domingo, 19 de janeiro de 2014

Trafico de Pessoas: A destruição de sonhos e vidas

Por Josenildo Melo
josenildomelo@bol.com.br


É degradante pensarmos na pessoa como mercadoria. Inverte totalmente a essência do que é ser humano e esvazia a pessoa da sua dignidade e do seu direito de ser livre. Com a globalização, intensificaram-se os processos de migração e de tráfico humano, uma realidade que interpela todas as pessoas de boa vontade a se indignarem, a se informarem e a buscarem os meios de erradicar esse verdadeiro crime que destrói a vida e os sonhos de muita gente, especialmente de jovens. Entrevistamos a irmã EURIDES ALVES DE OLIVEIRA (ICM), coordenadora da Rede Um Grito Pela Vida, uma rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas, vinculada à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e à CNBB.

O QUE A LEVOU A TRABALHAR COM O TEMA E A CAUSA DO TRÁFICO DE PESSOAS?

Sensível à questão dos pobres, que sempre foi a origem da minha vocação, esse compromisso foi se direcionando para a questão das mulheres. A grande incidência da violência doméstica e de uma certa forma da não participação das mulheres nos espaços públicos da sociedade e na Igreja me levou a um engajamento mais direto com a questão das mulheres vítimas da violência. Nós tínhamos muitas congregações trabalhando com a migração, com a violência contra as mulheres, com crianças e adolescentes em situação de risco, ou seja, sujeitos em potencial para o tráfico humano. Eu, pessoalmente, também não tinha noção. Alguma coisa por meio de filme ou aquela ideia estereotipada que temos sobre as mulheres que vão para a Europa e são escravizadas, mas algo bem longe de nós.

Mas então fizemos uma capacitação e essa foi um experiência que me tirou o véu. Eu me dei conta de que aquelas pessoas com quem trabalhávamos eram vítimas de violência, da exclusão, das vulnerabilidades. Eram também vítimas em potencial do tráfico e que muitos casos de tráfico estavam acontecendo bem perto de nós e não percebíamos.

FOI A PARTIR DAÍ QUE NASCEU A REDE UM GRITO PELA VIDA?
 Sim. Percebemos que o tráfico de pessoas é um mecanismo de comércio e crime que acontece longe e perto de nós. O tráfico é uma rede organizada do crime. E para enfrentá-lo também tínhamos que ter uma rede organizada de enfrentamento. Daí nós decidimos: vamos formar um grupo e vamos ser uma rede. E saímos dali com um pequeno plano, em que a meta principal era sensibilizar as nossas instituições da existência do problema.
Hoje nós temos 22 núcleos espalhados e 19 estados. Os núcleos funcionam de forma descentralizada, com as mais diversas atividades, mas o foco maior é na prevenção, na incidência política e na linha de assistência às vítimas como canais de mediação. Nos nossos espaços não há abrigos ou equipe técnica para assistência. Quando aparecem os casos, fazemos a mediação com a secretaria de saúde, com os órgãos do governo, nas casas de abrigo, nas delegacias de mulheres. Em cada localidade, vamos descobrindo onde estão os canais de apoio a esses casos.

O QUE É O TRÁFICO DE PESSOAS? Eu costumo dizer que o tráfico de seres humanos é a demonstração da irracionalidade do sistema capitalista. Infelizmente, ele é tratado na maioria das vezes apenas como um crime de ordem policial. Mas eu diria que ele é um problema difícil de se definir porque é mais uma das expressões das mazelas ou das práticas desse sistema econômico firmado no lucro e na mercantilização de tudo, especialmente na mercantilização da vida. E aí ele pode ser analisado das mais diversas formas: apenas como crime, apenas como uma questão moral, quando se trata da exploração sexual. Mas nós partimos da compreensão de que se trata de uma prática de violação dos direitos humanos, violação da dignidade das pessoas, que fere profundamente a sua integridade. Então trabalhamos a partir dos direitos humanos violados. Há toda essa dimensão da coerção da liberdade que nós devemos ter no direito civil, que é também, para nós, um direito teológico: Deus nos fez para sermos livres. Outro viés é que se trata de um negócio, que demanda ações socioeconômicas e também ação jurídica e criminalística.

ENTÃO, PARECE QUE É UM TEMA MUITO COMPLEXO...
 Não é um tema fácil. É uma realidade presente, mas que de uma certa forma fica invisível, porque aparece muitas vezes noutros guarda-chuvas: da pobreza, da exploração, das desigualdades e da discriminação de gênero, da falta de trabalho, do turismo sexual etc. Então, o tráfico de pessoas está presente em muitas situações de vulnerabilidade em que as pessoas vivem. E, sobretudo, é um mecanismo de fazer muito dinheiro., porque hoje é considerado a terceira fonte mais lucrativa do mundo e está junto com as drogas e as armas.

O QUE O LEMA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE, “É PARA A LIBERDADE QUE CRISTO NOS LIBERTOU”, NOS PROPÕE?
 São Paulo prega a boa notícia como liberdade, como contraposição a uma pseudoliberdade que escraviza. Se lermos as cartas, vamos encontrar várias recomendações contra a libertinagem, em relação à bebedeira, ao abuso de poder, etc. E diz: “isso escraviza, e é para a liberdade que Cristo nos libertou”.

Uma das questões que alimentam o crescimento da inserção das pessoas no mercado do tráfico é a cultura do prazer e do consumo. Além disso há o poder midiático de sedução para uma liberdade falsa, que busca a realização de um sonho pautado no ter, no tudo pode, que resulta muitas vezes numa frustração, num sonho de liberdade que vira pesadelo. Temos que trabalhar o sentido da liberdade. Acho que o texto do lema tem muito a ser explorado, porque a liberdade é que garante a vida, e não uma liberdade que causa a morte. 


Por que não iniciamos logo a tão adiada construção de um mundo melhor? www.mundojovem.com.br


Entrevista completa em MUNDO JOVEM – UM JORNAL DE IDEIAS – Uma publicação da Editora PUC/RS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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