quinta-feira, 9 de maio de 2013

Pesquisa: Seis em dez policiais toleram corrupção na PM

A corrupção está presente no cotidiano de 61% dos policiais militares brasileiros e se mantém viva graças ao corporativismo dos colegas de farda. É o que indica uma prévia da Pesquisa Nacional de Vitimização, conduzida pelo Ministério da Justiça e que será divulgada na íntegra em breve. Seis em cada dez PMs entrevistados afirmam que colegas fazem “vista grossa” a casos de desonestidade cometidos por agentes da corporação. Em Curitiba, esse índice chega a 67%.
INFOGRÁFICO: Veja os resultados da Pesquisa Nacional de Vitimização

O levantamento traz ainda um mapa da corrupção policial, com o Paraná na 7.ª colocação em número de vítimas de extorsão – à frente de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. No mês passado, nove policiais civis e oito policiais militares paranaenses foram presos acusados justamente de corrupção nas operações Vortex e Fractal.
Integridade
Para especialistas, o maior problema é que a tolerância dentro das corporações – e da própria sociedade – alimenta a corrupção. “A tendência é considerar a corrupção como parte natural das coisas, como um custo que temos de pagar se quisermos ter melhor prestação de serviços. Claro que isso é um erro grave”, diz Luís Antônio Francisco de Souza, coordenador do Observatório de Segurança Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
O ex-secretário nacional de Segurança, coronel José Vicente da Silva, afirma que a “integridade das corporações” tem de ser tratada como prioridade pelas polícias. As políticas contra a corrupção devem ter a mesma importância que o combate ao crime e o atendimento ao cidadão. “A integridade deve ser o alicerce da polícia. Se isso não for cuidado, o edifício pode ruir. Ou seja, o erro técnico até pode ser tolerado. O que não se pode tolerar é o erro moral, é a falha de caráter.”
Não por acaso os desvios de conduta no meio policial estão diretamente relacionados aos índices de criminalidade. “Quanto mais corrupta for uma polícia, mais problemas de violência a sociedade local vai ter. O crime verdadeiramente organizado, por exemplo, sempre tem a polícia em sua folha de pagamento”, diz Vicente da Silva.
O ex-comandante da PM do Rio de Janeiro e coordenador de segurança da ONG Viva Rio, coronel Ubiratan Ângelo, acrescenta que o policial é um reflexo de sua sociedade e ela precisa estar engajada no combate à corrupção. “A culpa é do policial ou da sociedade? É dos dois. As pessoas também têm de mudar seu comportamento e estar cientes de que, se transgredirem uma norma, deverão arcar com as consequências e não dar um jeitinho.”
Intolerância
Reação aos casos de suborno precisa ser rápida e enérgica
Para uma política de intolerância à corrupção, o caminho tem mão única: investigação e punição. As respostas aos casos comprovados precisam ser claras e diretas, com processos transparentes e isentos. Para isso, os especialistas apontam a necessidade de aparelhar as corregedorias e dar total autonomia a elas. O entrave é o corporativismo arraigado nas instituições policiais. “Encontramos uma resistência cultural dentro das polícias, que supõem que as investigações difamam ou desvalorizam a polícia. Moral da história: os que são dados a cometer esse tipo de delito se sentem fortalecidos no seio da própria instituição”, avalia o coordenador do Gaeco, Leonir Batisti.
O ex-secretário José Vicente da Silva pondera que as investigações não devem se focar apenas nos policiais de base, mas chegar à cúpula das instituições. Ele ressalta que, dentro das corporações, a impunidade fomenta a corrupção, enquanto externamente, as instituições caem em descrédito.
Como exemplo, cita a série de reportagens “Polícia Fora da Lei”, da Gazeta do Povo, que mostrou delegados e oficiais da PM do Paraná que usavam viaturas para fins particulares e revelou indícios de má-gestão de dinheiro público. “Se você der um sinal aberto para que o desvio funcional ocorra, o policial da base pode dizer ‘se o chefão pode, eu também posso’.”
O corregedor da Polícia Civil, Paulo Ernesto, nega qualquer corporativismo e garante que os casos são efetivamente apurados. “O que acontece é que as investigações, às vezes, são demoradas e o resultado não é imediato.” Procurada pela reportagem, a Corregedoria da Polícia Militar não quis se manifestar
Paraná fica a frente dos vizinhos do Sul em lista de extorsão policial
O Paraná aparece em sétimo lugar no ranking das unidades da federação onde mais ocorre extorsão policial militar, elaborado com base na prévia da Pesquisa Nacional de Vitimização, do Ministério da Justiça. O estado aparece na lista acima dos outros da região Sul. Foram ouvidos 78 mil cidadãos. Destes, 2,6% afirmaram já ter sido vítima de extorsão praticada por policial militar ou já ter sido obrigado a pagar propina. Dos que disseram terem sido extorquidos, 30,23% estão no Rio de Janeiro e 18,22%, em São Paulo. O índice do Paraná é de 4,15%, três vezes maior que o de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, ambos com 1,25%.
Com base na pesquisa, é possível ter ideia de quem mais sofre diretamente com a corrupção policial. Os casos de extorsão policial são mais frequentes entre homens (quase 80% dos casos), brancos ou pardos, com escolaridade média e na faixa etária entre 25 e 34 anos. Em relação à renda familiar mensal, as vítimas se distribuem de forma semelhante entre as que ganham de um a cinco salários mínimos.
Mácula
Para os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, essa percepção em relação à corrupção policial tem impacto direto na credibilidade que as corporações gozam perante à sociedade. O resultado é perverso: a comunidade deixa de confiar na polícia. “O que é terrível, pois em certas circunstâncias, a polícia é o único serviço público acessível à população”, diz o sociólogo Luiz Antonio Francisco de Souza.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea) do ano passado revela que 62% da sociedade confia pouco ou não confia na PM. Na Polícia Civil, o índice de desconfiança é de 60,2%.
 Baixo salário não justifica má conduta policial, diz especialista

