quinta-feira, 2 de abril de 2009

Artigo: A ordem de sustentação oral nos processos criminais perante os tribunais: uma leitura acerca do espectro do que decidido pelo STF no HC nº 87.

Verdadeiro leading case acerca do tema, no julgamento do HC nº 87.926-SP (relator ministro Cezar Peluso, Plenário, julgado em 20.02.2008, publicado no DJ em 25.04.2008), em que se debatiam procedimentos havidos em ação penal pública, decidiu-se que, em caso de haver recurso exclusivo da acusação, o representante do Ministério Público, mesmo que na qualidade de custos legis (para o e. relator, o Ministério Público é sempre parte na ação penal, em qualquer grau de jurisdição), deve se manifestar na sessão de julgamento antes da sustentação oral da defesa, como forma de concretizar o princípio do devido processo legal, a cujo âmbito pertencem as garantias da ampla defesa e, especialmente, do contraditório (art. 5º, LIV e LV, CF). Além disto, definiu-se que o direito de a defesa falar por último na situação concreta (recurso exclusivo da acusação) era imperativo que decorria do próprio sistema, e que eventual inversão na ordem acarretaria (necessariamente) prejuízo à plenitude da defesa. Reconheceu-se, portanto, naquela situação, que o disposto no parágrafo único do art. 610 do CPP viola o devido processo legal.

Do que se compreende do voto do eminente relator, ministro Cezar Peluso, defendeu sua excelência (o que não estava em pauta no julgamento do caso concreto, pois a discussão era a ordem de sustentação quando houvesse recurso exclusivo da acusação) que o “ainda que invoque a qualidade de custos legis, o representante do Ministério Público deve sempre pronunciar-se, na sessão de julgamento de recurso, antes da sustentação oral da defesa(p. 7 do voto). Enfatizou, em seguida, que entende que “fere, igualmente, as garantias da defesa todo expediente que impeça o acusado de, por meio do defensor, usar a palavra por último, em sustentação oral, sobretudo nos casos de julgamento de recurso exclusivo da acusação” (p. 8 do voto).

Cremos estar acertada a decisão quanto à conclusão no sentido de que, no caso concreto, a sustentação oral deveria ser feita primeiramente pelo Ministério Público, mesmo quando, eventualmente, não se defendesse a tese objeto do recurso acusatório (Princípio da Independência Funcional – art. 4º da LC 75/93 e art. 1º, parágrafo único, Lei 8.625/93). Não nos restam dúvidas: à luz de uma Constituição garantista (na verdadeira concepção e acepção do termo, buscada na origem dos ensinamentos de Ferrajoli), quando se tratar de recurso exclusivo da acusação, o contraditório impõe que a defesa fale por último, como se dá no curso normal do processo penal até ser exarada decisão (seja em primeiro grau ou nos tribunais). Compreendemos que o princípio do contraditório — mais ele que a própria invocação do princípio da ampla defesa —pressupõe exatamente seja garantida à defesa a possibilidade de rebater as teses acusatórias. E para rebater a cronologia é óbvia: deve falar por último. Claro: se no curso do processo penal houver alguma inversão da ordem dos atos, há se analisar se a inversão efetivamente importou em prejuízo (notadamente) à defesa.

Ulteriormente, referido entendimento restou também sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça, que, embora não reconhecendo nulidade no caso concreto, reafirmou: “Processual penal. Recurso Especial. Alegada violação ao art. 619 do CPP. Inocorrência. Apelação interposta pela defesa. Sustentação oral. Inversão da ordem cronológica. Súmula 284 do Pretório Excelso e Súmula 07 desta Corte. Precedente do Pretório Excelso. Prerrogativa da defesa de se manifestar por último. [...] IV - Em consonância com recente entendimento firmado pelo Pretório Excelso (HC 87.926/SP, Tribunal Pleno, rel. min. Cezar Peluso), o pleno exercício do contraditório assegura à defesa o uso da palavra por último, no caso de realização de sustentação oral. Recurso especial não-conhecido” (Recurso Especial n. 966.462/RJ, relator ministro Félix Fischer, 5ª Turma, unânime, julgado em 07.08.2008, publicado no DJ em 10.11.2008).

