sexta-feira, 26 de junho de 2009

Jurisprudência - Tribunais Regionais Federais - Junho

Jurisprudência Anotada

Processo penal. Evasão de divisas. Norma penal em branco.

“(...) Somente com a reformulação da política cambial é que o Banco Central passou a dispensar dados sobre depósitos mantidos no exterior a partir de determinados valores (2001: R$ 200.000,00; 2002: R$ 300.000,00, e, desde 2003, US$ 100.000,00). Assim, não se poderá cogitar de retroatividade desses limites para os fatos anteriores às respectivas circulares do Bacen, ante o caráter excepcional dessas normativas, devendo, pois, ser aplicada a regra da ultratividade, segundo a máxima tempus regit actum” (TRF 4ª R. - 8ª T. - AP 2003.70.00.051539-8 - rel. Paulo Afonso Brum Vaz - j. 06.05.2009 - DE 13.05.2009).

O art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 é norma penal em branco, que necessita ser complementada pelas circulares editadas pelo Banco Central para ter eficácia jurídica. Tais normativos complementares são parte integrante do tipo penal, pois imprescindíveis para delimitar as condutas delituosas, e, bem por isso, devem retroagir em benefício do réu (v. Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, Saraiva, São Paulo, 2008, vol. I, tomo I, p. 212 e Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 200/201).

Muito embora a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região tenha firmado entendimento no sentido de que “não se poderá cogitar de retroatividade desses limites para os fatos anteriores às respectivas circulares do Bacen, ante o caráter excepcional dessas normativas” (AP 2000.71.00.021894-0, rel. des. federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJe 16.05.2007 e AP 200570000089035, rel. des. federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJe 18.02.2009) tal posicionamento poderia ser reavaliado, em respeito ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (arts. 5º, XL, da CF e 2º do CP).

Uma parte da doutrina entende pela excepcionalidade das normas complementares ao art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 e, consequentemente, pela sua não retroatividade, nos termos do art. 3º do Código Penal (v. Andrei Zenkner Schmidt e Luciano Feldens, O Crime de Evasão de Divisas, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 156/158). No entanto, há uma outra parte da doutrina que entende o contrário (v. Celso Delmanto et al., Código Penal Comentado, 7ª ed., Rio de Janeiro : Renovar, 2007, p. 28/29), já que tais normativos não são editados para disciplinar o mercado em certas épocas ou situações, como ocorreu no passado com o caso do tabelamento de preços (sobre o caráter excepcional dos normativos do tabelamento de preços, v. STF, HC 68.904/SP, rel. min. Carlos Velloso, DJU 3.4.1992, p. 4.290).

Além disso, a evasão de divisas é considerado crime permanente, que perdura enquanto forem mantidos os depósitos no exterior. Ora, se a manutenção de determinado valor no exterior deixa de ser considerada ilícita pelo Banco Central pela edição de Circular mais favorável, as condutas praticadas anteriormente devem ser consideradas atípicas, pelo princípio da retroatividade da lei penal benéfica (v. Celso Delmanto et al., Código Penal Comentado, 7ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 28/29). A norma extrapenal que favorece o agente deve retroagir, independentemente de ter sido originada de outra fonte legislativa, pois “não seria lógico que o próprio Estado, por outro dos seus poderes” insistisse na punição de “alguém por um delito que deixou de o ser ou fizesse empenho em conservar, na aplicação das penas, a mesma severidade que entendera excessiva” (Basileu Garcia, Instituições..., vol . I, tomo I, p. 205).

Cecília Tripodi

Penal. Art. 183, da L. 9.472/97. Crime de perigo abstrato. Inexistência de lesividade. Absolvição.

“A concepção moderna do tipo reconhece a existência de um tipo material, além do tipo formal, o que significa dizer que deverá haver efetiva afetação (consubstanciada em lesão ou risco de lesão) ao bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora. No caso dos autos, não se provou que o equipamento apreendido de fato colocou em risco as telecomunicações, eis que o laudo pericial informou que seu funcionamento era parcial, porque avariado, além da baixa potência com que trabalharia caso funcionasse” (TRF 2ª R. - 2ª T. - AP 2005.50.00.009606-0 - rel. Messod Azulay Neto - j. 17.03.2009 - DJU 24.03.2009).

