quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Artigo: Aspectos penais da Lei da política nacional do meio ambiente

De há muito que se conclama um tratamento penal mais rigoroso no que concerne aos delitos perpetrados contra o meio ambiente, dado o reconhecimento da importância, senão imprescindibilidade, de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para o sustento da qualidade de vida humana na Terra.

Nessa esteira, a Lei n° 7.804, de 18.07.89 alterou o art. 15 da Lei n° 6.938/81 - Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - para inserir neste diploma, antes restrito aos aspectos civis e administrativos da política ambiental, um tipo penal, que preceitua: "O poluidor que expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal, ou estiver tornando mais grave situação de perigo existente, fica sujeito à penal de reclusão de 1 a 3 anos e multa de 100 a 1000 MVR."

É de se observar que o vertente diploma, acompanhando a evolução do sistema jurídico-legal de tutela do ambiente, vai ao encontro do salutar princípio da prevenção, vigente mundialmente em sede ambiental, já que tipifica um crime de perigo. Destarte, não se ocupa de reprimir, ao menos a priori, as atividades ou condutas que já tenham causado danos à incolumidade humana (física e psíquica, é óbvio), animal ou vegetal, mas sim aquelas que possam, eventual e potencialmente, causá-las no futuro. A infração penal existe antes mesmo da ocorrência da lesão, já que seu escopo é evitá-la.

Ora, a plenitude do gozo de direitos fundamentais da pessoa humana, tais como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida (art. 225, caput) dependem inexoravelmente da preservação do entorno, bem como da manutenção da integridade da saúde humana - ambos do objeto de proteção do ilícito penal em análise -, até porque, em determinadas situações, o retorno ao statuo quo ante, consistente na reconstituição do bem ambiental lesado (o que, de certa forma, atenuaria os malefícios advindos de sua deterioração ou destruição) ou na recuperação da incolumidade físico-psíquica, é inatingível.

O mencionado perigo, ou o seu agravamento, porém, há de ser cabalmente demonstrado, porquanto se trata, no delito do art. 15, de crime de perigo concreto. Para tanto, impõe-se seja realizada prova pericial (vide Vladimir Passos de Freitas & Gilberto Passos de Freitas, Crimes Contra a Natureza, Ed. RT, São Paulo, 3ª edição, 1992, p. 130), tarefa a ser desempenhada principalmente por peritos da área médica, biológica, química ou física. Naturalmente, o magistrado não dispõe de meios próprios para obrar a verificação da existência, ou não, de risco à incolumidade humana, animal ou vegetal.

O tipo requer que o sujeito ativo seja "poluidor" - e este conceito já vem delineado pela própria Lei n° 6.938/81 - o que autoriza-nos a concluir que aquele que expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal, mas não puder ser considerado "poluidor", no sentido jurídico-legal do termo, não responderá pelo crime do art. 15 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em virtude de não preencher todos os elementos do tipo (não basta a poluição, é preciso também que a incolumidade humana, animal e vegetal esteja em perigo. Da mesma forma, não basta existir o perigo à incolumidade humana, animal e vegetal, é preciso que haja, também, a poluição. Daí se depreende que o objeto de proteção do crime em tela não é apenas o meio ambiente, mas também a pessoa humana). Isso, no entanto, não exclui a possibilidade de que venha o agente a responder por delito ambiental ou outro, capitulado nos vários diplomas legais que cuidam, setorizadamente, da preservação e reparação do meio ambiente.

E quem é o poluidor? Consoante dispõe o art. 3°, inc. IV da Lei n° 6.938/81, poluidor é "toda a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental". Assim, considera-se poluidor quem causar a alteração adversa das características do meio ambiente (art. 3°, inc. II) bem como quem desenvolver atividades que: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (art. 3°, inc. III).

Ocorre, porém, que só se identificará o poluidor por meio de perícia. Ora, para saber se a atividade desenvolvida pelo imputado, por exemplo, afeta, nos termos que interessam ao direito, as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente (art. 3°, inc. III, alínea "d"), é preciso que especialistas, no caso os peritos, o digam, até porque, como cediço, não é qualquer alteração do ambiente que ocasiona um verdadeiro prejuízo ambiental, reprimível pelo direito. O mesmo se aplica em relação ao art. 3°, inc. III, alínea "e", eis que, neste caso, é mister que uma perícia apure o quanto de matérias e energia está sendo lançada pelo réu, para então confrontar esses dados com as normas estabelecedoras dos padrões ambientais - as chamadas normas de emissão - e assim verificar se a atividade empresarial (pela qual, enquanto não instituída definitivamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica, respondem criminalmente seus dirigentes) é poluidora.

Como inexiste o tipo culposo, os responsáveis serão penalizados criminalmente apenas se houverem agido com dolo, direito ou eventual. "Vale dizer, o agente pode Ter a intenção de criar a situação de perigo e pode, da mesma forma, estar ciente do risco da lesão, assumindo o risco, muito embota não o deseje diretamente" (Vladimir Passos de Freitas & Gilberto Passos de Freitas, ob. Cit., p. 130). Usualmente, o poluidor age com dolo eventual, e, conhece o potencial lesivo de sua conduta ou atividade, mas prefere não decliná-la, assumindo o risco de que esse potencial danoso gere o próprio dano, nada obstante não sejam estes o seu intuito.

O § 1° do art. 15, encerrando algumas circunstâncias agravantes, dispõe que a pena é aumentada até o dobro, se do fato poluidor resultar dano irreversível à fauna, à flora e ao meio ambiente (inc. I, alínea "a") - observem que nesta hipótese não se fala mais de perigo à incolumidade animal ou vegetal, eis que sua incolumidade já se encontra inteira e efetivamente comprometida, mas é certo, entretanto, que o dano à fauna e a flora, não raras vezes, expõe a perigo a incolumidade humana - ou lesão corporal grave (inc. I, alínea "b"), a uma só pessoa que seja, muito embora o tipo simples exija a existência de perigo à incolumidade de um número indeterminado de pessoas -; se a poluição for decorrente de atividade industrial ou de transporte (inc. II) ou, ainda, se o crime for praticado durante a noite, em Domingo ou em feriado (inc. III), o que se justifica pelo fato de que nesses períodos a vigilância do poder público é menos intensa e mais propícia, portanto, à prática da conduta poluidora (vide Paulo José da Costa Jr., Direito Penal Ecológico, Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1ª edição, 1996, p. 129).

O § 2 insculpe um delito omissivo, ao impor que "incorre no mesmo crime a autoridade competente que deixar de promover as medidas tendentes a impedir a prática das condutas acima descritas".

A responsabilidade criminal por condutas lesivas ao meio ambiente, aliada à responsabilidade civil e administrativa, que podem incidir cumulativamente sem gerar bis in idem (art. 225, § 3°, CF), logra por desencorajar as condutas causadoras de degradação e desequilíbrio do entorno, razão pela qual se destaca, providencialmente, como um importante e inafastávell instrumento de preservação e proteção ambiental.

Assim, resta-nos concluir que o art. 15 da Lei 6.938/81 tem um salutar papel a cumprir na defesa do meio ambiente e da vida digna da coletividade. Acertou o legislador ao instituí-lo e acertará, ainda mais, o magistrado, ao aplicá-lo.


Erika Bechara, Advogada em São Paulo, professora-assistente e mestranda em Direito Ambiental (PUC-SP).

BECHARA, Erika. Aspectos penais da lei da política nacional do meio ambiente. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.49, p. 11, dez. 1996.

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