pior do que isso.


Fonte: O Globo. 26.11.2011.

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