sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Artigo: Justiça para as vítimas

O Estado tem o dever de reprimir os comportamentos ilícitos na estrita medida do necessário para a convivência social com o limite indeclinável da culpa, mas também o dever de promover a reparação do dano causado à vítima. Para alcançar este objectivo, há que colocar as vítimas no centro da política de justiça.
Esta política deve assentar desde logo na consagração de novos direitos de protecção e intervenção da vítima. É imperioso criar um conjunto articulado de novos mecanismos que reparem a vítima do dano que lhe foi causado e retirem ao infractor o lucro que obteve com a infracção. No direito penal, deve consagrar-se a "sanção-reparação", isto é, uma pena indemnizatória de terceira via, que consiste na reparação do dano causado ao ofendido. No direito civil, deve reconhecer-se plenamente a "indemnização punitiva", com vista a que indemnização esgote o valor do lucro obtido com a prática do acto ilícito, mesmo quando esse lucro vá além do dano causado à vítima, pois a diferença entre o lucro obtido e a indemnização estrita do dano representa presentemente um incentivo à prática do ilícito. No direito processual, devem ser reforçados os direitos de participação da vítima no processo, designadamente na interposição de recurso de decisões que afectem a sua posição processual.
Concomitantemente, impõe-se aprovar um novo regime dos criminosos perigosos, incrementando o uso de penas relativamente indeterminadas em função da avaliação científica do grau de perigosidade do agente. É urgente rever o modelo das medidas de segurança e da reincidência, como fizeram os alemães em 1998 e os franceses em 2007 com sucesso, uma vez que o sistema nacional permanece o mesmo desde 1982.
A nova política criminal não implica o abandono do modelo de processo penal consagrado em 1987. Ao invés, ela impõe o seu aprofundamento, reformando significativamente as formas alternativas de processo e as fases de instrução e de recursos, mas mantendo a fidelidade do modelo processual aos princípios básicos da acusação e da imediação. O modelo reformado deve consagrar um regime adequado de segredo de justiça e de aquisição dos meios de prova. É preciso instituir um sistema de prova equilibrado que não ponha em causa a própria investigação, mas simultaneamente garanta o princípio do contraditório.
Este aprofundamento do modelo processual deve casar-se com uma revisão séria da lei-quadro da política criminal, visando uma definição realista e pragmática dos objectivos e regras de actuação do Ministério Público, designadamente no que respeita à promoção de formas alternativas de processo, medidas de coacção e sanções. A nova política criminal deve incluir a aprovação de uma lei de bases gerais de reinserção social, assente no acompanhamento dos criminosos que envolva a comunidade e os organismos pluridisciplinares, e de uma lei geral da vigilância electrónica que regule detalhadamente as suas vertentes preventiva e repressiva e abranja a vigilância electrónica com GPS para os casos mais graves.
Uma especial atenção deve ser dada aos jovens. Para prevenir a entrada dos jovens na senda do crime e auxiliar aqueles que nesta já se encontram, impõem-se a reformulação do sistema laxista de protecção e promoção das crianças e dos menores em risco, a revisão do regime criminal minimalista dos jovens delinquentes, a reorganização das comissões de prevenção e tratamento de toxicodependentes e a requalificação dos centros educativos dos menores de 16 anos.

por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE. Em Sapo.com

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