É de se ver que, pela ementa, o Superior Tribunal de Justiça parece ter ido além do que firmado no precedente invocado. Salvo melhor juízo, deflui que o STJ acabou reconhecendo que sempre o parquet deverá falar por último. Como de modo reiterado será dito aqui (porque, parece, os tribunais já de algum tempo estão se vinculando muitas vezes mais à ementa que ao que efetivamente decidido ou diante das peculiaridades do caso concreto), no julgado do STF, em nossa leitura, o único voto que defendeu explicitamente a necessidade de sempre o Ministério Público falar primeiro foi o do relator, ministro Peluso. Nenhum dos demais integrantes do julgado na Corte Suprema aderiu a tal posicionamento, muito menos foi objeto de deliberação (eis que, como dito, a cognição do caso concreto impunha limites: trata-se de caso em que o recurso era exclusivo da acusação).

Frisando-se haver total concordância com as conclusões da Corte Suprema para o caso concreto antes mencionado, mister destacar que se ousa discordar dos argumentos do voto-condutor no sentido de que o Ministério Público deverá falar sempre antes da defesa (embora, reitere-se, esse não fosse o tema posto em debate no caso, em que se discutia a ordem da sustentação oral quando houvesse recurso exclusivo da acusação). Em nossa compreensão, ao menos da leitura da íntegra do julgado, nenhum dos demais votos proferidos naquela assentada, assentou explicitamente tal linha de raciocínio.

De qualquer forma, com todas as vênias, assim não nos parece a melhor hermenêutica, a adotada pelo ministro relator, como fórmula genérica para a questão ora em debate. Consta do voto do relator que “o direito de a defesa falar por último decorre, aliás, do próprio sistema normativo como se vê, sem esforço, a diversos preceitos do Código de Processo Penal. As testemunhas da acusação são ouvidas antes das arroladas pela defesa (art. 396, caput). É conferida vista dos autos ao Ministério Público e, só depois, à defesa, para requerer diligências complementares (art. 499), bem como para apresentação de alegações finais (art. 500, incs. I e III). A defesa manifesta-se depois do Ministério Público ainda quando funcione este apenas como custos legis, o que ocorre nas ações penais de conhecimento, de natureza condenatória, de iniciativa privada: determina o art. 500, § 2º, que o Ministério Público, nesses casos, tenha vista dos autos depois do querelante — e, portanto, antes do querelado.” As premissas são verdadeiras, não nos restam dúvidas. Mas não podem levar a conclusões automáticas se não for incluída uma (outra) premissa, que pode variar conforme o desiderato do processo penal. Com efeito, a garantia de a defesa falar por último decorre como corolário especialmente do contraditório (também, de certa forma, da ampla defesa) quando está em busca, pela acusação, de uma pretensão condenatória (embora, como bem dito no voto do ministro Carlos Britto no precedente em análise, o parquet não pode jamais ser “confundido com um raivoso órgão de acusação”, o que justifica o seu dever de postular a absolvição se assim entender como correto). Mas se a pretensão à condenação for atendida (e aqui se apresenta a premissa que temos por relevante incluir no raciocínio silogístico, como uma variante possível), eventual ataque à decisão será feita pela defesa (melhor dizendo em favor da defesa, porque o parquet também tem legitimidade e interesse para recorrer em prol do réu). A pretensão acusatória mediante a observância do devido processo legal foi realizada, com a defesa falando sempre por último. Não por outro motivo que, corretamente em nossa compreensão, o interrogatório (principal meio de defesa) foi hoje incluído no sistema do CPP como último ato do processo. Observe-se bem: todas as normas invocadas pelo e. ministro Peluso (suas premissas) referem-se ao procedimento adotado na formação da culpa em primeiro grau de jurisdição. Tem razão, no ponto. Até a sentença, inviável se falar em inversão do procedimento, devendo a acusação sempre apresentar seus argumentos para permitir que a defesa, querendo, contra-argumente a pretensão persecutória(1). Garantir que a defesa fale por último quando da sustentação oral em havendo recurso exclusivo da acusação é corolário inafastável da ampla defesa. Repete-se: correta a decisão no caso concreto.

Contudo, a partir das premissas anteriores, foi-se além (e de forma equivocada, pensamos) ao ponto de restar plasmado no posicionamento (ao menos do relator) que regras legais, concatenadas com os princípios do contraditório e ampla defesa, imporiam sempre ao parquet falar por último.