Quem já viveu a realidade das forças policiais garante: o argumento de que o policial se corrompe porque ganha mal não se sustenta. O aspecto salarial deve entrar, sim, na discussão, mas não serve para explicar ou justificar os desvios. “Se fosse assim, não haveria deputado, senador ou juiz corruptos. Salário baixo é motivo para reivindicação, não para corrupção”, avalia o coronel Ubiratan Ângelo.
No Paraná, por exemplo, a remuneração dos policiais está hoje acima da média nacional: um soldado da PM ganha R$ 3,2 mil e um policial civil em início de carreira recebe R$ 4,5 mil.
Outro argumento que enfraquece a tese salarial é que os corruptos não se restringem apenas à base das corporações (que ganham menos), mas também aos mais altos postos. “Os delegados ganham tanto quanto um promotor e isso não impede que sejam pegos em corrupção”, observa o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) no Paraná, Leonir Batisti.
Assédio
Outra tese refutada é a de que a “proximidade” com criminosos no dia a dia seja um elemento facilitador da corrupção policial. “Temos policiais que trabalham a vida toda na corporação e nunca tiveram problemas. Isso [corrupção] é próprio de pessoas fracas de espírito”, diz o corregedor-geral da Polícia Civil, Paulo Ernesto Araújo Cunha.
Para o o coronel José Vi­­­­­cente da Silva, é preciso criar uma rede, distribuindo o controle funcional ao longo de toda a hierarquia policial. Trocando em miúdos, deve-se estabelecer uma cultura sólida dentro das instituições em que policial vigia policial.
“A supervisão tem que ser geral: do sargento e do investigador que estão na rua, ao coronel e ao delegado”, pontua.


Fonte: FELIPPE ANIBAL - Gazeta do Povo

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