Penal. Cartão clonado. Diferenciação. Estelionato e furto mediante fraude.

“O agente utiliza-se de um artifício (cartão clonado) para induzir a erro aquele que é responsável pela guarda do bem (Caixa Econômica Federal), gerando prejuízo à vítima, e, a um só tempo, logrando vantagem patrimonial. A entrega de valores ocorre de forma voluntária pela instituição financeira, embora o faça sob erro. Ela disponibiliza valores àquele que se apresenta como titular da conta, presumindo-o como tal em virtude da apresentação da senha bancária. Nessa figura típica, a fraude é anterior à entrega do bem, necessariamente. Não há que se confundir esse comportamento com o crime de furto qualificado mediante fraude, na medida em que, nesse delito, os valores são subtraídos sem qualquer conhecimento por parte da vítima, a qual, por força do artifício ou ardil, não percebe que o agente está retirando determinados valores da sua esfera de proteção. A fraude, pois, é concomitante ao desapossamento do bem. É elemento ilusório que permite a ação do criminoso. O delito de estelionato consuma-se no momento e no local em que o agente consegue a vantagem indevida que, na hipótese, ocorreu na cidade de São Paulo” (TRF 3ª R. - 1ª S. - CJ 2008.03.00.032752-6 - rel. Ramza Tartuce - j. 15.01.2009 - DJU 14.05.2009).

Penal. Importação clandestina de combustível. Insignificância reconhecida.

“O delito insculpido no artigo 56 da Lei nº 9.605/98 é norma especial em relação ao crime de contrabando, caso envolva a importação de substância tóxica, perigosa ou nociva. Dessa forma, o ingresso em território pátrio de gasolina, oriunda de país estrangeiro, configura o delito do art. 56 da Lei nº 9.605/98. (...) A tese da insignificância em crimes ambientais, deve ser aplicada com cautela. Na espécie, verifica-se que o recorrido importou, transportou e armazenou irregularmente 60 litros de gasolina, avaliados em R$ 168,00 (...). Portanto, na espécie, pode-se ter como ínfima a ofensa ao bem jurídico meio ambiente ou à proteção social ambiental, já que o potencial lesivo da conduta e do material transportado, seja pela quantidade de combustível, seja pelo valor dos tributos eventualmente iludidos, mostra-se apto a afastar a intervenção do direito penal. Inexistindo justa causa para o prosseguimento do feito, em vista da configuração do caráter bagatelar da conduta, impõe-se o arquivamento do feito (...)” (TRF 4ª R. - 4ª S. - EI 200771030027020 - rel. Néfi Cordeiro - j. 16.04.2009 - DJU 07.05.2009).

Penal. Descaminho. Art. 334 do CP. Falta de indicação na denúncia do valor dos tributos sonegados. Dúvida quanto à tipicidade do fato. Insignificância. Absolvição

“Considerando que o objeto material do delito de descaminho é a ausência de pagamento do imposto devido pela importação de produtos, mas inexistindo na denúncia descrição pormenorizada do quantum de tributo elidido, e não havendo sido trazidos pelo Ministério Público, durante a instrução do processo maiores informações a respeito da matéria, verifica-se a insuficiência de elementos probatórios para ensejar a condenação, pois persiste dúvida razoável quanto à tipicidade ou não do fato, tendo em conta a impossibilidade de aferição do princípio da insignificância jurídica” (TRF 4ª R. - 8ª T. - AP 2004.70.01.010319-0 - rel. Élcio Pinheiro de Castro - j. 06.05.2009 - DE 14.05.2009).

Penal. Falso testemunho. Dúvida. Absolvição.

“Para fins de comprovação do crime de falso testemunho (art. 342 do CP), necessário que reste demonstrada a dissensão entre o depoimento e a ciência da testemunha (teoria subjetiva), e não a mera existência de contraste entre o depoimento da testemunha e o que efetivamente sucedeu (teoria objetiva). Inexistindo prova segura nos autos de que o acusado, de forma livre e consciente, fez afirmação falsa sobre ponto relevante em processo judicial, visando prejudicar a correta distribuição da justiça, remanescendo dúvida acerca da veracidade das afirmações prestadas em juízo, a absolvição se impõe com base no princípio in dubio pro reo”(TRF 4ª R. - 7ª T. - AP 2006.72.05.004307-6 - rel. Tadaaqui Hirose - j. 23.04.2009 - DJU 30.04.2009).