Não pode ser assim, com o devido respeito. É que, no momento em que o recurso é exclusivo da defesa, entendemos que não se pode mais adotar o mesmo raciocínio até então desenvolvido. É dizer: se a pretensão está no desfazimento da decisão condenatória, o ataque (à sentença) agora é feito (apenas) pela defesa, não mais pela acusação (mediante a denúncia, acolhida pelo julgado, total ou parcialmente). A propósito, o ministro Carlos Britto, em seu voto no julgado em comento, bem apreendeu essa questão, quando disse que “a defesa tem de falar por último, senão não é defesa. A defesa pressupõe um ataque. Quem ataca tem precedência lógica na ordem dos acontecimentos, na ordem da conduta. Só se fala de defesa em função do ataque; só se fala de reação em função de ação; só se fala de contrabater em função de uma agressão; alguém bate e alguém vai contrabater, vai reagir. Então, é elementar, em processo penal, que o órgão de acusação fale primeiro e os advogados de defesa falem por último”.

Em nossa interpretação, quando o recurso for exclusivo da defesa, sem desbordar em absolutamente nada do princípio do contraditório, a paridade de armas (par conditio) impõe que, neste caso, o Ministério Público tenha a oportunidade de contraditar o que pretende a defesa. O ataque não é mais do titular da ação penal, mas do réu (ou melhor, em favor do réu), que não concorda com a decisão exarada em seu desfavor. Noutras palavras, a defesa (ou quem recorre em seu favor) deverá, sim, falar por último, porque o que está em jogo, nesse momento, é a pretensão exclusiva da defesa, não mais da acusação, já atendida (é verdade que de forma provisória, mas atendida). A pretensão (à condenação, mesmo que parcial) não é mais acusatória, mas defensiva (nulidade, absolvição ou, se menos, redução da condenação). Querer que o Ministério Público fale sempre antes da defesa em hipótese de recurso exclusivo da defesa gerará necessidade de o parquet ter que adivinhar o que a defesa pretende desenvolver em sua defesa oral. Não lhe será permitido contraditar nada, mas tentar contraditar com base em meras conjecturas do que, efetivamente, poderá ser dito da tribuna ou eventualmente colocado no recurso em prol da defesa (não há de se esquecer: a sustentação oral é apenas um reforço ao recurso já posto nos autos). Uma inversão lógica das coisas, maxima venia. É dar-se armas diversas para partes, quebrando a paridade do (verdadeiro) devido processo legal e em prejuízo da acusação (art. 563, CPP).

É verdade que pode acontecer, e seguidamente ocorre (e esse o ponto que se pretende explorar a partir do precedente), que a pretensão acusatória seja acolhida parcialmente, estando para análise em órgão recursal superior inconformidade de ambas as partes: da acusação e da defesa. Tem-se visto alguns posicionamentos de tribunais no sentido da aplicação quase cartesiana do precedente antes citado (HC nº 87.926-SP) — aliás, não raro isso tem ocorrido, pela mera repetição das ementas, sem que se acorra pelo menos aos fundamentos do debate — no sentido de que, havendo também recurso do Ministério Público (qualquer que seja a pretensão deduzida) ou então do assistente (que atua de forma supletiva), falará sempre o parquet primeiro na sustentação oral perante o julgamento na Corte recursal. Data venia, novo equívoco, decorrente da falha na elaboração das premissas e, também, em equívocos decorrentes de falácias interpretativas. Há muito entendemos como pertinentes — e aqui reiteramos — os ensinamentos de Laurence Tribe e Michael Dorf(2), que destacam que o intérprete não pode incidir em duas falácias interpretativas fundamentais (two interpretive fallacies): a dis-integration e a hy­perintegration. Incide-se na falácia da dis-integration quando se analisa a Constituição (ou a lei stricto sensu) como sendo um feixe desconectado de princípios, valores e regras (dizemos ainda, como um desdobramento: de seus sentidos). A hyperintegration se verifica quando o intérprete tem uma visão limitada da amplitude do conjunto da obra constitucional (ou dos fins de seus preceitos), restringindo-se a compreendê-la como uma rede, porém sem qualquer costura, decorrente de nítida postura reducionista. Os julgados que estão assentando que, em casos de recursos do Ministério Público e da defesa, falará sempre primeiro a acusação, incidem nas duas grandes armadilhas argumentativas, com todas as vênias de estilo.

