segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Artigo: O vínculo familiar e o sistema prisional - conclusões sobre a mesa de estudos e debates

Nos dias 11 e 18 de novembro de 2009, o IBCCRIM realizou as Mesas de Estudos e Debates sobre “O vínculo familiar e o sistema prisional”, sendo a primeira com enfoque no “papel dos operadores do direito” e a segunda a respeito “do papel da comunidade”. No primeiro dia, foi apresentado o documentário “Dias Contados”, de Claudia Garcia, mostrando a história de várias mulheres presas e seus filhos, introduzindo a plateia no universo do que foi discutido.
As expositoras Dora Martins e Juliana Mancuso trouxeram reflexões interessantes sobre o tema, com especial preocupação para soluções que favoreçam o convívio dos filhos com as mães (e pais) presos. A dra. Dora, juíza de Família do Tatuapé, ressaltou que o ECA orienta a privilegiar o convívio com a família, porém não há um espaço digno de convivência dentro do cárcere. Além disso, a revista vexatória nos visitantes, inclusive em crianças, faz com que muitas pessoas não visitem seus parentes presos, levando o encarcerado a viver uma dupla punição.
A desigualdade no cumprimento da pena entre homens e mulheres foi destacada pela dra. Juliana, constituindo grave violação ao princípio da igualdade. Disse que quando trabalhou na ouvidoria do sistema penitenciário, atendeu pouquíssimos casos de mulheres encarceradas. Segundo ela “quando uma mulher é criminalizada pela prática de uma infração, ela é de tal forma rejeitada porque ela sai do seu papel de mãe, do estereótipo de mãe, dócil, útil, é vista como a bruxa, incorpora essa noção e não se sente sujeito de direitos, elas se fazem invisíveis”.
Trouxe ainda, notícia de uma interessante e ousada decisão do juiz da Vara da Execução Penal de Franca/SP, o qual criou a licença especial para amamentação. Considerando as condições precárias e insalubres da cadeia pública da região, o magistrado autorizou as mães a amamentarem em casa, mesmo sendo condenadas ao regime fechado. Outra decisão emblemática da Comarca de Guarulhos/SP foi lembrada, onde o juiz permitiu que a presa cumprisse a pena em casa, pois tinha 6 filhos e era arrimo de família(1).
Na segunda Mesa de Estudos e Debates, sobre o papel da comunidade, a dra. Michael Mary Nolan destacou a necessidade de um especial treinamento para policiais que efetuam a prisão de mulheres na frente de seus filhos. Segundo ela, muitas crianças ficam sozinhas, abandonadas e traumatizadas por presenciarem tal violência.
Ressaltou ainda a importância do envolvimento do preso/presa dentro da estrutura familiar, com o acompanhamento escolar dos filhos, por exemplo. Nesse sentido, esclareceu que em vários lugares há programas onde os professores mandam um relatório para os pais presos sobre como a criança está indo na escola.
Por sua vez, Elenir Celme trouxe a pioneira e bem sucedida experiência de Embu/SP, no denominado “Projeto Iris” (integração, responsabilidade e inclusão social). Os objetivos do projeto são: realizar pesquisa diagnóstica no município, mapear mulheres em situação de prisão, identificar familiares, envolver a comunidade, possibilitar e garantir os vínculos, tirar essas pessoas do anonimato, levando a problemática a público. Elenir contou que apresentou o projeto ao prefeito de Embu, o qual foi aceito e viabilizado, pois, segundo ela, “a vontade política estava presente”.
Soluções simples e criativas foram apresentadas pelas expositoras, como, por exemplo, a instalação de telefones públicos nas unidades prisionais (permitindo maior comunicação entre pais/mães presos e os filhos); ao invés da revista vexatória em crianças, que seja efetuada revista no preso/presa quando do retorno para a cela; no caso de mulheres gestantes e lactantes, que a prisão em regime fechado seja mantida apenas em circunstâncias excepcionais; maiores informações no processo sobre a situação familiar do réu, se possui filhos menores dependentes dele ou não; atenção especial às presas estrangeiras gestantes, as quais vivenciam situação ainda mais dramática por não possuírem família no País; orientação da escolta no sentido de dispensar algemas no pré e pós-parto das presas; criar mecanismos (com o apoio da comunidade, inclusive) para que os filhos de presos/presas que estão em abrigos possam visitar com frequência seus pais.
Por fim, ficou claro que as crianças sofrem as consequências da pena junto com os seus pais. Nas palavras da dra. Michael Nolan: “Não existe ligação entre estar preso e ser um mau pai ou uma má mãe. Os filhos e os presos têm direito a ter esse vínculo familiar fortalecido, é uma maneira, inclusive, de diminuir a violência, de diminuir os índices de reincidência. As autoridades se preocupam apenas em endurecer o sistema penal e não pensam em alternativas como estas para diminuir a criminalidade”.

NOTAS
(1) Esta Decisão pode ser lida na íntegra neste Boletim, na seção “O direito por quem o faz”.
 

Eleonora Rangel Nacif, Advogada Criminalista.


NACIF, Eleonora Rangel. O vínculo familiar e o sistema prisional – conclusões sobre a mesa de estudos e debates. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 17, n. 205, p. 15-16, dez., 2009.

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