Penal. Omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias. Art. 168-A do CP. Dificuldades financeiras. Hospital. Inexigibilidade de conduta diversa. Absolvição.

“A jurisprudência tem se inclinado a tolerar, sob o aspecto criminal, que hospitais, ainda que não exclusivamente filantrópicos, em face da carência de seus recursos, sacrifiquem os valores destinados à Previdência Social em favor da manutenção de suas atividades essenciais. (...) No crime de apropriação indébita previdenciária, a comprovação de alegadas dificuldades econômicas do empreendimento administrado pelo acusado justifica a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa” (TRF 4ª R. - 8ª T. - AP 2008.71.16.000136-8 - rel. Paulo Afonso Brum Vaz - j. 22.04.2009 - DJU 07.05.2009).

Penal. Moeda falsa. Princípio da insignificância.

“Segundo a jurisprudência, ainda que consciente da falsidade, aplicando o princípio da insignificância, é de se absolver o réu que não pôs em circulação, mas apenas guardava na carteira uma cédula de R$ 10,00 (dez reais), se não há ofensa à fé pública em razão do valor ínfimo da moeda falsa” (TRF 5ª R. - 4ª T. - AP 2004.81.00.012552-1 - rel. Marcelo Navarro - j. 24.03.2009 - DJU 17.04.2009).

Penal. Uso de documento falso. Passaporte adulterado. Crime impossível.

“Sendo o acusado cidadão inglês e, por conseguinte, igualmente o seu passaporte, poderia ele ter solicitado junto às autoridades daquele país um novo documento, até mesmo sob o manto de seu extravio, ocasionando, desta forma, a burla ao sistema migratório brasileiro, sem qualquer necessidade de adulteração do seu documento, com a retirada da folha que continha a obrigação administrativa que lhe fora aplicada pela extrapolação do prazo de permanência em território brasileiro. Ademais, trabalhar com a hipótese do sistema informatizado não estar em seu funcionamento, e assim não sendo detectada a obrigação devida, acarretaria em aceitar-se a hipótese do funcionário, mesmo com a apresentação do documento incólume, não visualizar a anotação suprimida, da mesma forma que não verificou, de imediato, a ausência daquela página. Tem-se, então, pertinente a aplicação do instituto pretendido, tendo em vista que a impossibilidade de consumação do crime é caracterizada pelo meio utilizado para atingir o objetivo delituoso. (...) No caso em tela, ainda que pudessem ocorrer falhas no sistema informatizado, não há como se dizer que o meio utilizado pelo réu seria, como não o foi, idôneo para consumar o delito, tanto que a autoridade brasileira identificou a obrigação administrativa que ele pretendia omitir” (TRF 5ª R. - 4ª T. - AP 2008.84.00.001783-9 - rel. Margarida Cantarelli - j. 31.03.2009 - DJU 17.04.2009).

Processo penal. Sequestro de bens. Prazo. Razoabilidade.

“De acordo com o prescrito na Lei nº 9.613/98 (art. 4º, § 1), o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a propositura da ação penal não é peremptório, devendo ser observadas as peculiaridades do caso concreto. Entretanto, não se mostra razoável que os atos assecuratórios prolonguem-se no tempo ad eternum, sem qualquer perspectiva de conclusão. O sequestro patrimonial, no processo penal, tem natureza assecuratória preventiva, objetivando resguardar a indenização da vítima, impossibilitar ao agente que tenha lucro com a atividade criminosa ou assegurar o pagamento de eventuais e futuras penas pecuniárias. Sua decretação, além de possuir finalidade diversa da busca e apreensão, está sujeita a requisitos próprios” (TRF 4ª R. - 8ª T. - AP 2008.71.07.004249-7 - rel. Paulo Afonso Brum Vaz - j. 06.05.2009 - DJU 13.05.2009).

Processo penal. Justa causa. Denúncia. Descrição de todos os elementos constitutivos do ilícito. (Art. 168-A, do CP).

