segunda-feira, 15 de outubro de 2012

STF está esticando conceito de lavagem de dinheiro


Mais uma vez, na sessão desta quinta-feira (11/10) do julgamento da Ação Penal 470 — o processo do mensalão —, ministros do Supremo Tribunal Federal demonstraram preocupação com a repercussão que a decisão do tribunal terá nas instâncias inferiores da Justiça brasileira. Nesta quinta, travou-se um debate de 50 minutos sobre a interpretação que o STF está fixando em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 
No julgamento desta quarta-feira (10/10), o ministro Ricardo Lewandowski havia se mostradopreocupado com a jurisprudência fixada em torno da teoria do domínio do fato.
Neste capítulo, o sétimo da denúncia, os ministros julgam seis réus, todos acusados de lavagem de dinheiro, com exceção de Anderson Adauto, que já foi absolvido por unanimidade do crime de corrupção ativa no julgamento do item anterior. Os réus são o ex-deputado do PT Paulo Rocha e sua assessora parlamentar à época, Anita Leocádia; os ex-deputados petistas João Magno e Professor Luizinho; Anderson Adauto e seu ex-chefe de gabinete, José Luiz Alves.
“Um suspiro no âmbito do Supremo, no âmbito deste colegiado, repercute. E repercute em termos de se assentar enfoques, de se assentar jurisprudência. A meu ver, os fatos, tais como expostos pelo relator, e também pelo revisor, não são típicos sob o ângulo da lavagem do dinheiro”, afirmou o ministro Marco Aurélio, ao inaugurar o debate.
Para o ministro, o tribunal está confundindo os crimes de corrupção passiva e o de lavagem de dinheiro. O ministro chegou a dizer que tem receio de o precedente fixado pelo STF no julgamento desse caso acabe por desmoralizar a decisão. “Receio, e devo atuar com desassombro, que uma postura elastecedora do tipo penal acabe por desqualificar o nosso julgamento. Acabe por esvaziar essa quadra e essa página escrita pelo Supremo”, disse.
De acordo com Marco Aurélio, o Supremo está condenando réus que cometeram o crime de corrupção passiva também por lavagem de dinheiro. O crime de lavagem de dinheiro, porém, exige dolo. Ou seja, o réu tem de ter ciência ou ao menos desconfiar que o dinheiro que recebeu é produto de um crime. E ter a intenção de dissimular a origem criminosa do dinheiro e reinseri-lo na vida cotidiana com aparência de dinheiro limpo. O ministro acredita que, em muitos dos casos, isso não aconteceu.
“A não ser que se utilize o fenômeno ocultar de forma polivalente para alcançar, em ato único, não só a corrupção na modalidade receber, presente o exaurimento desse crime, como também, em duplicidade inconcebível sob o ângulo penal, a consubstanciar também a lavagem de dinheiro”, afirmou. Trocando em miúdos, Marco Aurélio alerta que réus não podem ser condenados por dois crimes quando cometeram apenas um.
O ministro citou o caso de João Paulo Cunha e disse que muito se fala que as pessoas que receberam o dinheiro teriam se utilizado de intermediários. “Mas pergunta-se? Os intermediários receberam em nome próprio para, posteriormente, como se esse recebimento desse aparência de legitimidade às quantias, repassá-las aos destinatários? Não! Não receberam em nome próprio”, lembrou.
Marco Aurélio defendeu que é necessário distinguir o vocábulo ocultar presente na corrupção passiva da ocultação — exigida pela Lei de Lavagem de Dinheiro para que esteja configurado o crime de lavagem. O ministro afirmou que o assusta “brandir que, no caso da lavagem de dinheiro, contenta-se a ordem jurídica com o dolo eventual”.
E fez um alerta a advogados: “Não quero assustar os criminalistas. Mas vislumbro que teremos muitas ações penais contra os criminalistas, no que são contratados por réus de delitos até gravíssimos. E claro que poderão supor que os honorários, os valores estampados nos honorários, são provenientes de crimes. Crimes praticados por traficantes, por contraventores e por outros criminosos”.
O ministro fez referência ao caso do deputado José Borba, ex-líder do PMDB na Câmara, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Marco Aurélio o absolveu por lavagem de dinheiro, por entender que o ato de receber o dinheiro configurava apenas corrupção passiva.
Disse o ministro: “Um dos acusados, inclusive, deputado federal, compareceu à agência, se identificou com a carteira da Câmara dos Deputados. E aí, quando o empregado do banco pediu a carteira para tirar uma cópia, recusou-se a permitir que essa cópia fosse extraída. Quando lhe pediram para assinar no verso do fac-símile, dando instrução para a entrega do numerário, que recebera o numerário, ele, implicitamente, disse: ‘Não, não passo recibo’. Considerando o perfil de corrupto passivo, se passasse iria documentar a corrupção passiva”.
Ainda segundo Marco Aurélio, o “tema lavagem de dinheiro está a exigir, está a cobrar dos integrantes do tribunal uma reflexão, sob pena de um elastecimento enorme do instituto lavagem de dinheiro”. Para o ministro, “toda vez que se exagera na busca da aplicação da lei, essa lei tende a ficar desmoralizada pelo barateamento”.
O ministro Luiz Fux pediu a palavra e disse que comunga das preocupações de Marco Aurélio. Fux disse que “é preciso, nesse julgamento, que o Supremo Tribunal Federal faça uma opção doutrinária pelo que entende do delito de lavagem de dinheiro”.
De acordo com o ministro, se, por um lado, é preocupante o elastecimento, “por outro lado, também é extremamente preocupante nulificar-se uma figura nova que surgiu exatamente para exacerbar o combate a novos delitos econômicos”. Fux defendeu que “esses delitos representam uma dificuldade na aferição do elemento subjetivo e essa dificuldade não pode se operar pró réu”. Para ele, “isso não pode ser um estímulo à prática do ilícito”.
A discussão tomou conta do plenário. Os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli saíram em defesa da posição de Marco Aurélio. Fux havia dito que o Supremo não pode dar uma carta de alforria para acusados por lavagem de dinheiro. Ao que Lewandowski respondeu: “Concordo com Vossa Excelência. Mas também não podemos dar uma carta de alforria para o Ministério Público, que tem de provar o dolo”.
Os ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello — que ainda não votou — fizeram observações encampando, ao menos em parte, a tese defendida por Luiz Fux. Depois da discussão, o presidente Ayres Britto chamou o intervalo da sessão. O julgamento desse capítulo será concluído apenas na segunda-feira (15/10).
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 11 de outubro de 2012

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