Brasília - Um levantamento da Relatoria Brasileira pelo Direito Humano à Educação mostra que a oferta de educação no sistema prisional brasileiro ainda é encarada como privilégio, apesar de ser garantida em lei. O pensamento é compartilhado por diretores de unidades, agentes prisionais e pela própria sociedade.
Durante seis meses, uma equipe visitou dez unidades prisionais em Pernambuco, no Pará, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, entrevistando mais de 200 pessoas entre presos, educadores, juízes, promotores e agentes penitenciários. Um relatório preliminar será apresentado amanhã (25), em audiência pública na Câmara dos Deputados.
A relatora Denise Carreira, responsável pelo estudo, aponta que a educação formal nas prisões, quando ofertada, ocorre de forma precária. Segundo ela, só 18% dos presos têm acesso a algum tipo de atendimento educacional, o que inclui outros cursos, como aulas de violão. As dez unidades visitadas pela comissão ofereciam educação aos presos, mas sempre em condições inadequadas.
Um dos fatores que dificultam a oferta é a superlotação das unidades. “Nós encontramos um quadro marcado pela precarização e por um conflito estrutural do sistema, que é a superlotação. Nas prisões, hoje, você vive uma realidade em que qualquer espaço é adaptado para ser transformado em cela e receber mais gente. Nessa luta, os espaços que poderiam ser utilizados como sala de aula se perdem. Nós encontramos unidades em que as aulas são no corredor”, diz.
Além de condições físicas precárias, o relatório mostra como outra principal deficiência a falta de professores capacitados. Na maioria dos estados, a educação no sistema prisional não é responsabilidade da Secretaria de Educação, mas da administração penitenciária. Em alguns estados, como São Paulo, são os próprios presos com maior nível de escolaridade que dão aulas aos outros encarcerados.
“Nenhuma unidade da Federação tem uma política de educação nas prisões, um documento norteador com metas de acesso, qualidade, um projeto pedagógico. O que predomina é a improvisação. A educação nas prisões fica em um limbo entre a segurança pública, a administração penitenciária e a educação”, alerta. Segundo Denise, a maior parte da população carcerária do país não concluiu o ensino fundamental.
Outro grande problema verificado pela comissão é a falta de creches e berçários nas unidades femininas. Em alguns estados, os filhos das presas podem permanecer com a mãe até completar 3 anos de idade. Mas não há estrutura para receber essas crianças.
“Muitas crianças de 0 a 3 anos nas unidades femininas não têm nenhum atendimento educacional. Você tem hoje, em todo o Brasil, apenas 134 vagas de creche e 75 para berçário. Elas precisam receber um atendimento, seja em creches dentro da unidade ou na vizinhança. Elas já são crianças em situação de vulnerabilidade e ficam ali naquele ambiente sem nenhum tipo de estímulo”, explica.
Para resolver a precariedade do ensino, a relatora defende que o Brasil precisa, em primeiro lugar, repensar o seu modelo prisional. “Precisamos discutir se o modelo de prisão que a sociedade brasileira necessita é esse, o de confinamento dos seres humanos como principal forma de punição. O primeiro obstáculo é a educação ser considerada um privilégio, ela é um direito fundamental dessas pessoas e também da sociedade, que está investindo nas unidades prisionais na perspectiva de que essas pessoas possam se reintegrar e contribuir para o desenvolvimento do país”, afirma.
Entre as recomendações do relatório que será entregue aos parlamentares está a aprovação com urgência de um projeto de lei que permite a remissão da pena pelo estudo. “Nós temos sete projetos de lei tramitando que abordam a matéria. Hoje, a lei de execução penal garante a remissão de pena por trabalho, em que cada dia trabalhado reduz um dia na pena do preso. No caso do estudo, isso não é garantido, seria um estímulo e um reconhecimento do investimento em educação”, acrescenta.
Outra recomendação é que sejam aprovadas com urgência pelo Conselho Nacional de Educação as diretrizes nacionais de educação nos sistemas prisionais. Elas foram elaboradas em 2006 e serviriam como norteadoras para que cada estado pudesse elaborar sua própria política.
A relatoria faz parte da Plataforma Dhesca (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), que articula 34 organizações e redes de direitos humanos. Na audiência pública estará presente também o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para Educação, Vernor Muñoz.
Agência Brasil.
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