“Para a persecução do crime em estudo, imprescindível a narrativa na denúncia alusiva ao dolo ofensivo a esta fonte de receita da autarquia, em que se noticie a burla, mediante fraude, no todo ou em parte, do recolhimento dos tributos (tudo com o intuito de um lucro patrimonial em detrimento da Seguridade Social). Sabido e consabido que dolo é vontade, e que a vontade pressupõe aprioristicamente o poder de realizar escolhas (v.g., a de pagar ou de não pagar determinado tributo), tenho por induvidoso ser do Ministério Público Federal o encargo probatório mínimo (justa causa para a ação) concernente às condições materiais da empresa, diante das quais, pretensamente favoráveis, os seus sócios teriam deliberado não efetuar o repasse do dinheiro ao INSS — e tal demonstração — mesmo frágil, e apenas para deflagrar o processo — não há” (TRF 5ª R. - TP - EI 2004.81.00.004848-4/02 - rel. Manoel de Oliveira Erhardt - rel. p/acórdão Paulo Roberto de Oliveira Lima - j. 07.01.2009 - DJU 30.04.2009).

Processol penal. Prisão cautelar. Fundamentação. Reiteração da conduta

“Diz o senso comum que, uma vez alçado à condição de réu em processo penal por determinado crime, não parece exatamente provável que alguém voltasse a cometer — durante a tramitação, eu registro — a mesma infração pela qual está sendo processado. Pode acontecer? Claro que pode. Mas é provável? Não, não é. No fim de contas, parece-me também induvidoso que a burocracia autárquica pode, deve e tem totais condições de, por si, diligenciar contra o cometimento de antigas e novas irregularidades. Vai daí, finalmente, a fragilidade da tese de ameaça à ordem pública, pretensamente consubstanciada na mencionada reiteração criminosa, que, para dar ensanchas à custódia cautelar, repito, dependeria de algo mais que não uma mera e solta alegação; dependeria da demonstração concreta, efetiva, de que novos crimes seriam mais do que uma hipótese fática, senão eventos prováveis que se avizinhassem” (TRF 5ª R. - 3ª T. - RSE 2009.05.00.000634-2 - rel. Paulo Roberto de Oliveira Lima - j. 16.04.2009 - DJU 29.04.2009).

Processo penal. Excesso de prazo. Ocorrência. 50 dias sem encerramento do inquérito policial.

“Entrementes, a questão sub judice envolve pacientes que foram presos em flagrante delito, situação a qual autoriza a aplicação de prazo reduzido para término do inquérito respectivo e consequente oferecimento da denúncia, sendo cabível o prazo de 10 (dez) dias para tanto, nos termos do que preceitua o art. 10 do Código de Processo Penal. (...) As particularidades que envolvem o caso concreto denotam que transcorreu mais de 50 (cinquenta) dias sem que houvesse o encerramento do inquérito e o oferecimento da denúncia” (TRF 5ª R. - 2ª T. - HC 2008.05.00.109653-0 - rel. Manuel Maia - j. 31.03.2009 - DJU 22.04.2009).

Processo penal. Inépcia da denúncia. Estelionato. Meio fraudulento.

“Não se dá ensejo ao processo, neste passo, sem que todas as elementares de uma figura penal estejam minimamente referidas; tal o que sucede quando, à guisa de se promover persecução pelo crime de estelionato, não se faz a alusão ao meio fraudulento com o qual a vítima, em erro, teria ensejado a obtenção de vantagem pelo agente, a qual, se houve, não se pode, por isso mesmo, qualificar como ilícita. (...) Em cenário como o narrado, a denúncia deveria ter-se ocupado de descrever onde estaria a ilicitude na concessão do benefício (não haveria a doença? não teria ela o condão de incapacitar para o trabalho, mesmo em caráter precário? houve perícia falsa? seria este o meio fraudulento que induzira o INSS a erro? aliás, houve mesmo erro?), mas tal narrativa não ocorreu” (TRF 5ª R. - 3ª T. - RSE 2007.82.00.000722-9 - rel. Paulo Machado Cordeiro - j. 12.03.2009 - DJU 17.04.2009).

Jurisprudência compilada por Camila Vargas do Amaral, Danyelle da Silva Galvão, José Carlos Abissamra Filho, Karla Lini Maeji, Marcela Venturini Diório e Vinicius Scatinho Lapetina.

IBCCRIM.

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