Prosseguindo, parece-nos que a solução deva passar pela compabilização da situação sob análise (recursos de ambas partes, acusação e defesa) ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal (nos limites postos naquele precedente, dizemos insistentemente).

Já adiantamos (e depois fundamentaremos) como deva ser adotado o procedimento: a) em relação ao recurso do Ministério Público ou da assistência, deverá se manifestar no tribunal, em primeiro lugar, o parquet. Mas limitado a falar inicialmente sobre esse recurso; b) depois, falará a defesa, contraditando o recurso do parquet e defendendo o seu recurso (a ordem de como fazer, escolhe a defesa); c) por fim, novamente deverá ser conferida palavra ao Ministério Público para que se manifeste unicamente sobre o recurso da defesa. É dizer: precisa-se garantir o (verdadeiro) contraditório em relação à pretensão deduzida pela defesa.

Em caso de haver mínimo avanço destes limites para além do que previamente estabelecido (limites do pedido recursal) por qualquer um dos que estejam fazendo a defesa oral perante o tribunal, deverá ser concedida oportunidade à parte adversa a se manifestar novamente (como garantia exatamente do princípio do contraditório). Ou seja, se em sua segunda manifestação (propiciada para falar unicamente sobre o recurso da defesa), o parquet retomar e insistir em argumentos expostos anteriormente para reafirmar — mesmo que indiretamente — a pretensão objeto do recurso do Ministério Público (ou do assistente), deverá ser garantido à defesa retorquir uma vez mais os argumentos na parte em que (indevidamente) avançou a sustentação ministerial, que deveria estar limitada a apenas rebater a pretensão deduzida no recurso defensivo. Isto é contraditório, ao menos para nós!

Há quem sustente que, nesta solução proposta, haveria quebra de armas, na medida em que o Ministério Público falaria duas vezes. De fato, falaria duas vezes. Entretanto, falar duas vezes não significa qualquer quebra de paridade de tratamento ou de armas, salvo se o limite que se permite na exegese dos fatos é ver o número de vezes (e não o quê, nem fundamentos constitucionais, muito menos os motivos) que as partes falam. Aliás, não se pode perder de vista que essa hipótese é muito corriqueira. E os exemplos são importantes para permitir uma visualização mais rápida das incongruências de certos posicionamentos. Com efeito, trazendo um a lume, em casos de recurso exclusivo da acusação, feita a sustentação oral pelo parquet, traz explicitamente a defesa — da tribuna — fatos novos que não foram objetos da argumentação expendida no recurso escrito. O que se faz? Permite-se ao Ministério Público falar novamente sobre o fato novo. Falou duas vezes, nem por isso há nulidade decorrente de suposta violação do devido processo legal. O que se permitiu foi exatamente fazer valer a verdadeira par conditio.

Nesta toada, exigir que o Ministério Público fale sempre primeiro (quando houver recursos da acusação e da defesa) aí sim é impor ônus ao parquet (com verdadeira inversão processual, incorrendo no que denominamos há algum tempo de garantismo hiperbólico monocular(3)) de ter que se antecipar (mediante verdadeiro exercício de adivinhação — e não há outro termo para utilizar) ao que provavelmente irá dizer a defesa da tribuna, inconformada com a decisão na parte por ela recorrida (sucumbência só sua nesse espectro). Traz-se exemplo que chega aos limites do paradoxal. E o exemplo é real, verdadeiro, já ocorrido. Estavam em pauta dois recursos perante o tribunal: o da acusação, que pugnava unicamente pelo aumento de pena-base (circunstâncias do art. 59 do CP); o da defesa, com inúmeras preliminares de nulidades, provas acerca da autoria, materialidade, excludentes de ilicitude, inúmeros tópicos. Mais um detalhe (que não alteraria nosso raciocínio, mas que conduz o caso às raias do surrealismo): o parecer escrito do Ministério Público (em segundo grau) era pelo desprovimento da pretensão da própria acusação (limitada à discussão do aumento de pena, reitere-se). Invocando-se o “precedente” do STF, a Corte Regional obrigou o órgão oficiante em segundo grau que falasse necessariamente primeiro sobre todos os aspectos, inclusive sobre o recurso da defesa. Compreendeu-se que a admissão de suas intervenções do Ministério Público quebraria a paridade de armas. Não se disse como haveria a (suposta) quebra de isonomia, mas assim se impôs. Insiste-se: a divergência é unicamente argumentativa. Mas a situação narrada, em nossa compreensão, viola diretamente a melhor compreensão acerca da interpretação harmônica dos sistemas constitucional e legal, implicando diretamente inversão processual à luz do (verdadeiro) contraditório, causando quase que certamente o cerceamento de o Ministério Público poder contraditar o que pretendido pela defesa (que, em sentido geral, é desfazer o que já foi acolhido pela decisão anterior, com a qual se pôs de acordo o parquet). Mais: a prova do prejuízo (art. 563, in fine, CPP) pela (essa sim) inversão processual (impondo-se o ônus ao Ministério Público de falar sempre antes e em numa só vez) é quase impossível. Verdadeira prova diabólica, tão invocada em favor da defesa, mas que aqui se apresenta em favor do interesse social, consubstanciado na necessidade (se for o caso) de punição do agente criminoso mediante o (verdadeiro) devido processo legal. Há se deixar uma vez bem claro: o réu merece ter seus direitos fundamentais protegidos (e o parquet é o maior guardião deles, por paradoxal que possa parecer para alguns), mas não ao custo da violação do devido processo legal e da quebra da paridade de armas.

