terça-feira, 3 de março de 2009

Entrevista - Luís Pedernera

Cárceres juvenis precisam de enfoque educativo.

Além de denunciar maus tratos físicos e verbais, isolamento de até 23 horas e uso de drogas psiquiátricas em menores reclusos em casas de detenção uruguaias, o Comitê de Defesa dos Direitos da Criança passou de acusador a acusado.



O impacto que o mais recente relatório sobre o que acontece nos centros de detenção de menores no país causou na opinião pública gerou ameaças de denúncias contra os pesquisadores do comitê, que se defenderam apelando para instâncias internacionais.



A principal conclusão da pesquisa publicada há dois meses foi que em nenhuma das dez penitenciárías juvenis visitadas para a realização do relatório "Adolescentes privados de liberdade" (Adolescentes privados de la libertad, arquivo em espanhol em formato PDF) existe um planejamento socioeducativo que oriente as políticas de cada prisão. Pelo contrário, a arbitrariedade e o abuso de autoridade reinam em vários destes lugares.



Luís Pedernera, integrante da equipe de coordenação do Comitê de Defesa dos Direitos da Criança e do Instituto de Estudos Legais e Sociais do Uruguai, conversou com o Comunidade Segura sobre as repercussões do relatório e sobre as necessidades imediatas dos menores reclusos em cárceres uruguaios.



Uma das conclusões mais alarmantes do relatório foi de que existem maus tratos físicos e psicológicos sobre os menores. Como se explica isto e que atitudes devem ser tomadas?



Esse é um dos pontos nevrálgicos da nossa pesquisa. Encontramos disposição da atual gestão para investigar. Na última visita apresentamos uma lista das coisas mais graves e nomes de possíveis responsáveis pelos maus tratos e a direção, em um gesto que reconhecemos, afastou essas pessoas do contato com os adolescentes e iniciou investigações.



Mas a tortura é muito difícil de comprovar, ainda mais quando se está em uma situação de isolamento quase total. Nesses casos, deve ser criado um mecanismo rápido e eficaz de proteção ao adolescente. As investigações são muito lentas e na maioria das vezes são feitas sem separar do lugar onde está o adolescente. Mas não é só a tortura que preocupa. Manter um adolescentes de 15 anos encarcerado durante 23 horas sem nada o que fazer é um tratamento desumano que deve ser corrigido.



Que reações o relatório provocou?



Durante 2008 realizamos duas visitas e publicamos os relatórios correspondentes. O primeiro foi bastante duro e a estratégia utilizada gerou muitas reações, especialmente por parte do governo - algumas esperadas e otras surpreendentes, como a de negar os testemunhos dos jovens sobre as torturas a que são submetidos.



No forte debate realizado pela mídia, que durou quase dois meses depois da publicação do relatório, houve ameaças: o sindicato dos trabalhadores dos centros de reclusão moveu ações penais e civis e passamos de denunciantes a denunciados. Isso nos fez enviar denúncias para o órgão de defesa dos direitos humanos da Comissão Interamericana e a outras organizações.



Quais são as difereças e semelhanças em relação aos relatórios anteriores?



Estamos realizando esse trabalho desde 1991. Na última visita, realizada em outubro de 2008, apesar de muitas das questões denunciadas no relatório de março ainda estarem presentes em alguns centros (23 horas de isolamentp, administração de drogas psiquiátricas, maus tratos, lentidão nas investigações, ausência de propostas socioeducativas), notamos que uma das piores prisões para adolescentes está em processo de fechamento. O problema é que, apesar de estarem encerrando as atividades de uma delas, os problemas se transferiram para outros lugares.



Como foi realizado o estudo?



Somos uma coalizão de organizações não governamentais e, por isso, o trabalho é feito por uma equipe interdisciplinar formada por advogados, assistentes sociais, educadores, arquitetos, médicos, docentes e sicólogos. O trabalho tem o apoio financeiro do escritório da Save the Children Suécia e o aporte das organizações que dispõem de recursos humanos para isso.



Quanto tempo demorou para se fazer o estudo?



A visita é realizadas em dois dias, quando são levantadas as informações com base em um formato que elaboramos baseados no manual da Associação para a Prevenção da Tortura e em nossa expêriencia.



Em seguida vem a redação do relatório que é produzido em um prazo máximo de dois meses depois da visita. No último levantamento entrevistamos 130 jovens, falamos com pais e mães, diretores dos centros, equipes técnicas, empregados, educadores e outras pessoas que estão em contato com os menores.



Como foram realizadas as entrevistas com os jovens?



Generalmente as pessoas que realizam a entrevista com os adolescentes têm um feedback especial e conseguem boa comunicação. Mas se preserva a intimidade do adolescente e a entrevista é feita em local privado. Temos que lembrar que nós vamos embora e eles ficam ali expostos.



O relatório reconhece os esforços que vêm sendo realizados pela nova administração. Quais são esses esforços?



São de trazer transparência à gestão e não deixar passar as questões. Mas ainda estamos muito longe do mínimo recomendável. Falta uma política. Eles têm boas intenções que não se concretizam por falta de planejamento.



Outra das grandes falhas do sistema assinaladas pelo relatório é a ausência de um programa socioeducativo. Existe no Uruguai uma legislação que impulsione este enfoque?



A falta de um programa socioeducativo vem de administrações anteriores, mas não é desculpa. O marco jurídico da Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente é claro no sentido de que devem existir medidas que tenham carácter socioeducativo. Os centros de reclusão não são depósitos de pessoas.



A que ponto chega a prática do uso de psicofármacos e que consequências isso tem par os jovens?



O o clima nas casas de detenção para menores infratores é como uma panela de pressão. Então, as dorgas adiminstradas de alguma forma descomprimem e evitam que a tensão exploda minimizando problemas. Desde nosso primeiro relatório, no entanto, foi modificada a forma de administrar esses medicamentos: antes era administrado por qualquer funcionário, hoje, são enfermeiros os responsáveis por esse trabalho.



Em que grau é aplicada a justiça alternativa no país?



O Uruguai aplica com níveis baixíssimos as penas não privativas de liberdade, apesar de isso dever ser a regra. A regra hoje é a privação de liberdade convertendo assim as alternativas ao encarceramento em exceções. Segundo a Convenção dos Direitos da Criança devería ser o contrário.


Comunidade Segura.

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