Deixar de ouvir a vítima em processo criminal viola o devido processo legal, já que cerceia o direito de produção de provas. Com esse fundamento, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu preliminar de nulidade suscitada pelo Ministério Público para derrubarsentença que absolveu um homem acusado de roubo na comarca de Porto Alegre.
Na sentença, o juiz do caso havia criticado a postura do MP em esperar para fazer provas durante o processo judicial, quando deveria tomar a iniciativa antes da apresentação da denúncia. "Que deixe a inércia (Princípio da Inércia do Juiz) efetivamente ao Poder Judiciário", disse ele na decisão.
Com o acórdão do TJ, o processo será reaberto para a oitiva da vítima, já que ela não foi encontrada no seu endereço na fase de instrução e acabou dispensada pelo juiz encarregado de julgar a causa.
A relatora da Apelação Criminal, desembargadora Naele Ochoa Piazzeta, afirmou no acórdão que o indeferimento de diligências para encontrar a vítima tolhe o direito do MP de produzir prova imprescindível para a elucidação dos fatos. E viola o princípio do devido processo legal, previsto no inciso LIV do artigo 5º da Constituição.
‘‘Portanto, agindo nesses moldes, entendo que o magistrado singular tenha incorrido em grave afronta ao postulado do due process vertido na Carta Constitucional, razão pela qual a decretação da nulidade do feito a partir da audiência instrutória é a medida que se impõe’’, decretou a desembargadora-relatora. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 19 de setembro.
O caso
Conforme denúncia oferecida pelo Ministério Público estadual, o acusado roubou um aparelho de telefone celular e um fone de ouvidos. O fato ocorreu no dia 4 de abril de 2012 num ponto de ônibus da Rua Siqueira Campos, no Centro de Porto Alegre.
A Brigada Militar foi acionada e saiu no encalço do acusado, que foi pego enquanto fugia pela Rua Uruguai. Acabou reconhecido pela vítima como sendo o sujeito que lhe subtraiu os objetos mediante ameaça de ‘‘simulacro de arma de fogo’’. Ele foi incurso nas sanções do artigo 157, caput, do Código Penal.
Encerrada a fase de instrução e durante os debates orais, o MP sustentou, preliminarmente, a nulidade absoluta do feito. Motivo: o juiz Mauro Caum Gonçalves, titular da 2ª Vara Criminal do Foro Central da capital, indeferiu pedido de diligências para encontrar a vítima, a fim de ouvi-la.
A sentença
Ao julgar a preliminar, Gonçalves afirmou na sentença que o artigo 21, caput, do Código de Processo Penal estabelece que o ofendido será ouvido sempre que possível. Trata-se de uma faculdade do magistrado.
‘‘No caso em apreço, tendo em vista que a vítima não foi encontrada no endereço informado, entendi apropriado o encerramento da instrução. Não vi presente a necessidade (mais do que conveniência, há de ter necessidade) de inquirir tal pessoa’’, justificou.
O juiz ainda fez questão lembrar que o sistema processual penal vigente é o acusatório, cabendo ao MP a realização de diligências e a comprovação dos fatos alegados na denúncia. Nesse sentido, é lícito se esperar que a instituição deva contatar testemunhas e vítimas, buscando endereços e procurando saber se comparecerão em juízo.
‘‘O processo penal moderno tem que ser dinâmico, com um Ministério Público pró-ativo e não aquele dependente, pachorrentamente sentado ao lado do juiz, das diligências que o Poder Judiciário possa vir a efetuar. O Ministério Público é moderno. É uma grande instituição, que tem um orçamento que lhe propicia ter assessoramento de diligências superior ao do próprio Poder Judiciário. Portanto, que deixe a inércia (Princípio da Inércia do Juiz) efetivamente ao Poder Judiciário’’, recomendou.
Quanto ao mérito da denúncia, o juiz disse que os depoimentos e elementos levados aos autos não permitem apontar, de forma inequívoca, o denunciado como autor do fato criminoso.
‘‘Dito isso, na ausência de provas quanto ao fato de ter o réu concorrido para a infração penal e, portanto, ausentes provas suficientes para a condenação, aplica-se à situação o princípio do in dubio pro reo, impondo-se a absolvição, nos termos do artigo 386, incisos V e VII, do Código de Processo Penal’’, encerrou.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 2 de outubro de 2013
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