Como já antecipado, nenhuma irregularidade haveria em o parquet falar primeiro abordando exclusivamente o recurso do Ministério Público ou da assistência. À defesa se oportunizaria contraditar a irresignação ministerial (ou do assistente da acusação, se fosse o caso), fazendo em seguida a defesa (primeira) do recurso em prol do réu. Por último, em verdadeira otimização do princípio constitucional do contraditório, se permitiria ao Ministério Público analisar a pretensão da irresignação defensiva (rebatendo, se for o caso — pois poderia concordar com o pleito, o que não raro acontece).

Também já se disse que, em determinadas circunstâncias (casos complexos), as pretensões recursais (da defesa e do Ministério Público) se entrelaçariam (notadamente quando houvesse debate probatório), impedindo (digamos assim) uma separação tão hialina das pretensões em debate. Isso pode acontecer, efetivamente. Mas só o caso concreto irá revelar. E nesses casos, incumbe ao órgão colegiado julgador analisar, topicamente, se na ordem aqui proposta de sustentações houve alguma invasão indevida dos limites argumentativos. Em havendo, concede-se a palavra à outra parte. É simples. O que não entendemos correto é que haja um tarifamento da ordem de sustentação oral sem que se compreenda a essência dos fundamentos invocados: a ampla defesa e o contraditório.

Notas

(1) Claro: se no curso do processo penal houver alguma inversão da ordem dos atos, há se analisar se a inversão efetivamente importou em prejuízo (notadamente) à defesa. Exemplo bastante simples (até simplório) a ilustrar o afirmado: imagine-se a hipótese em que testemunha de defesa meramente abonatória foi ouvida antes da testemunha de acusação. Não há se falar em prejuízo — art. 563 do CPP —, bem como há se atentar que não houve influência na apuração dos fatos — art. 566 do CPP.

(2) TRIBE, Laurence; DORF, Michael. On Reading the Cons­titution. Cambridge: Harvard University Press, 1991, p. 20. Vide também, dos mesmos autores, a tradução consolidada na obra Hermenêutica Constitucional, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, pp. 19-25.

(3) De modo sintético, quando dizemos que tem havido uma disseminação de uma ideia apenas parcial dos ideais garantistas (daí nos referirmos a um — termo nosso — “garantismo hiperbólico monocular”) é porque muitas vezes não se tem notado que não estão em voga (reclamando a devida e necessária proteção) exclusivamente os direitos fundamentais, sobretudo os individuais. Em nossa compreensão (integral) dos postulados garantistas, o Estado (inclusive o Estado-juiz) deve levar em conta que, na aplicação dos direitos fundamentais (individuais e sociais), há a necessidade de garantir também ao cidadão a eficiência e segurança, evitando-se a impunidade.


Douglas Fischer
Procurador regional da República na 4ª Região; mestre em Instituições de Direito e do Estado pela PUCRS; e professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.

FISCHER, Douglas. A ordem de sustentação oral nos processos criminais perante os tribunais: uma leitura acerca do espectro do que decidido pelo STF no HC n. 87.926-SP. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 196, p. 10-12, mar. 2009.


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