sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Artigo: Autorização para o abortamento

Sabemos todos que o Código Penal admite que, em casos especiais, o médico interrompa a gravidez da gestante, tal como se lê no art. 128.

Questão mais séria é saber como devem proceder os interessados (a gestante e o médico) para acautelarem-se diante do contido no artigo anterior ou, no que diz com o médico, para que no futuro os familiares da gestante não ingressem em Juízo com uma ação de indenização por dano moral (como se vai tornando moda atualmente).

Segundo o ilustre Antonio Chaves, com supedâneo nos pareceres de Geraldo Batista de Siqueira e Vanderley José Federigh, a autorização judicial para que o médico realize o abortamento é absolutamente desnecessária, "ficando a intervenção ao inteiro arbítrio do médico" (cf. "Direito à Própria Vida e ao Próprio Corpo", ed. Revista dos Tribunais, p. 29).

O médico Irany Novah Morais, contudo, expressando o temor que domina a maioria dos profissionais da área, ressalva a conveniência de o profissional da medicina valer-se de um alvará judicial, destacando que o juiz autorizante "costuma incluir um cláusula que libera o médico de praticar o abortamento consentido se, a seu critério, a medida for inconveniente e se houver risco de vida" (cf. "Erro Médico e a Lei", ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed., p. 319).

É claro que não cabe ao juiz substituir-se ao médico para decidir se é ou não caso de interrupção de gravidez. Mas, como a Constituição Federal impede que o Judiciário silencie quando se batam às portas, qual o juiz que deixaria de deferir um tal pedido se lhe fossem trazidas provas inequívocas de que aquela gestação deve ser interrompida? Seguramente nenhum.

Uma questão interessante que então surge é: qual o juiz competente para conceder tal alvará? A princípio, parece adequado que o interessado se dirija a um Juiz de Vara de Família ou mesmo a um Juiz de Vara de Infância e Juventude, dado o possível conflito entre os interesses do nascituro e aquele da gestante. Seria nomeado então um curador para o nascituro, que se manifestaria sobre eventual conveniência do prosseguimento da gestação.

Na prática, contudo, nada disso é feito (principalmente pela urgência da medida, notadamente quando o prosseguimento da gestação implique em risco de vida da gestante). O pedido tem sido deferido pelo Juiz Criminal, como autêntica medida cautelar criminal inominada, o que demonstra a criatividade do juiz pode suprir as deficiências legislativas.

Isso faz lembrar um caso real: na comarca de São José do Rio Preto havia um número elevadíssimo de moças que engravidavam para apressar o casamento. Em razão de sua idade, era necessária autorização judicial (ou, mais precisamente, dispensa do requisito de idade mínima). Os juízes criaram um procedimento ultra sumário: o advogado, ao peticionar anexando comprovante da gravidez, requeria que ele próprio fosse nomeado curador especial da menor. O pedido, com o "de acordo" do Ministério Público, era liminarmente deferido, determinando-se que a petição ficasse arquivada no Cartório do Registro Civil, sem qualquer registro no fórum. Em visita ali feita, o Corregedor-Geral do Ministério Público censurou aquele procedimento, que era absolutamente ilegal. "Mas com isso impedimos que a gravidez apareça no dia do casamento", justificou um dos promotores. Ao que retrucou o ilustre Procurador, demonstrando enorme sensibilidade: "Então faz de conta que eu não sei de nada."


Adauto Suannes, Desembargador aposentado e advogado em São Paulo.

SUANNES, Adauto Alonso S.. Autorização para o abortamento. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.46, p. 02, set. 1996.

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