domingo, 1 de setembro de 2013

Alunos devem se fortalecer contra bullying e trote, diz professora inglesa

Denise Lawrence, da Brahma Kumaris, tem feito palestras pelo Brasil.
Força interna não significa violência, mas proteção contra conflitos, diz ela.


Denise Lawrence, professora da Brahma Kumaris (Foto: Divulgação/Brahma Kumaris)
Denise Lawrence, professora da Brahma Kumaris
(Foto: Divulgação/Brahma Kumaris)
Episódios de bullying e trotes violentos são, segundo a professora inglesa Denise Lawrence, problemas difíceis de resolver do ponto de vista institucional e, portanto, uma das poucas armas que restam às pessoas para não sofrer com esse tipo de violência é criar mecanismos de "fortalecimento espiritual, estabilidade, fé na própria bondade e coragem". Denise é professora e consultora da Brahma Kumaris, organização presente em mais de 100 países que promove educação com foco no desenvolvimento do ser humano e na formação de sociedades em harmonia, Em entrevista ao G1, ela explica que só ser moralmente bom não basta para evitar conflitos. "Você tem que ser bom, mas, como uma rosa, precisa de alguns espinhos, para poder cuidar de si mesmo."
Nesta semana, o caso do ex-calouro da Universidade de São Paulo (USP) que alegou ter sido abusado sexualmente por veteranos no início do ano voltou à tona quando o jovem decidiu fazer justiça com as próprias mãos e, armado, invadiu o alojamento da instituição em São Carlos (SP), onde agrediu um estudante e atingiu janelas e paredes com tiros.
Segundo a especialista em filosofia, essa é apenas uma de diversas formas de violação promovida por alguém em situação de poder contra uma pessoa mais fraca que são vistas e replicadas em todos os segmentos da sociedade e em todas as partes do mundo. O episódio da última quarta-feira (28), na opinião de Denise, tem se intensificado nos últimos anos, e só chama a atenção da mídia quando chega ao nível de um crime sério. Quando isso acontece, as pessoas se chocam e consideram um absurdo, mas pouco depois já se esqueceram do caso.
Para Denise, vários fatores provocaram o incidente, entre eles o fato de as autoridades --tanto a polícia quanto a própria universidade-- não terem tomado nenhuma providência concreta até agora, meses após o trote e a desistência do aluno de seguir no curso para o qual foi aprovado.
A cultura de intimidação e imposição por meio da força que existe nas instituições de ensino está enraizada na ideia de que "violência é 'macho', e homens fracos devem ser tratados com violência, para mostrar o quão importante é a força física", afirma. E o outro lado da moeda, o moralismo, não tem sido eficaz para coibir o abuso de poder.
"Chegamos a um ponto em que, se você é moralmente bom e generoso, alguém vai te derrubar. E, se você é mau, então você vai ficar bem até que alguém pior te derrube."
Leia abaixo a entrevista com a professora da Brahma Kumaris, que está no Brasil desde o início de agosto para uma série de palestras e ciclos de meditação em cerca de dez cidades:
A senhora vê relação entre o episódio desta semana no Brasil e outros casos de bullying divulgados em diferentes países?
Esse tipo de coisa tem se intensificado por todo o mundo nos últimos anos, e só quando alcança o nível de um crime sério a mídia vai atrás, e então as pessoas dizem "nossa, que chocante", mas depois de alguns dias se esquecem do assunto. O que temos hoje é um mundo onde, do topo mais alto da sociedade até a parte mais baixa, há uma interminável variedade de violações. Violência doméstica chegou a um nível epidêmico, mas é pouco abordada pela polícia. Vivemos em uma cultura que diz que violência é 'macho', e homens fracos devem ser tratados com violência, para mostrar o quão importante é a força física. Chegamos a um ponto em que, se você é moralmente bom e generoso, alguém vai te derrubar. E, se você é mau, então você vai ficar bem até que alguém pior te derrube. A humanidade se tornou desumana demais.

Como tirar a humanidade dessa situação?
Eu não vejo que realmente haja uma solução para isso. Você pode dizer às pessoas que elas devem ser boas umas com as outras e elas não vão simplesmente dizer "ah, ok, serei boa". Você não aborda a questão. Muita coisa tem a ver com o fato de que temos uma população muito grande. No reino animal, quando há uma superpopulação, os animais se voltam uns contra os outros. Então acho que a raça humana está se comportando como os animais se comportam quando estão sob algum tipo de estresse. Ainda temos o aquecimento global, as geleiras derretendo, tudo está meio que ficando difícil, há um grande aumento nas doenças. A humanidade está sob algum tipo de estresse muito severo. Vivemos em uma cultura extremamente violenta, onde as pessoas se inspiram pela violência, elas desfrutam da violência. O moralismo convencional é uma parte dessa escalada de violência, e portanto é um pouco contraproducente. Podemos dizer que ele falhou. Precisamos voltar à mesa de desenho e pensar em o que cada um pode fazer. Há conflitos extremos acontecendo, e a única maneira de fazer algo é fazer com que você se livre de conflitos.

Os estudantes precisam entender que a lição mais importante da universidade é como ser um ser humano. Quando você é uma pessoa loucamente violenta, que tipo de profissional você será depois dos estudos?"
Denise Lawrence,
professora da Brahma Kumaris
Neste contexto, como é possível reduzir os casos de bullying?
Tudo isso acontece porque não é condenado pelas autoridades, e não só a polícia, mas as instituições. Se elas tomassem atitudes, eles não fariam isso. Mas elas não fazem nada, elas permitem, e isso significa que as pessoas estão se sentindo encorajadas. Qualquer psicólogo te diria que é absolutamente normal: as pessoas que sofrem trotes vão revidar da mesma forma quando elas tiverem o poder, e isso em geral começa na infância. Os estudantes precisam entender que a lição mais importante da universidade é como ser um ser humano. Quando você é uma pessoa loucamente violenta, que tipo de profissional você será depois dos estudos, quando estiver em uma posição de poder?

É preciso então mudar a atuação das instituições?
Esse problema é sintomático de uma crise muito maior de toda a humanidade. Tudo isso não pode ser resolvido por uma pessoa só, ou por uma organização, pelas Nações Unidas. É grande demais. A única maneira que vejo é você se transformar em um ser humano de alta qualidade. O que você pode fazer é voltar-se para si mesmo, se fortalecer espiritualmente, manter a estabilidade, ter fé na sua bondade, e ser corajoso. Uma das formas é pela meditação, que não é nem de longe uma coisa passiva. Ela ajuda a te imunizar contra a provocação. Porque, de outro modo, se alguém mais forte te provoca, e você reage, eles te derrubam. Se você é imune à provocação, você vê as ameaças de longe, e consegue se proteger. Dentro da sua família, dos seus grupos, é importante conversar com as pessoas, e transformar esse problema em uma grande questão que merece ser abordada. É bom que a mídia também aborde esse tipo de discussão, se perguntar como chegamos nesta situação. Em todos os níveis há uma série de violações acontecendo, e isso está ficando cada vez pior. Estamos em um ponto muito explosivo e ninguém sabe o que fazer.

G1. 01/09/2013

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