terça-feira, 2 de abril de 2013

SOBRE A (IM)POSSIBILIDADE DE UMA PARTE – IMPARC(T)IAL NO PROCESSO PENAL. A POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.


Volta e meia me deparo com alguém falando que o Ministério Público atua, no processo penal,como uma parte imparcial, fiscal da lei. Isso está correto? Penso que não e vou analisar a questão desde uma perspectiva da estrutura do processo penal (para muito além do bem ou do mal, do bom ou do ruim...).
Iniciemos por uma rápida recordação de que com o fracasso da inquisição e a gradual adoção do modelo acusatório, o Estado seguia mantendo a titularidade absoluta do poder de penar e não podia abandonar em mãos de particulares esse poder e a função de persecução. Logo, era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas. Nesse novo modelo, a acusação continua como monopólio estatal, mas realizada através de um terceiro distinto do juiz. 
Aqui nasce o Ministério Público: da imprescindibilidade de ter um acusador para a constituição de um processo acusatório e, principalmente, para assegurar o actus trium personarum, tão caro a Bulgaro de Sassoferrato, com um juiz imparcial.
Por isso, existe um nexo entre sistema inquisitivo e Ministério Público, como aponta CARNELUTTI (Mettere il Publico Ministerio al suo Posto. Rivista di Diritto Processuale, v. VIII, parte I, 1953, p. 18 e ss.) pois essa necessidade de dividir a atividade estatal exige, naturalmente, duas partes. Quando não existem, devem ser fabricadas, e O MINISTÉRIO PÚBLICO É UMA PARTE FABRICADA. 
SURGE DA NECESSIDADE DO SISTEMA ACUSATÓRIO E GARANTE A IMPARCIALIDADE DO JUIZ. 
São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal. O crítico mais incansável foi, sem dúvida, o mestre CARNELUTTI, que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo: ¿No es como reducir un círculo a un cuadrado, construir una parte imparcial? El ministerio público es un juez que se hace parte. Por eso, en vez de ser una parte que sube, es un juez que baja. Em outra passagem, CARNELUTTI (Lecciones sobre el Proceso Penal, v. 2, p. 99) explica que não se pode ocultar que, se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador, querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad. 
Para J. GOLDSCHMIDT (Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal, p. 29), o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo, qual seja, o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar e defender. 
Ademais, há uma incompatibilidade etimológica, pois inviável a estruturação de uma par(te)-impar(tial), além do insuperável obstáculo psíquico (comprometimento da parte versus descomprometimento estruturante da imparcialidade de quem não é parte). 
Enfim, o Ministério Público é imprescindível para um processo penal democrático, na medida em que cria as condições de possibilidade para uma estrutura dialética (acusatória). É uma parte artificialmente criada para ser o contraditor natural do sujeito passivo e, nesta constatação, NÃO EXISTE NENHUMA CONOTAÇÃO PEJORATIVA OU NEGATIVA, TODO O OPOSTO!! 
Importantíssimo ainda compreender (como ensina Werner Goldschmidt) que QUANTO MAIS PARCIAIS FOREM AS PARTES, MAIS IMPARCIAL É O JUIZ, único sujeito do processo a ter essa característica como constitutiva e legitimante. 
É A PARCIALIDADE DAS PARTES QUE GARANTE A IMPARCIALIDADE DO JUIZ!!
E quando o MP pede a absolvição, não é porque atua como ‘parte-imparcial’? Não. Assim o faz porque é o acusador público e, como tal, pauta sua conduta na legalidade e na impessoalidade. Se não existe prova suficiente para justificar a acusação, deve pedir a absolvição, pois constitui uma ilegalidade flagrante acusar sem provas suficientes. Não há que confundir imparcialidade com estrita observância da legalidade e da objetividade.

Em suma, precisamos assumir claramente as funções e demarcar os espaços de fala e de exercício de poder no processo penal, para que realmente tenhamos um processo penal acusatório, constitucional e democrático.
Agora, ao debate!! bom fim de semana para vcs!


Facebook Aury Lopes Júnior.

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