terça-feira, 7 de abril de 2009

Artigo: O silêncio dos inocentes

O assunto pedofilia é sempre atual, ocorre a todo instante e em todo mundo, mas só aparece na mídia quando se torna notório ou envolve outro caso polêmico, como o caso recente ocorrido em Alagoinhas, no sertão de Pernambuco, de uma menina de nove anos de idade que estava grávida de gêmeos, estuprada pelo próprio pai e que só veio à baila porque teve autorizada pelas autoridades a realização de aborto.

Este fato que provocou a ira da Igreja Católica, radicalmente contrária à prática do aborto. Num pronunciamento infeliz do arcebispo de Olinda, Dom José Cardoso Sobrinho afirmando que iria pedir a excomunhão da equipe médica, responsável pela operação, dos pais e parentes da menina, como punição ao crime de aborto, classificado pela Igreja Católica como pior que o estupro.

Além deste caso, outro amplamente divulgado foi o ocorrido na Áustria, na cidade de Amstetten, onde o pai, Josef Fritzel, condenado à prisão perpétua, mantinha relações sexuais incestuosas com a filha Elisabeth Fritzl, que era mantida presa em um porão por 24 anos, com quem teve 8 filhos, sendo que um deles morreu.

As notícias mais freqüentes sobre o assunto geralmente são as desarticulações de quadrilhas de pedófilos que atuam através da internet divulgando fotos e filmes de crianças nuas ou sendo usadas para a prática de atos libidinosos.

Um dos casos mais recentes é o de Catanduva, no interior de São Paulo, com o envolvimento de pessoas da alta sociedade daquele município e que fizeram mais de uma dezena de vítimas.

O Nordeste brasileiro é tido como uma das regiões onde mais ocorre a violência contra crianças. Hora ou outra são mostradas reportagens televisivas de pais que trocam a virgindade das suas filhas por míseros cinco ou dez reais, incentivando a prostituição infantil. Não é só lá.

Isso ocorre em todas as regiões do Brasil, porém lá é mais visível por ser considerada uma das mais pobres. Dessa forma, muitos pensam e até tentam justificar que esse tipo de crime somente ocorre onde as famílias são mais carentes e ignorantes. Ledo engano.

Nas grandes cidades, independente de periferia ou centro urbano, é grande a incidência de casos de abuso sexual e violência contra crianças e adolescentes, tanto nos casebres quanto nas mansões, mas dificilmente vêm à tona.

Na maioria das vezes, por receio de prestar queixa devido a ameaças de retaliação ou mesmo preservação do nome, esposa ou outros parentes não denunciam o infrator, porque sabem que esse tipo de crime tem penas que variam de 4 a 10 anos de prisão e multa, conforme prescreve o artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, e, no caso de estupro, considerado crime hediondo, é aplicado o artigo 213, do Código Penal, com penas que variam de 6 a 10 anos.

Pedofilia e estupro

Há uma linha tênue entre os dois tipos de crimes no que se refere à forma com que são praticados, pela agressividade e violência, porém diferenciam-se pela tipificação.

O pedófilo, homem ou mulher, é visto como possuidor de desvio mental e sexual, com atração compulsiva por crianças ou adolescentes sexualmente imaturos, do sexo feminino ou masculino, com os quais têm as fantasias de concretizar atos obscenos ou libidinosos. Geralmente é um doente mental astuto e que procura angariar a confiança da sua vítima.

Normalmente um adulto, invariavelmente padrasto, com raras exceções, que fica em casa enquanto a mãe sai ou vai trabalhar e a criança ou adolescente é coagida ou persuadida a praticar atos libidinosos.

Quando isso acontece, as vítimas ficam traumatizadas e amedrontadas, ou envergonhadas, muitas vezes pelo resto de suas vidas, sem mencionar o fato a ninguém.

A descoberta às vezes é tardia e, então, se o crime for de ação penal pública de iniciativa privada, a punibilidade acaba sendo mais difícil porque muitas pessoas não querem denunciar para não se expor.

É importante frisar o crescimento desta modalidade de crime mediante o uso da internet, pois é um dos meios mais rápidos e de fácil acesso para captação das vítimas e de divulgação de material produzido criminalmente.

O estupro é caracterizado como crime próprio contra as mulheres, de acordo com a definição do artigo 213 do Código Penal: "Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça".

O estuprador, pessoa do sexo masculino, é movido por frustrações ocorridas na adolescência ou na infância, ou é pessoa que se sente insegura em relação à performance sexual. Isso faz com que seu meio de ação seja sempre de forma violenta, com agressividade excessiva e requintes de sadismo.

O crime de estupro é uma violência real ou presumida (quando praticado contra menor de 14 anos, doentes mentais ou contra pessoas que não podem oferecer resistência). O fato de fornecer entorpecentes a uma pessoa e aproveitar-se da situação para manter com ela conjunção carnal é considerado estupro.

Ambos os crimes, como já mencionado, na maioria das vezes ficam impunes porque as vítimas ou conhecem seus agressores e são intimidadas para não denunciá-los ou não querem se expor, para evitar a desonra da família ou do marido, quando casadas.

Além disso, outras pessoas que têm conhecimento do fato nem sempre estão dispostas a se envolver. Assim, enquanto não houver medidas mais drásticas para os criminosos e mais alternativas de proteção às vítimas de pedofilia e estupro, estes só irão aumentar.

O trabalho de divulgação e orientação é muito importante para fazer chegar ao ouvido das pessoas de bem o quanto é volumoso o caso de pedofilia e estupros que ocorrem diariamente em todos os cantos do Brasil. Ressalte-se, ainda, que nos dois crimes, entre todas, as maiores vítimas são as do sexo feminino.

Se medidas urgentes e efetivas forem tomadas, no sentido de se fazer cumprir a lei para coibir esse tipo de violência, certamente a estatística sobre o número de abortos clandestinos irá declinar.

João Carlos da Costa é jornalista, bacharel em Direito, bacharel Químico, professor e escrivão de Polícia. joao_22@terra.com.br


O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 06/04/2009.

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