terça-feira, 2 de agosto de 2011

Caso do carro Porsche: dolo ou culpa?

Um sujeito, em julho de 2011, bêbado, fez uma conversão em local proibido, causou um acidente automobilístico e acabou matando uma pessoa (uma menina). No caso do carro Porsche, em São Paulo, o motorista estaria trafegando a 150 km/h e matou uma advogada. Duas trágicas mortes, mas enfocadas juridicamente de forma bem diferente.
A autoridade policial entendeu que, no primeiro caso, teria havido culpa. No segundo (carro Porsche) a conclusão foi de dolo eventual. Teoricamente não é difícil distinguir tais conceitos: na culpa o sujeito não prevê (normalmente) o resultado e não quer produzi-lo. No dolo eventual o sujeito prevê, assume o risco de produzi-lo e atua com indiferença frente ao bem jurídico. Didaticamente falando, há dolo eventual quanto o agente diz: "se morrer, morreu", "se matar, matou" (no dolo eventual a morte se torna indiferente). Na culpa se o sujeito soubesse que geraria uma morte ele se deteria (não prosseguiria). No dolo eventual mesmo sabendo que pode gerar uma morte, o sujeito não se detém (prossegue).
Mas o que não é tão difícil, na teoria, na prática, é bastante complicado. Não é fácil caracterizar o dolo eventual nas tragédias viárias. Para resolver esse problema a Espanha criou um crime específico, chamado "direção temerária" (direção de veículo, com culpa gravíssima). Exemplos: dirigir na contramão numa rodovia, trafegar a 150 km/h nas vias públicas, conduzir veículo automotor sob a total influência do álcool etc.
Faz falta no nosso país um tipo penal (um crime) desse teor, cuja sanção é superior ao do homicídio culposo. De outro lado, considerando que não é da tradição da Justiça brasileira "mandar para a cadeia" os motoristas que matam pessoas no trânsito, é chegada a hora de se permitir, por lei, a substituição da prisão pela pena de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico (tudo pago pelo infrator, salvo casos extremados de impossibilidade).
É preciso acabar com a sensação de impunidade especialmente nos homicídios de trânsito. Sabemos que uma política de segurança viária passa pela fórmula EEFPP (Educação, Engenharia, Fiscalização, Primeiros socorros e Punição). De qualquer modo, se a punição não é certa, é evidente que isso incentiva a irresponsabilidade (de beber e dirigir, sem nenhuma condição, por exemplo).
O afrouxamento punitivo, sobretudo nos países mais atrasados nesse campo, como é o caso do Brasil, também contribui para as 1,2 milhão mortes anuais no trânsito. Noventa por cento (90%) ocorrem em nações de baixa e média renda, embora só concentrem 48% da frota mundial (cf. www.ipclfg.com.br).
Devido à gravidade da situação, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o período de 2011 a 2020 como a Década de Ação para Segurança Viária.
Comparando: a Europa possui cinco vezes mais carros que o Brasil e mata no trânsito menos que nosso País. Em 1996, houve 35.281 mortes no trânsito nacional, ante 59.409 no velho continente. Passamos, em 2010, para cerca de 40.556 mortes (números ainda não consolidados), enquanto os europeus reduziram seus números a 32.787. A taxa de redução da União Europeia é de 5% ao ano. A nossa cresce anualmente 2,9%.
Se os índices dos países menos desenvolvidos não mudarem, os acidentes viários serão a quinta maior razão de mortes no planeta em 2030, segundo projeção da Organização Mundial de Saúde (OMS). Representarão 3,6% do total. Hoje são a nona causa.


Luiz Flávio Gomes é Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

Fonte: O Estado do Paraná. Direito e Justiça. 01/08/2011

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